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A mostrar mensagens com a etiqueta Mónica Costa

Molha tolos

Há uma maturidade incrível na evidência de certas crianças e uma infantilidade quase cómica na nossa vida de adultos. Fazemos anos (ou desfazemos). O quê? 40? 50 anos de birras já suficientemente fortes para nos afirmarmos enquanto indivíduos de vontade própria. Passamos de forma atabalhoada pela fase da visibilidade e, agora, que estamos a atingir o patamar da invisibilidade (que é um poder fantástico), fazemos birras por tudo e por nada só para dar nas vistas! Como dizia alguém, vivemos no limbo porque ninguém se preocupa connosco por ainda não sermos velhos, mas também ninguém se interessa verdadeiramente por já não sermos novos. Enfim, é uma chuva miudinha… é o que é! Um molha tolos!  Mónica Costa

A bem da cultura

Transmitir cultura e beleza aos nossos jovens é, por exemplo, apostar em estações de caminhos de ferro recuperadas. E não digo, destruir tudo e compor edifícios em betão. Digo, manter a traça original, restaurar, dar brilho. Quem anda de comboio (como eu), vê muitos jovens que entram e saem. Conhecem as estações e os apeadeiros.  Ontem, tive a oportunidade de apreciar com pormenor a Estação da Granja (Espinho). Maravilhosa a linha de Aveiro! E esta estação em particular é encantadora. Pequenina, humilde e bela. Esquecida… Azulejos de um azul fantástico, todos deteorados! Rachadelas nas paredes! Tijolos de um laranja magnífico prestes a sair das paredes! Esta estação chora por todos os lados! E, no entanto, mesmo no meio de todo este desmazelo, reina a Beleza! E a cultura! Pinturas fantásticas em azulejos alusivas a várias partes do nosso país! Um passadiço mal engendrado que vai dar a uma praia deliciosa! À volta da estação abundam casas aristocráticas, algumas em ruínas, mas a maio

Uma vida inteira

Perdeu-se! E a culpa foi da máquina de costura! Criatura quase esquelética, sempre fechada em sítio de silêncio e amargura, de olhos colados em tecido de fibra sintética, os dedos minuciosos apesar das artroses e os pés sempre atentos – triste figura! Era de uma coordenação exímia, de um alinhamento perfeito. A espinha curvada em assento duro e, depois de dado o aval ao calcador, era só contar 1, 2, 3, e partida segura em tttttttt frenético!!!! Um barulho de agulhas e pedais que se estendiam pela ruela acima. Picava a agulha e ía tecendo o seu caminho em ziguezague de três pontos como assinatura, mas com receio de perfurar os dedos escandalosamente minuciosos naquela maquinaria fina e obscura. Que visão imponente e trágica! Uma vida inteira a compor pedaços de dias e bocados de momentos dos outros num trabalho de teimoso patchwork ! Nunca lhe tinha passado pela cabeça agir, costurar noutro instrumento rudimentar tão eficaz e trágico tão fiel a esta máquina de

... e da lama nasce a flor de Lótus

No outro dia, vi um programa televisivo dedicado a Taiwan e, numa das suas cidades mais populosas, Taipé, a maioria das pessoas circula nas ruas e nos transportes públicos com medo de se contagiarem ou contagiarem os outros. Usam máscaras que escondem sorrisos! E seja nesta ponta ocidental ou no recanto mais oriental, somos cada vez menos isto e cada vez mais aquilo.  Cada vez mais extremos disto e daquilo. Ou se está pateticamente feliz ou exageradamente deprimido, ou se está morto de cansaço pelo trabalho excessivo ou parado no tempo inútil, ou nos encontramos ou nos isolamos. Ou vivemos no caos ou vivemos na ordem. Já não há lugar nem paciência. Ou é oito ou oitenta, ou vai ou racha!  Parece que só ambicionamos o excesso, a estrutura, somos feitos de estatutos e de planos cumpridos. Idolatramos a ordem, o semáforo, os pés bem assentes no chão, os horários certos, a confiança, o definitivo, o quente, a tribo, o apoio e o conhecido. Queremos ser os lugares certos, mas atormentad

Pic e Nic

Portanto, hoje, deu-me para investir num piquenique! Que é como quem diz: dar trincadela no naco de forma descontraída e divertida. Fiquem, desde logo, a saber que houve atraso de propósito para criar a saudável ansiedade. E neste cesto de vime trago um largo sorriso! Doçuras, portanto! Daquelas de criar água na boa...Calma suficiente para estender esta toalha aos quadrados neste dia de vento. Espaço e tempo q.b. Coração, vermelho, vermelho, a condizer com os quadrados desta toalha. Esperança de que a tarde dê em flor. E vontade! Daquelas vontades que permitem que nos coloquemos não de lado, mas bem no meio. Água suficiente, verde no horizonte e verde ao perto, daquele verde de sombra. Uma cadeira de encosto para assentar beijos demorados. E enquanto isso, vamos esticando as costas nesta esteira quente e de nariz virado a norte. Brasas as do sol (que hoje deu em tímido!) e tempero o do céu, azul como sempre, belo e legítimo. E assim, juntos em perfeito pic e nic, ficamos a falar, que

Invadimos os ares

E agora visto daqui de cima, nós, que já vivemos cem mil anos, agora que invadimos os ares e nos mantemos aéreos, mais o encontro dos corpos que temos, parece que pertencemos a uma montanha, daquelas coloridas, tipo Vinicunca E, agora, calcorreamos o céu que nos foi dado, abrindo as asas que nos deram para planar dos meus versos para os teus braços… E ao fim do dia, já cansados, podermos aconchegar, ao fim de cem mil anos, fechados em nossas asas Concluindo que afinal é mesmo de nós que vêm as asas! Mónica Costa (foto de Michel Dessans)

semeadores de lixo

Vinte e cinco centímetros de papel amachucado à entrada Três tampas de plástico bem no meio da praia Seis ou sete pacotes de nada, da cor do cinza Oito gaivotas que por ali esvoaçam indiferentes como estas gentes que chegam sem atirar os olhos ao chão para não ver a sua própria desgraça E esta imundície desde a entrada até às profundezas do oceano não deveria constar de poemas assim… Mónica Costa (a obra de arte que vem do lixo de Vik Muniz)

Qual desenhador habituado a certas inclinações!

Às sete em ponto desce a rua e, normalmente, atira-se apressada para dentro da loja nº 79 da Rua Direita.  Esta é uma rua de inclinações muito próprias e nada do que o nome indica, faz acreditar no desalinhamento de prédios e passeios onde até as gentes parecem andar obliquamente. Também não sei se assim é efetivamente ou é de mim e do meu par de óculos. É que nenhuma janela bate certa com outra nem nenhuma porta é do mesmo tamanho. E é, no seio de todo este desacerto, que eu, apesar de péssimo a desenho, consigo desenhar toda esta rua mais as gentes que a povoam.  E, neste desenho diário, há uma certa figurinha. Uma das criaturas mais interessantes que tive oportunidade de enxergar em toda a minha vida. Ora, como dizia, ela entrou apressada na loja do nº 79 e, normalmente, deste ponto onde a miro, nunca lhe tinha admirado o rosto. Vai ligeira quase sempre, de cabelos para a frente e não há ponta de sorriso que se lhe pegue. Mas, hoje, e sem saber muito bem como aconteceu, consegu

Não me interrompas na utilidade da minha distração!!!

Penso ter passado agora a fase da atenção porque me ausento imenso! Sinto recém a chegada fase das distrações: um olhar preso à chuva da janela o estalar em ternura por chegar a destino errado o tempo contado em cada romã estilhaçada o esticar-me lentamente nesta luz a mão distraída em teu peito E passar assim tão leve pela avenida… Agora entendo por que motivo são perfeitas as estadias daqueles velhos que nas mesas daquela praça jogam sem pressas às cartas Portanto, quando me vires parada… Não me interrompas na utilidade da minha distração!!! Mónica Costa (foto de Artur Pastor)

Ócio

No contexto das nossas profissões fazemos E alguns fazem-no bem Outros nem por isso E outros ainda bem demais E vamos ocupando o tempo de forma útil (ou supostamente útil) Mas aos poucos (e se o tempo for todo tomado disso apenas) Vamo-nos aniquilando Porque a pessoa que somos na nossa essência Precisa do ócio (mais do que o negócio) Uma ociosidade generosa Um desprendimento para apreciar a nossa vulnerabilidade Um sair do coma, do frenético lufa-lufa Um humilde e silencioso recuo. ( já que estamos em tempo de férias, nada melhor do que ler «A apologia do Ócio» de Robert Louis Stevenson) Mónica Costa (pintura de Claude Monet)

Nada de likes, nada de partilhas!

Lembra-se bem da magia que encerrava a ideia de, há uns largos anos, ver as gentes a fazer as malas para irem de férias. E se topasse que seriam férias para destinos longínquos e num período que excedia os dez dias, a sua capacidade imaginativa permitia criar imediatamente cenários extraordinariamente paradisíacos porque nunca constatados in loco . Sempre os supôs magníficos nas vidas dos outros. Via essa gente partir de férias e era como se, à maneira moderna, um like gigantesco lhes abrilhantasse a partida. Já em idade adulta, e numa fase de já completa resignação pela condição de turista de garrafão habituada a imaginar os destinos paradisíacos dos outros, sucedeu algo muito curioso. Uma oportunidade única, uma qualquer campanha ou louco desafio publicitário de uma qualquer agência de viagens que decidiu propor o seguinte. Um anúncio desestabilizador, provocante: férias numa ilha paradisíaca com tudo pago durante dezoito dias. Praia de águas cristalinas e areia branquíssima, cab

A velha e o pessegueiro

Cada um com a sua sentença. Era isso que os meus olhos carregavam naquele dia, com toda a certeza. Era isso que eu enxergava nos olhos dos outros que se cruzavam comigo. Talvez se o dia desse em rentável… talvez pudesse pensar: cada um na sua alegria! Mas, realmente, tinham sido dias difíceis e a palavra que me ocorria, quase sempre, talvez da forma mais injusta, era sentença. Palavra triste, pesada, escura, implacável. E foi neste estado que decidi circular. Escolhi de propósito uma rua calma, verde e silenciosa. Podia ser que a natureza me sorrisse e me dissesse: cada um com a sua alegria!  Bem, de repente, avisto um magnífico quintal. Daqueles quintais que não são hortas nem jardins. São quadrados de terra caseira e intimista onde se cruzam couve galega com rosas ou se alinham carreiros de alfaces com canteiros de jarros. Lá ao fundo um tanque tosco de pedra que exibia claros sinais de abandono e que, já há muito, não via água nem sabão. E qual ponto luminoso, no meio do quinta

Não, vou ficar!

João olha o mar.  Está sozinho perante a imensidão do oceano. Veio para refletir. Pensar na vida. E respira. Nunca esta ação deste sujeito poderá ser interrompida por qualquer virgulazinha intrometida. A não ser que….  …pois…. aconteceu o que João não desejava! - João, olha o mar! (Aqui está! O João, o mar e a mãe do João).  A mãe do João que daqui a nada estará a recomendar-lhe: «João, recua! Ainda te afogas!» Ela não entende que o rapaz tem quase vinte anos e precisa de observar o mar a sós. O certo é que a virgulazinha decidiu intrometer-se entre este sujeito e o puro ato de contemplação. E lá se foi o ato contemplativo!  Ai! A vírgula! Esse reparo pequeníssimo e pendurado na linha da frase a tentar resistir, fazendo-nos lembrar que os pequenos pormenores existem e marcam a diferença sem chamar a atenção. Às vezes, até nos esquecemos que ela existe ou colocamo-la num lugar inadequado. Ela lá vive angustiada mas sobrevive. Como agora…devia ter aparecido antes da palavra «m

E, como é coisa fria, pensei ser o melhor local para afixar um lembrete a quente

Cores verdadeiras, de preferência primárias Viagens de longo curso Aves de rapina, de força Toques de beleza Flores, muitas flores em anúncio Bandas de música a desfilar pelas veias Leituras e teatro a rodos Relva para refrescar os pés Falinhas mansas em mantinha peluda Um sol cansado de tanto brilhar Uma areia quente Luta e energia suficiente Rasgos de coragem e de saudade Um frio amargo e um travo doce ... e sempre as nuvens que restam daquele dia… Não esquecer Viver! (Normalmente, os post-its que figuram na porta do meu frigorífico são amarelinhos da cor do sol e começam assim: «Não esquecer!». E logo a seguir vem uma lista que vai aumentando à medida que a semana decorre: iogurtes, pão, cereais, detergentes, cebolas, pimenta e mais não sei o quê… Hoje coloquei um post-it na porta do meu frigorífico. E, como é coisa fria, pensei ser o melhor local para afixar um lembrete a quente. Hoje, lembrei-me de adequar a lista à cor amarelinha do dito papelucho. É l

F E C H A D O

vou pela rua fora estranhando o fecho de todas as lojas letreiro nas portas fixado um nome exato F E C H A D O nome peremptório que põe tudo parado e que anula qualquer ilusão! Mónica Costa

Porquê culpá-la de todo o mal?

Talvez só hoje por já ser tarde e porque o dia quis que ficasse aqui parado tenha olhado para essa tua mão mais os seus cinco dedos adjuntos. É mão que empurra, estremece o mais forte pelas vitórias que paulatinamente vamos conseguindo mas também sei por que razão é mão que puxa, agarra o estilhaçado pela desgraça que surge por vezes num sopro vago! Porquê culpá-la de todo o mal se é ela que nos salva na maioria dos casos? O que dizer da coragem do seu indicador que quando convidado a recolher se põe altivo e severo contra o impostor? E o que dizer do pobre mindinho quase sempre desprezado por ter nascido pequenino e mesmo assim cisma em aparecer? E que tal falar do anelar singelamente moldado pela pesada aliança que promete a felicidade! Ou do afã do polegar que virou escravo neste tempo de teclas que nos ilude em conectividade! Já para não acabar com o dedo do meio que mantém a dignidade de quem quer ser rafeiro Neste mundo de cães de raça! Mónica Costa (f

Para ti é mel!

Eu ouço, compreendo e sinto. E esta é a minha desgraça porque sou observadora de abelhas e de flores! É contigo que eu quero falar, ó abelha! E tu que passas por mim e voas e nem sabes que eu existo! É essa a tua felicidade! Eu sentada neste banquinho inofensivo, fervo por dentro por te apreciar em tão ligeiro voo. Tu que cumpres tão objetiva e concentradamente a tua missão neste planeta. Estás aqui, estás a voar de flor em flor e daí para a tua colmeia. Quantas abelhas iguais a ti já passaram por mim em seu voo sincronizado? O meu problema é este: eu vejo sentindo, tu voas sem sentir. O teu único foco é encontrar a fonte de energia que transformarás em produto útil. E és efetivamente eficaz na distribuição de tarefas. Sugas a doçura e não a beleza. Para ti, há um único problema que requer solução e para o qual há uma única opção e voas. Calculas imediatamente todas as variáveis. Número de obreiras e fontes disponíveis. Tudo bate certo! Nem Siza Vieira faria melhor! Colmeias que são a

Lugar

Lugares.  Do caminho que trilhas andando. Um semáforo em verde que te acalma e que permite a tua passagem ou um sinal vermelho que te acende por vezes. Lugares. Quem me dera ter a certeza. Uma casa. Aquela casa de janelas cor de laranja. Um jardinzito de nada que encerra todas as alegrias da terra. Quem me dera ter a certeza desse grito de mar que pintou aquela casa de verde. Em certos momentos deténs o passo. Um lugar. Quatro degraus e sobes. Uma porta da cor do mar. Noc! Noc! Uma onda com cor de porta! Só terás a certeza quando entrares. Uma sala de fogo que te acolherá.  Um dia, disseste o que é para ti engolir entre dentes cada letra F  E  L  I  C  I  D  A  D  E. Mas como a felicidade é difícil de contar!... No meio da sala uma mesa redonda. Rosa azul ao centro. Janela aberta qual semáforo verde para deixar entrar a brisa. E os dedos de sal vão desenhando os omoplatas. Percorrendo suaves, lavrando o dorso. Não tocam imediatamente, mas deixam queimar. Bafo quente… E teus olhos! M

Eu sei que não sabes…e ainda bem! É a tua paixão!

E ela estava ali afirmando que a paixão não procede das pessoas. Muito tenho lido eu e, então, a Agustina é do melhor! Só escreve coisas acertadas! Diz ela: - As pessoas têm de obedecer a algo para não cumprirem apenas uma vida sem impulso, daí procede a paixão! É maravilhoso ler o que alguém escreve como constatação do que a vida lhe provou.  É terrível constatarmos que percebemos a profundidade do que alguém escreveu porque a vida nos provou. E é um crime pretender alertar alguém do que a vida lhe há de provar, quando ela ainda está na fase de acreditar que a paixão procede das pessoas.  Este texto é para ti que ainda acreditas que as manhãs não são todas iguais. Foi alguém que te disse? ou descobriste por tua própria mão? Ou terá sido algum sonho que te veio e não te deixa andar tranquilo e urge confissão? Por tua própria mão não deve ter sido, ainda é cedo demais Se foi alguém que te disse, não sabe que as manhãs não são todas iguais E eu sei quem te veio descon

Falemos então de facilitismos, Sr. Costa

"Não é justo que a escola, que é a única esperança de mobilidade social para muitos, em vez de eliminar as assimetrias sociais à entrada, as reproduza ou, por vezes, as acentue." Comecemos, então.  Há aqui uma expressão que ouço muito no meu dia-a-dia profissional. "Não é justo"...  ...pois, deixe que lhe diga que, a massa mais jovem tutelada pelo Sr. Secretário de Estado, à qual o Sr. diz que a escola só pode dar esperança através da mobilidade social, usa este vocabulário quando, por exemplo, lhes refiro que o colega A, devido a dificuldades "diagnosticadas" na alínea tantas do normativo tantos, irá "beneficiar" de uma estratégia de avaliação um pouquito diferente das dos restantes colegas. Esta diferenciação, para si quiça redutora, já vem, por si só, acentuar as assimetrias dentro da minha sala de aula. Sabe, certamente, que a sala de aula é o habitáculo privilegiado da minha profissão, em seu entender espaço onde defraudo os a