Avançar para o conteúdo principal

Mensagens

A mostrar mensagens de 2024

manhãs de sábado

qual gume de navalha afiada nela pende por instantes a gota como que lembrando que o tempo também chora

Letra para um Hino

Gostaria que visitassem este cantinho. Chama-se Dias Úteis e é uma iniciativa de qualidade para a divulgação da literatura. Emprestei a minha voz, com orgulho, ao episódio 885, em homenagem a um dos valores que mais prezo: a Liberdade, a partir de um poema de Manuel Alegre. https://www.podbean.com/ew/pb-9kazb-15f33b7 Um podcast que nos oferece um poema pela manhã, de segunda a sexta-feira. Por vezes também à tarde, nem sempre apenas poesia. De 24 de Março a 24 de Abril, o Dias Úteis fez questão de ser também Dias Livres, convidando escritores, leitores, amigos do podcast a darem a sua palavra, expressando o seu olhar artístico sobre os tantos significados de "liberdade".  Todos podem receber todos os episódios subscrevendo de forma gratuita em todas as plataformas de podcast (Apple, Google, Amazon e muitas outras) e contar com conteúdo adicional seguindo as páginas no Facebook, Instagram e YouTube. Se gostar dos conteúdos, por favor avalie nestas plataformas e partilhe com os

o motivo do nosso sorriso

quando sorrimos a sério e cheios de luz há uns muitos que se nos reparam: uns poucos por se reconhecerem a sorrir uns quantos para aprenderem também a sorrir assim e muitos outros por quererem decifrar o motivo do nosso sorriso

quando for grande serei Paris

  foi desta perspetiva que topei a elegância desta intrincada figura pública na sua rainha posição vertical

Deixa… que a paisagem sou eu que te observo

Ver-se-ão ao fundo traves de ferro cruzadas como se fosse um escudo, segurando os dois lados. E, no meio, um rio que dizem d’ouro. Por cima das grades, ver-se-á gente que desfila cuidados. Os do passeio. Um ror de gente que insistirá em não ter um ponto de chegada. Tu lá andarás para trás e para a frente, sozinha ou acompanhada. Passa pouco das seis da tarde e ouvir-se-á daqui a nada o comboio que passa num tilintar de ferros.  Mas quando subires o olhar, ver-me-ás. Eu, gaivota do Duque de Loulé, em silêncio e parada que nem uma estátua à espera de ser fotografada para que apareça no teu registo de futuro. E exibir-me-ei como se te dissesse «Deixa… que a paisagem sou eu que te observo».

como entendo o único ponto de exclamação

estendo a toalha sem um único vinco disponho os pratos com cuidado é dia em que a luz tem outro encanto com a sala que é de estar e cresce por dentro como entendo o único ponto de exclamação que esta minha nova versão merece! de cada uma das cadeiras como um verso desta mesa que quando cheia é poema desta mãe por completo

todos temos razões para nos movermos

continua o caminho e como amo este mundo horrível este caminho tão daqueles tão que nem sei explicar em que uma pessoa se perde para depois se achar ( o título é um verso de Mark Strend)

sleep well

e instaura-se, aos poucos, uma tranquilidade que me tomou todo o corpo em movimento eficaz

é a natureza da cor do que puderes ser

olhei o céu e o banco em que me sentei  ficou da cor do céu que olhei ficou da mesma cor o vestido e da mesma cor o corpo que o pediu é a natureza da cor do que puderes ser

em nome de um predicado

há um ciclo que nos assiste e nós no meio dele às voltas e voltas em torno de uma solução e, embora haja sempre aqueles que são a palavra estabelecida e por meio de metáforas assinalem presença como um traço de sangue a marcar morada, livrai-nos destes senhores instituídos que se exibem como se fossem o caminho da terra prometida

e acreditam ainda na possibilidade de sol

nunca antes a primavera me havia falado assim tão cruel tão fora de si, desvairada e fria surpreende-me ainda de luvas na mão e chora que nem criança mimada faz birra, atrasa-se ciente das mudanças deste tempo as flores incólumes pesam com a água que pinga pinga e acreditam ainda na possibilidade de sol

Dou por garantida esta minha estranheza

 Não costumo fazer à pressa uma avenida Sinto, antes, pedra a pedra uma calçada como quem anda sempre entretida. Não costumo beber chá, mas delicio-me com café e adoro pão tostado, de preferência de um só lado. São estes os meus modos verdadeiros os que me fazem andar pelo meu próprio pé. Dou por garantida esta minha estranheza. É isso, sou de mim mesma e nunca deste ou daquele lugar.

atrai e finta no tempo certo, ainda de ovo na mão

atrai e finca, o vento é certo tem espátula comprida o tempo vem-nos à boca um travo acre e porque não se pretendem mais espasmos vale-nos ao menos o que não é capa atrai e finta no tempo certo, ainda de ovo na mão descascando-nos do que nos entorpece e fica-se à espera do próximo que se sente ao nosso lado com o júbilo que merecemos e não com um a ver se te avias em apuros

deixa - me que te lembres

Deixa-me que te lembres do meu ar e da minha forma da cor do meu cabelo da minha voz calma e destes olhos claros e brilhantes que te têm

mas só enquanto ficamos bonitos ao relento

Construímos muros altos à nossa volta por nos supormos jardins sumptuosos que urge preservar da vista alheia entrincheiramo-nos e calamos o canto viramos estátuas quase perfeitas daquelas que jorram água para dentro de um lago que está sempre cheio Tão potentes e seguros! Mas só enquanto ficamos bonitos ao relento.

um lugar de março em funções

terra caiada inundada por mil sóis pequeninos chão tapetado puro veludo verde-claro (surpreendida por um mar de malmequeres selvagens à beira da estrada)

Arranco-me em uis! e ohs!

Ponho-me a olhar e é uma fraqueza perante o que é torto e jamais se endireita.  Arranco-me em uis! e ohs!  consoante a surpresa ou desilusão à medida do enxergado e é cada vez mais um e a montanha pariu um rato!  É cada vez menor a vontade e maior a evidência  da perícia do rato danado para a ratoeira. Daí estas rugas que se plantam ao canto do olho e na testa de tanto decifrar ou sorrir  a propósito do que nos assola ou nos transforma  em botão de ligar ou desligar. 

colei os costados à tábua

O que vai na alma, por vezes tão à superfície, é inalcançável, no entanto, aos olhos dos mais distraídos e aos pés tão cheios desta areia.  Colei os costados à tábua. Estava o banco gelado e é inverno. Daqueles dias de cortar à faca. A roupa húmida à espera de algum bafo quente que não deixe o nariz num tão estado de lampião aceso e pingando. Cheira a barcos que chegam de longe e a peixe fresco, a grelhados de robalo e pão acabado de cozer. Cheira a páginas de jornal velho e tresanda a abundância de algas. Este banco sabe a um momento depois da tempestade. Tenho os cabelos em chama e levo as mãos à cabeça, domando a selvajaria capilar, mas o vento é um estupor e desarranja-mo por completo. A camisola que visto é da cor do céu quando chora. Cada ano que passa, menos sei e acabei de esmagar, sem querer, um caracol. Eu que gosto tanto de caracóis. Não fosse o vento, até se estava bem aqui, de papo para o ar, aguentando este frio. Esta é a altura do acontece e há um ganho em segundos quand

E há um mistério que se desprende neste Porto sentido.

A meio desta tarde, chove. Uma chuva, miúda, é certo. E, embora molhe, não intimida as gentes. Estão as ruas cheias, os cafés e as lojas. E é curioso porque parece gente animada. Está frio e há um nevoeiro que se mistura com o fumo das castanhas assadas. Parece novembro. E há um mistério que se desprende neste Porto sentido. Nem sei se importa o dia exato em que tudo isto se abre ao meu olhar. Fecho os olhos e tudo parece não ter espaço nem tempo. Só sei que a mistura de tudo isto e mais a água que se mistura faz de mim a miúda mais sortuda do mundo nestas ruas por onde deambulo debaixo de chuva, a meio desta tarde.

Morremos todos os dias mais um bocadinho

 - Morremos todos os dias mais um bocadinho - mas só à noite porque de manhã outro galo canta  e diz que somos jovens demais para pensar nisso e que podemos ir por aí afora cantar a toda a gente o dia por inteiro esse novíssimo dia que nos nasce todos os dias depois da noite e logo, podemos descansar e recomeçar a ladainha - Morremos todos os dias mais um bocadinho -

Penso nisto, não como quem pensa, mas como quem respira

Fico-me pelo Alberto, o Caeiro mais este sol nas costas que sabe tão bem mais a paz do que se quer por inteiro e se tem «Penso nisto, não como quem pensa, mas como quem respira»

Está em tudo aquilo que te quero fazer.

Está na cabeça tudo aquilo que te quero fazer. Recordo-te que a minha casa é a da roupa mal estendida: Duas molas por toalha, uma por lençol vincos piores do que os das mães conservadoras que passam a ferro até as calças de ganga. O chão está impecável e o tapete é novo. Onde está o poema perguntas? Está em tudo aquilo que te quero fazer. (poema de Nuno Santos)

como lidas com os muros

 vim cá para ver como lidas com os muros que valor dás às pedras e ao pó e de como os transformas em caminho

neste dia de inverno é nisto que penso

Ficou-nos esta mania Sinto-o todos os dias Somos parecidos. Ficou-nos esta mania de querermos ser felizes. Ouve o respirar concertado É ou não igual?

sementes

Quando pisas o pé descalço no chão da tua terra No desenho que fazes há a marca do teu mundo verdadeiro

A luz acende-se. Está o pátio molhado e cheira a hortelã.

Ver-te assim à janela à espera que o gato regresse e, de repente, fazer-se música aí dentro enquanto a chuva cai. Trago o cesto cheio de fruta madura acabadinha de colher e uma saca de pão. Entro e está o forno a aquecer, a mesa posta. Está a mão na massa. Canta o pássaro na gaiola. Varre-se as migalhas e guarda-se o saco da farinha. Trinca-se umas nozes e recomeça a morrinha. Está um dia bonito e chuvoso. Mas é dia de passo lento e de descanso. Dia de família. Está quase no fim o dia. A luz acende-se. Está o pátio molhado e cheira a hortelã. Arrastam-se os chinelos pela casa e mia o gato lá fora. As jardineiras continuam vermelhas e já demos banho ao cão que vem desenfreado esfregando-se na alcatifa da cozinha. Está, hoje, a casa cheia. E tudo isto acontece enquanto desliza o caracol a baba na parede da varanda. 

Tem esta particularidade interessante de desafiar a lei da graciosidade

 Enrola-se em si por entre os cabelos Tem esta particularidade interessante de desafiar a lei da graciosidade E nem o tempo se ofende! Teima em prolongar o entretenimento Neste enrolar descontraído de dedos em S E fica assim alheada por entre os cabelos enrolados em S por entre os dedos

Ai a minha perigosa vulnerabilidade!

Uns altinhos de toupeira pelo jardim fora. É uma casa abandonada.  Espreito sempre que vejo uma janela aberta em casa abandonada  Vá-se lá saber porquê! O sol que se viu é coisa que não se esquece.  Deve ser por isso que, mesmo em dias de chuva como o de hoje há sempre algo de sol que consigo enxergar.  Normalmente, nos jardins abandonados há coisas de sol.  Como esta que vos exponho.  E eu adoro-te, mas este verão não me há de escapar.  E, de repente, lembrei-me de alguém que anda sempre nas nuvens.  Ai a minha perigosa vulnerabilidade!

((um modo, ainda de amar

Não sei dizer quem de nós partiu de nós primeiro Gosto de pensar que partimos juntos, como se Ir pudesse ser jeito de permanecer ainda uma espécie de plano a dois (um modo, ainda de amar) Mar Becker

are you part of the Universe or is the Universe part of you?

porta tão branca que se abre tão estreita para tanto corpo que a enche trajeto que se revela tão curto para tão longa viagem uma espécie de espaço e tempo no qual nos inserimos ou que nos habita