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A mostrar mensagens de março, 2018

Andorinha

Quadrúpede sem analogia com a homónima voadora. Teimosa q.b. e ciente da novata que tinha no dorso. Andrómeda já tinha tido experiências com equídeos. Ainda adolescente treinara num pónei…teimoso. Não ligava nenhuma à cavaleira minúscula. Uma incomodativa miniatura que lhe pesava. Disparava a seu bel-prazer, assim do nada, testando a perícia do ser insignificante que carregava. Era um ver se te havias!... um saco de batatas estaria mais direitinho que Andrómeda. Nada de novo, portanto, com a Andorinha excepto…o tamanho. Era uma égua bela, tons acastanhados, crina e cauda preta, uma pequena estrela branca na testa, olhos meigos e matreiros que pareciam testar quem se aproximava. A escolha estava feita. O instrutor avisava para Andrómeda ser forte e destemida. Havia química, havia, mas essa passava pelo prazer que a égua tinha em desautorizar por completo as tentativas da cavaleira em estágio! Belos momentos passaram juntas e, para além da teimosia, partilharam um momento único de

Agora é a doer...

Vénus chora noite e dia! Acabou de chegar a casa, vem cansada. Frequenta aulas de Yoga para descomprimir, já foi alvo de uma série de operações plásticas. A fama assim o exige, ser a deusa mais bela do Olimpo tem muito que se lhe diga! Todos os dias, é o mesmo ritual: agarra no retrato do seu filho Cupido e chora desalmadamente. Era lindo de morrer! Criança fofinha, de loura cabeleira de fartos caracóis, nu, puro e cego, mas sempre certeiro! Adorável! Quanta gente feliz à sua custa! Vénus martirizando-se: - E agora? O que fazes, Cupido?! Onde andas, Cupido? Vénus culpa-se todos os dias pelo erro de educação, não era nada disto que tinha planeado. Cupido só gera apatia e discórdias um pouco por todo o mundo. Marte chora também noite e dia! Acabou de chegar a casa, vem cansadíssimo, frequenta sessões de psicanálise há três meses, já foi alvo de quatro internamentos. Ser dos mais fortes do Olimpo com fama de fraco pai é dura responsabilidade! Marte repreendendo:   - Quantas veze

Reuniões de Avaliação

AVISO! O texto é fruto de uma miscelânea de situações. Qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência. Intratável. Insuportável. Anti-social inflacionado…Descrição de um Director de Turma, doravante DT, antes da “sua” reunião. Stressado, rodeado de pilhas de papelada e munido de portátil, não vá o diabo tecê-las. A malta vai chegando, com sorte é a primeira reunião e ainda há alguma bonomia nos rostos, e…porra, o secretário novamente atrasado! Bem, vamos começando para ver se despachamos as grelhas…Chega, descabelado, um sorriso (irritante) no rosto e desculpem lá, deixei-me dormir. Boa, boceja o resto da malta. Todos presentes, dá-se início à cantilena dos níveis/classificações propostos. Ups, espera aí, há aqui uma discrepância. Opção A - Não te preocupes que tenho justificação. Opção B – Sério? Então muda lá isso para…e a cantilena continua. Em média com 26 alunos para avaliar, a pregação demora o seu tempo. Depois vem a ponderação. Não achas que isto e aquilo. N

Pés Rapados

Aníbal é um velho de oitenta anos que vive numa casa de madeira que ele próprio ajudou a erguer. O local onde vive é o mais puro motivo para que qualquer um possa viver uma vida de sonho, um largo rio com águas límpidas que rasga a terra da qual brotam os mais saborosos produtos, todos dignos de marca biológica, há paz e sossego nos caminhos, as gentes entendem-se e confraternizam. No entanto, nem sempre o Aníbal vivera ali. Enquanto jovem na casa dos vinte, tinha penetrado no mundo da chamada civilização. Tinha absorvido algumas manias civilizacionais, entre elas, usar uma determinada espécie de sapatos e protestar. Protestava quase todos os dias. Chamavam-lhe o pé chato. Aos sábados, toda a comunidade se juntava no terraço da D. Elisete e cada um trazia o que tinha, tudo produtos de alta qualidade nos cestos mais simplórios e daquele sinal de união efetiva resultava o mais rico manjar e convívio. À noite, observava-se as estrelas e dormia-se sem um único ruído e sem uma única luz

Hello darkness, my old friend

Certamente que (re)conhecem estas singelas palavras. Muitas vezes a escuridão é a minha melhor amiga. A mais antiga, a mais fiel. Mesmo no meio da multidão ela se manifesta. O colorido de rostos, roupas, ambientes,…, não penetra na aura negra que me envolve, como se sonâmbula fosse. Olho a direito e nada vejo. Na não-cor da escuridão não vivem astros, luz, pirilampos e afins…as espessas pestanas da mente não deixam vislumbrar qualquer brilho que possa existir em meu redor. A multidão nada me diz. Pode tocar que nada sinto. Pode falar que nada ouço. Pode rir, chorar que não me importo. Estou só. Quando estou só não há poesia, beleza nem harmonia. Somente uma sintonia agoniante entre os meus seres interiores. Lutas titânicas se desenrolam na aridez da escuridão. Esgotada me deixam. Prostrada me abandonam aos abutres dos desertos sem oásis. Quero fugir e não encontro a saída do labiríntico jogo dos demónios interiores. Um devaneio em pânico que me leva a nenhures. Só, quando, c

União

Palavra que se tem ouvido muito entre o professorado. Há algo que não entendo: como se quer união sem querer? A dualidade do ser humano. Não me devo zangar, o que não significa que não possa. Sou de uma palavra só. Se todos assumimos que, intrinsecamente, somos de uma palavra só, como é que não é possível conseguirmos a tão almejada união? O.K. há agendas diferentes, personalidades variadas e afins…mas, enquanto classe, há só uma: exercer a profissão com e em dignidade. Quem se diz de uma palavra só, não pode colocar egos, quezílias, amarguras,…, acima da causa comum. Não é o que se tem verificado. Portanto somos mentirosos ou somos invertebrados. É um boneco feio para quem se diz de uma palavra só! A Natureza dotou todo o reino animal de uma hierarquia: o líder e os outros. Somos alcateias, por mais que tentemos racionalizar a nossa existência, somos! Falamos, barafustamos, opinamos de forma democrática mas agimos com os nossos instintos primordiais. Queremos mas nã

Debaixo do lençol

Debaixo do lençolSempre fui escrava da leitura. Os livros fascinavam, e fascinam, o meu imaginário, formatando quem sou. “Apaga a luz!” foi castigo em cas e nos colégios que frequentei. Remédio santo: pilha a funcionar. Escudada por almofadas e o lençol por cima da cabeça…até dava um ar mais misterioso às peripécias das personagens. Assim cresci. Cresci em idade. Cresci em aventuras. Cresci com os meus heróis. Cresci enquanto pessoa. Nem sempre foi fácil enganar a censura e fintar as regras. Mas, teimosa e destemida, sempre ousei enfrentar quem se interpunha entre as histórias e a minha person a. Eram as intrigas dos western , do cavaleiro, hábil com o seu revólver, na defesa dos injustiçados. O índio apache, que lutava pela sobrevivência da tribo contra o “cara pálida” e a “água de fogo”. Zeus a disciplinar os filhos e a ditar os destinos dos humanos. Ícaro que vou mais alto que alturas permitidas. O assassino que, por mais inteligente e maligno, acabava por

Na Ribeira

A Boneca , cabisbaixa, molengava ao calor debaixo de uma oliveira. Hoje, o dia seria passado na Ribeira. Pelo trajecto, uma luta de dinossauros…dois lagartos, grandes, enormes, monstruosos, verdes, digladiavam-se com as escamas em riste. Titânico! A poeira em remoinhava pelo ar e Andrómeda, teve dificuldade em desviar o olhar. Não soube quem vencera, pois, em viagem, não havia paragens. Ajudou na rega, por entre o milho mais alto que ela, na colha de milhém para dar à mula, na preparação do almoço. O mesmo não era mais que umas batatas cozidas com pele, às quais coube descascar, migadas com tomate e cebola. Sobremesa: pão fresquinho com delicioso queijo de cabra. Os insectos musicavam em volta, numa sinfonia digna doa eleitos. Que repasto! Toca a lavar a loiça! Dirige-se à ribeira, acocora-se e, como lhe ensinara a avó, pega em areia e esfrega bem os recipientes de alumínio. Esfrega, esfrega. Tira gordura e restos de comida. Enxagua, enxagua…na boca da nascente de águas cris

Choro

Choro pelo choro que não me aliviou. Choro por chorar, porque sim. Chorei. Zanguei. Alívio. Ira. Felicidade. Vazio. Por todos choro. O alívio esvaziou-me. A ira esgotou-me. A felicidade pouco durou. O vazio existe. Não tem definição. Choro pelas emoções que não exprimi. Amei-as. Acarinhei-as. Partiram. Ficaram as memórias, a saudade. Choro pelas pessoas que perdi. Esforcei-me. Empenhei-me. Dei tudo o que tinha para ser aquela que não se esquece. Choro pelos que não me viram. Andei. Corri. Passeei pelas estradas, caminhos, atalhos desenhados pela vida. Choro pelos obstáculos que não saltei. Sorri. Vivi. Choro pelos sorrisos que não recebi.

Vê lá se ouves, vê lá se dizes: Pai!

São nove da noite do dia dezanove de março, está muito mais escuro do que habitualmente. A calçada brilha nesse escuro e os meus sapatos brancos calcam-na suavemente. Mais um passeio solitário pela noite escura, nesta noite mais escura do que habitualmente. Pontos de luz sobressaem nessa penumbra, são olhares de janelas. As janelas das pessoas que preferem a luz dos lares à escuridão dos passeios. E é, exatamente, neste momento,   essa luz que me atrai. Está branco em céu aberto nessas janelas de fundo de rua. Há uns anos, não percebia como se podia preferir a luz e o conforto dos lares à escuridão mágica da noite… E o toc, toc dos meus passos continuam firmando a calçada. São os únicos ruídos da noite neste silêncio de rua estreita. Aproximo-me de uma janela, espreito por uma fresta e ouço riso perfeito em festa, cansaços em movimento, gritos que se escapam em leitos alerta atrás desta parede que me tapa. Por momentos, até me senti uma casa. Para mim, o final do dia é sempre est

Cada mesa, sua sentença

Uma brisa. Uma manhã. Cheiro a fresco e molhado. Café! Olhos maravilha! Narinas ao rubro. Está fechado. O sítio do costume está fechado. Hoje, só hoje. Não há café. Fico ali de narinas ao rubro. Não se faz. Ouço burburinho Encerramento súbito do estabelecimento. Fico a ouvir. Grande estrondo. Grande escândalo. O insólito! Na noite anterior, o insólito foi uma mesa. Mesa de ferro ferrugenta. Estava ali há tempo demais. Abandonada. Ladeada por quatro cadeiras de ferro caladas há tempo demais. Na noite anterior, foi o pandemónio. Uma mesa ganhou coragem! Colocou tudo em reboliço. Agrediu várias pessoas com suas quatro pernas que mais pareciam braços ou garras de monstro. Fez ferida grave a quem se aproximou. Voava e protestava como se fosse gente. As cadeiras tipicamente portuguesas ganharam balanço. Também elas foram em desatino. Agrediam, acompanhando a mesa. Eram quatro cadeiras possessas e uma mesa possuída! Ninguém entendeu o que aconteceu. Por uma questão de precaução, encerrara

Cão Raivoso

Não vou falar de cães, apesar de serem uma das minhas paixões. Vou falar de paixões. Uma que, segundo “estudos” é uma extensão de uma psicopatologia qualquer (bem, alguns consideram-na saudável…). Na minha perspectiva, é um desabafo legítimo perante algo que não podes controlar ou não consegues ultrapassar. Falo da raiva. Aquele acontecimento que te tira do sério. Aquela pessoa que te apetece matar. Aquela situação em que o ensejo é mutilares-te. Todas são situações em que, pessoas apaixonadas, podem ultrapassar os limites. Limites ditos salutares ou socialmente correctos. Parte a louça. Manda uns berros. Dança ao som de Metal . Injuria e blasfema. Cospe e baba, como um cão raivoso! São momentos avarias de EDP…energia acumulada que dá um curto-circuito! Cara transfigurada e postura corporal agressiva. Após a explosão sentes o vazio. A bomba rebentou e deixou “estragos” visíveis. Podem ser pratos partidos. Podem ser palavras ditas e irreversíveis. Podem

Rugas

Rugas São como a rosa-dos-ventos, disparam em todas as direcções. Aquelas que mais me agradam são as rugas belas. Aquelas do sorriso e da idade. São elas que vincam um rosto. Lhe imprimem carácter. Lhe dão a sua definição de ser. Falo-vos de um rosto, envelhecido, certo, no entanto formoso, corajoso, brilhante e, na sua infelicidade, feliz. Olhos vivos e vivazes. Atentos, penetrantes. Um rosto de quem criou sete filhos só, após a perda do marido. Um corpo seco, musculado, perna hirta por um joelho estilhaçado pelo coice da mula e que, com tenacidade e energia, corre rua acima, rua abaixo. Azáfama constante e imparável! Eram as hortas, as sementeiras, as regas, as colheitas,… Todas deixaram as suas rugas num rosto belamente envelhecido. Tempos livres? Artista, com certeza! Rodilhas multicoloridas, remendos impecáveis, roupagens grosseiras mas costuradas com esmero. Também cinzelaram o rosto belamente envelhecido. Ralhar e chamar à atenção davam vida às rugas que, muitas

Apanhar um “pifo”

Apanhar um “pifo”... ...não é leitura para puritanos e crentes da imaculada imagem do Ser. Posto isto, que bem sabe, que bom é, de vez em quando, apanhar um “pifo”. Uma tainada com os amig@s, conversas do “Lembras-te?” ou, mais sério, “O que achas de ?”, jogos, risotas, com o copo que vai sendo reforçado por mãos que deixaste de contar. Chega a altura em que a conversa séria já não tem importância (ou tem, dependendo da perspectiva), os jogos viraram mímicas, as recordações passam a hilariantes devaneios. As expressões são de boa disposição (exceptuando os que persistem nas “conversas sérias”) e algumas faces apresentam as características rosetas do tintinho bem destilado. Depois vem a sobremesa, as ditas espirituosas, e no ambiente não há lugar para tristezas. Já tudo serve para fantasiar parábolas, inventar e inverter anedotas, treinar os músculos faciais e abdominais… É pura energia! O “pifo” define-se quando já não tens um pensamento claro e objectivo, nem com tal te

“Ó Stôra!”

“Ó Stôra!” Ouviu-se na rua. Instintivamente virei-me. Ups!...afinal não era para mim. Após tantos anos e de já ser avó de alguns, torna-se mecânico responder ao chamamento. Recordo a minha primeira aula. Ano lectivo 1992/93… Xaxus, como estava nervosa. Apesar das psicopedagógicas e bons conselhos, na hora do toque o estômago contraiu-se e a bílis subiu… Queria fugir e esconder-me bem escondidinha. Nada a fazer. O momento chegara! Respirar fundo, sorriso nos lábios e, bora lá, para a sala de aula. Uma multidão de miniaturas de sétimo ano esperava à porta. Olharam e começaram a cochichar…Ai,ai, que pânico. Entraram ordeiramente e fechei a porta. “E agora?”. A expectativa nos olhares era avassaladora e o receio de não corresponder, enorme. Comecei por me apresentar, bláblábláblá, e, consoante ia avançando, as borboletas estomacais acalmaram. A descontracção passou de fingida a real e uma espécie de cumplicidade respirava-se na sala. Dialogou-se e …”Ó Stôra?”…he,he, que sensaç

O Pote de Café

Esfregando os olhos, Andrómeda foi acordando de um sono aconchegante. A cama, com três camadas de mantas pesadas, parecia a toca de um coelho. Quentinha que ela era, a toca! O conforto era tal que a apetência para levantar preguiçosa se tornava. O frio, que se adivinhava fora, não era grande motivação. Só uma coisa poderia fazê-la saltar da cama: o café da avó! Cheirinho delicioso que vinha da cozinha… Lentamente, como uma brisa primaveril, o aroma despertou todos os seus sentidos: o pote estava ao lume. Tooca a levantar, gritava todo o seu ser! Corajosamente, empurrou as mantas, ui que frio, saltou da cama, vestiu a camisola de lã e as meias suplentes. “Bom dia, ‘Vó.”… e lá estava a avó Clotilde em volta do pequeno-almoço. Ao lume, assente nas três perninhas, encontrava-se o potinho do café. Andrómeda pegou num garfo, espetou-lhe uma fatia de pão, grosso e bem olhado, e colocou-o à beira das brasas. Era a famosa torrada au lumière , he,he. Entretanto, o pote ferve, a avó

A Aldeia que é um Ninho

O regresso é sempre algo que me envolve num espírito de alegre melancolia. Se a aldeia falasse, muitas histórias contaria. Descer do autocarro ou estacionar o carro e a “visita às capelinhas”, como lhe chamava. Avós, tios, primos,…todos eram visitados. “Então, como estás?”, pergunta inerente aos abraços e beijinhos de boas vindas. Aconchegada pelo almoço lá se punha a conversa em dia. “Sabias que?”…e era uma infindável narrativa sobre fulano tal e tal. Risadas e risotas, misturadas com algum pesar, quando da morte se tratava. Só depois chegava a vez de abrir as janelas à casa, arejar os compartimentos,…, torná-la novamente acolhedora. A noite era minha! Amigos, no café de eleição. Juntavam-se e combinavam as actividades a desenvolver até de madrugada. Como era bom regressar. A aldeia é a casa maior, onde todos te conhecem (alguns mal, vá) e tu todos conheces ( alguns dispensáveis, vá). Aí estás em segurança, o coração bate em sonância com a cadência das carroças da madru

Crónicas de Uma Viagem 3

            E a noite cai em menos de nada, límpida, mas sem estrelas no céu. Apenas vejo a lua, cheia, grande, brilhante, deslumbrante. Gosto muito da lua porque podemos olhar directamente para ela e, para mim, sempre simbolizou um elo de aproximação entre mim e quem estava longe, pois podíamos ambos olhar para a lua em simultâneo e estávamos a ver o mesmo, apesar do afastamento geográfico. É uma imagem muito reconfortante e romântica. A lua é feminina, como diz o meu “ex-namorado”.             Quase que não há outros automóveis a circular no meu sentido, nem no sentido contrário. Subitamente começam a aparecer relâmpagos no negro do céu, muitos e sucessivos. Não resisto; encosto na berma da auto-estrada, ignorando conscientemente o perigo deste acto, mas tenho de apreciar este espectáculo! Abro a porta, saio do carro, encosto-me e fico a olhar o céu por uns bons minutos, a pensar na energia carregada nos raios que, talvez um dia, a ciência a saiba aproveitar, como tentou fazer, ma

A Nuvem Vermelha

É assim que vejo o mundo quando estou realmente irritada. Há muita coisa que me irrita…até eu própria me irrito! Quando se pede, se tem e não se agradece. Quando se tem e não se tem consciência que se tem. Quando a consciência é egoisticamente cega. Quando a cegueira não nos leva para lá do umbigo. Quando o umbigo é maior que o horizonte. Quando o horizonte é tão pequeno que não se vêem os outros. Quando os outros só vêem o seu umbigo e se vive a solidão na multidão. Quando a solidão é vermelha, raivosa, mesquinha. Quando a multidão é indiferente à tua dor, alegria, existência. Quando a indiferença te mata numa agonia lenta. Quando a alegria não é partilhada. Quando a existência não é porque não és. A Nuvem Vermelha é perigosa. Suga-te o discernimento, a vontade, a razão. Sopra. Sopra…até a  afastares e o sol penetrar numa nuvem fofa, branquinha, algodão doce e cavalinho alado.

Crónicas de Uma Viagem 2

( continuação ) by Maria Liberdade             Saio da garagem do prédio que habito, junto ao rio, com o termómetro exterior do carro a marcar 15º C. Deparo-me com um nevoeiro cerrado e vejo o termómetro a baixar vertiginosamente, tanto que, ao fim de 6 quilómetros decorridos vejo registados 5º C. O nevoeiro não levanta e na auto-estrada o termómetro cai até 1º C! Prevejo que a minha viagem até Santa Maria de Além-Mar vá ser debaixo deste nevoeiro e com muito frio; mal sabia eu que estava redondamente enganada...             Tenho o hábito de não colocar a antena do rádio no carro para que não ma roubem, nem mesmo em viagens grandes, pois tenho receio de me esquecer de a tirar depois, ou seja, ao fim de uns 60 quilómetros percorridos, começo a ficar sem conseguir ouvir rádio e, como não tenho leitor de cd's, digo para comigo “hora de falar com a minha amiga João, do Porto”. Coloco o auricular e faço a ligação. Quase sempre sou bem sucedida e damos dois dedos de conversa, ela