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colei os costados à tábua

O que vai na alma, por vezes tão à superfície, é inalcançável, no entanto, aos olhos dos mais distraídos e aos pés tão cheios desta areia. 

Colei os costados à tábua. Estava o banco gelado e é inverno. Daqueles dias de cortar à faca. A roupa húmida à espera de algum bafo quente que não deixe o nariz num tão estado de lampião aceso e pingando. Cheira a barcos que chegam de longe e a peixe fresco, a grelhados de robalo e pão acabado de cozer. Cheira a páginas de jornal velho e tresanda a abundância de algas. Este banco sabe a um momento depois da tempestade. Tenho os cabelos em chama e levo as mãos à cabeça, domando a selvajaria capilar, mas o vento é um estupor e desarranja-mo por completo. A camisola que visto é da cor do céu quando chora. Cada ano que passa, menos sei e acabei de esmagar, sem querer, um caracol. Eu que gosto tanto de caracóis. Não fosse o vento, até se estava bem aqui, de papo para o ar, aguentando este frio. Esta é a altura do acontece e há um ganho em segundos quando se olha para o lado do mar. O lado esquerdo, o meu predileto. O meu ponto forte. Do lado direito, há um desarranjo completo, uns quantos detritos em laranjas, amarelos e azuis, gaiolas várias, colchões com molas de fora, sapatos rotos e bandeiras desfeitas pela ventania. Este banco embrulha-me e permite-me estirar os músculos retesados pela caminhada de há bocado de ter andado mais um pouco à espera de chegar a algum lado e de ter olhos de quem não se rende neste dia de inverno desfavorável. 




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