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A mostrar mensagens de 2019

A Vida é bela!

Eu sei que podia descrever a Vida assim: um dia que se esgota num ápice e nós correndo para a sombra fechamos as portas de casa pousamos as cabeças na crina deste cavalo e seguimos agarrados aos flancos crivando as esporas para aguentar a noite à espera do dia que se segue e que se esgota em batalha... Mas não posso expor isto desta maneira assim! Simplesmente porque as descrições, tal como a Vida, alimentam-se de Adjetivos! E apercebi-me, agora, que não há aqui nem um!... Mónica Costa

Nem mesmo esta árvore que esperou por mim durante um ano inteiro!

Tenho quase a certeza que só esta manhã é que me veio à lembrança que estamos no Natal! Época de comunhão! E andava eu tão absorta que nunca mais me lembrei da árvore natalícia. Lá ficou encaixotada desde o passado dia sete de janeiro e, até hoje, ainda não tinha dado sinais de vida. E agora que olho esta árvore, ainda por decorar, é que parei…De vez em quando, temos de parar, não é? Pois, foi o que me aconteceu, estagnei num pensamento…  É Natal! É Natal! E por falar em comunhão, estamos naquela mágica e incontornável época do ano! Altura propícia para balanços e inventários, o registo do Deve e do Haver. E por falar em comunhão… Quem fez o quê? Quem merece? Quem pode estar presente? Quem pode e não quer? Quem não pode e quer? Para onde devo ir? Onde fico melhor sem chatear muito? Com quem quero estar? O que comer? Quando comprar? O que comprar? Será que tenho tempo?  E lá andamos nós esgotados nesta lista interminável de questões efémeras, desejando um dezembro com 62 dias ou, ent

arbusto

Foi no fim do outono que começou este inferno e de lá para cá tem andado agitado aquele arbusto danado que vergado se expõe a este diabólico inverno vê-se despido e açoitado leva todos os dias porrada e, mesmo fustigado, debate-se firme à espera da primavera… Mónica Costa (arte de Cristina Troufa)

Que remédio!

Pequenos toques como o primeiro esfregar o olho direito ainda de rosto enfiado no travesseiro atirando o esquerdo para o céu para ver o tempo que faz arrebitar o nariz que nem cão farejando o nevoeiro ou simplesmente morder o lábio matreiro que, sedento e húmido, deseja mais um dia por inteiro abrir os braços, insinuando que se atirará por ali fora trincar a tosta, beber o leite devagar, assobiando que nem canário! E salta o chinelo, foge o pijama e expõe o corpo ao manifesto Calça a bota, veste o capote, leva a saca e o farnel com a salada Vai direita e combinada na cisma de que será uma boa jornada E assim se afasta da rotina que cansa e se envolve no dia que a satisfaz E vai leve e sempre com sorte por considerar este dia perfeito! Faz chuva? Bem bom! Faz sol? Ainda melhor! Minudências! É este o único remédio! Viver em regozijo por esta generosidade ostensiva de viver todos os dias estes toques como se fossem os primeiros. Mónica Costa

Agora!

É o agora não é o ontem nem o amanhã é este instantinho pequenino em que me deito sob esta manta quentinha e onde a neve se transforma em lençol É um calor que vem de dentro para fora e de fora para dentro de mim e assim enrolada nesta manta de agora nem consigo ficar ali a pensar no amanhã Fico exatamente aqui num gozo puro e simples de quem tem as unhas cravadas neste agora e não quer por nada deste mundo deixá-lo ir embora. Mónica Costa

E o Universo repôs a ordem e estalou o verniz!

As grandes cidades têm a mágica capacidade de nos deixar ludibriados com a movimentação, a energia das muitas coisas a acontecer, do apelo ao consumo… tudo parece bonito e bom e em promoção… um mar de oportunidades!!!  As grandes cidades têm também a capacidade de nos deixar anestesiados perante a miséria e a pobreza, de nos ensinar a hipocrisia social de nos exibirmos felizes e consumidos, passando impávidos por aqueles a quem a vida chicoteou.  Nas grandes cidades convivem lado a lado dois tipos de animais: os que arreganham a dentadura e os que oferecem, submissos, o cachaço.  E feliz daquele que tem tempo e serenidade para pensar na desgraça dos outros!  E estes meus desabafos vêm na sequência do trágico, mas feliz, acontecimento do bebé que constituiu notícia esta semana. Chocou, alertou, lembrou, mostrou, desabafou! Há tendas e tendas! Há as tendas esplendorosas e mágicas do campismo que remetem para férias, aventura e passeio. (Eu própria guardo memórias magníficas da

Chuva que arrepia!

Eu que sempre me alimentei de luz e do voo disparatado dos pássaros em céu azul vi hoje o amanhecer em tons de cinza e fiquei curiosa e estupidamente feliz!...  Acho que só hoje tomei consciência do fim da primavera ou do verão ou das coisas perfeitas E é bom termos consciência da beleza das coisas imperfeitas! E, em vez de ficar remoendo ou protestando, saboreei o quase início do inverno e fiquei estupidamente feliz!... Foi assim que mandei expedir, imediatamente, mandado de prisão ao sol. E tal ordem partiu da sentença lançada no processo por mim e em juízo perfeito! E que ninguém ponha em causa as suas características! Porque essas vêm seriamente expressas mesmo na última alínea do artigo mais completo do Código de processamentos dos dias luminosos em dias de chuva! Dever-se-á, portanto, fazer cumprir escrupulosamente a diligência que agora se determina. Lembremo-nos que, tal como um dia de sol, também um dia de chuva pode ser maravilhoso! Mónica Costa

Sim, meu filho, é esta esperança de te deixar num mundo tão inseguro!

Sim, meu filho, é esta esperança de te deixar num mundo tão inseguro! É esta esperança que me alimenta: de que faças o melhor que puderes ao longo da tua vida de que te mantenhas firme e não curvado quando tudo cair em teus ombros que te mantenhas fiel a ti próprio mesmo quando todos duvidarem de ti (sem esqueceres que as suas dúvidas devem ser tidas em consideração) de que te lembres da nobreza e da maravilha do saber esperar e que te congratules por não alinhares em mentiras. É esta a esperança que o meu sorriso e abraço te comunicam todos os dias: a de teres a certeza de que a melhor maneira de viver é amando e mesmo quando te sentes desprezado, não compensa acumular revolta a de teres a certeza que não és bom demais nem superior aos outros mas também não és menos do que eles, somos todos iguais e a de teres a certeza que sonhar…oh! Sonhar, sonhar é a salvação deste mundo (não deixes que a realidade te corroa!) Seres capaz de lidar com o triunfo e com o desastre como

em nome da cultura...

Segundo reza a história, em 1865, foi inaugurado o Palácio de Cristal, na altura um edifício belíssimo que foi palco de cultura durante 86 anos. Em 1951, foi demolido, passando a ser o Pavilhão de Desportos. Nessa altura, segundo os registos, o belíssimo órgão de tubos que existia no palácio foi destruído à martelada. Houve reação popular que conseguiu pelo menos manter a designação de Palácio de Cristal. Ainda hoje, aquele local (lindo!) é associado ao nome magnífico de Palácio de Cristal. A abóboda que se impõe logo à entrada recebeu a designação, entretanto, de Pavilhão Rosa Mota. Sendo que aquele espaço estava agora associado à designação de Pavilhão de Desportos e, mantendo, e muito bem, o conceito original de espaço cultural, decidiu-se homenagear Rosa Mota, como símbolo de cultura do nosso país! Mulher de percurso pessoal, social e profissional íntegro, é o orgulho dos portuenses e dos portugueses! Tudo uma questão de essência, de valores e de identidade cultural. Mas… é assi

o muito que ali está

É estranho como acordamos às vezes! Assim aconteceu um dia… Tinha eu cinco anos e, numa certa manhã, acordei sem qualquer reação nas pernas. Choque! Pânico! Gritei pela minha mãe! A mãe não acreditava… pensava que eu estava a fazer fita! Ao fim de alguns segundos, percebeu que era verdade! Não estava a fingir… eu não conseguia andar! Surgiu um telefonema atrapalhado! A mãe discava num daqueles telefones pretos enormes, que só quem é dos anos 70 sabe do que se trata! Do outro lado da linha, a voz do pai que vem a correr! Chega o pai e mais a mãe, ambos aflitos! Levam- -me para o hospital! É grave! – dizem-lhes… E agora? Lá estou eu numa cama de hospital! Hospital de S. João, no Porto! Um quarto branco igual a todos os outros e muita gente à minha volta! Lembro-me de tudo! Aos poucos fui ficando imóvel, completamente paralítica! Foi um mês de tortura. Para uma criança vivaça como eu, foi de uma profunda tristeza! Ficou a bicicleta para trás, os caminhos enlameados de brincadeira, as

há um cartaz XXL na estrada

Há um cartaz em tamanho XXL na estrada que anuncia: BOM TEMPO É UMA ATITUDE! Corre um lamaçal chove a potes caem relâmpagos apagam-se as luzes noite de breu… razão para acreditar na contaminação potencialmente violenta da publicidade! Mónica Costa (foto de Márcia Oliveira)

e cai a noite e eu com ela

Desse lado frio e quotidiano fico evitando o calor das vidas das gentes recolhidas em suas casas porque eu gosto das cidades abertas, desertas e pesadas com as suas ruas de silêncio de um silêncio que cresce à medida que a tarde lentamente desaparece eu gosto quando todos se vão e eu fico deambulando contando em voz alta os meus passos no chão ouvindo o morno bafo das pedras das pedras da calçada cansada da gente que andou por ali desvairada e cai a noite e eu com ela e à medida que a voz quente da noite me liberta do peso da razão lembro-me do meu estado de alma de luz e cheia que prefere a solidão! Mónica Costa

e como era a Vontade...

Nasce do âmago evoluindo por entre ácidos e ali se regozija em líquidos pedaços e pedaços minúsculos boiando acumulados durante anos e anos azia, arrepio, friozinho no estômago e vai crescendo! trilhando o caminho inverso de baixo para cima vem disparada e sobe desenfreada pelo esófago empurram-na os movimentos peristálticos e ganha forma maior! pedaços que crescem e se vão constituindo em corpo cada vez mais forte garganta e língua à mistura e ali por entre dentes pedaços que se desmastigam em boca aberta boca aberta de espanto! lança-se o pedação borda fora solta-se em ponto de exclamação suculento … pronta a ser mastigada a qualquer momento Mónica Costa

sem palavras

Eu que nunca me vi em vestido vermelho… não pelo vestido nem pela cor, mas por mim… é que entre o vestido e as minhas medidas sempre se gerou… um desentendimento…! Coisas de barriga e ancas largas… Nunca o dito vestido assumiu tais ambições… Vestido vermelho que se preze só entra em cena quando deixa a boca aberta dos olhos que o vêem e alcança de tal maneira o sangue que a boca de tão aberta, fica sem palavras! Mónica Costa (foto de Elizabeth Gadd)

Ao que chega o desconcerto!...

A minha avó numa qualquer janela a acenar-me lá de cima, recomendando-me cuidados. Ora esta! Foi um sonho desconcertante o que tive! Ela que nunca me considerou a neta preferida, em vida, demonstrava preocupação, agora depois de morta, por eu seguir ligeira pela rua fora. Ainda por cima uma rua larga e bem iluminada! Uma rua que não inspira cuidados! Ao que chega a hipocrisia!  E, ao mesmo tempo que a sua voz estalava no silêncio da rua, reclamando cuidados, um sino marcava as seis da tarde. E havia um raio de luz que ía ensombrando aquele dia. Ora, como eu sempre adorei os finais de tarde e seguia por uma rua segura, ignorei as recomendações da mulher que espreitava naquela janela! E lembrava-me dos dias inconscientes onde me estirava no chão do quintal da minha avó. Depois de um dia de brincadeiras, ficar ali esparramada junto das avelãzeiras, a ouvir os passarinhos nas árvores, era do melhor que podia existir para alimentar uma criança daquela idade! Tinha a mesma magia e sabor d

Sabe agora

Sabe agora que não devia ter desprezado os sinais dos relógios. Devia ter percebido que um relógio quando pára está em protesto. No seu caso, os três relógios de pulso que tem a uso - não agora, obviamente - foram amuando, um após o outro. Até o relógio da cozinha se solidarizou, atrasando-se alguns minutos.Os relógios param, toda a gente sabe isso. Já tinha acontecido com alguns deles outras vezes. Nada de novo. A novidade está no facto de se terem unido em protesto. Queixaram-se que o pulso dela não batia como antes. Reivindicavam, portanto, melhores condições de trabalho. Explicou-lhes que o responsável não era o pulso, mas o coração. Prometeu-lhes que faria tudo para que não tivessem motivos para queixas. Disse-lhes que começaria por comprar pilhas e que, logo que possível, arrumaria o coração, alimentá-lo-ia para garantir o seu funcionamento pleno. da autoria da minha amiga Lu F. Obrigada! (pintura de Rita Constante)

O pão nosso de cada dia

Acordas atordoado para o quotidiano do não e eis a tua vida a água e pão pão estrafegado de manhã ao balcão, pão sem manteiga e, com sorte, um galão e assim engolido de pé para a mão, segues iludido com o pão de centeio e ficam insolentes as migalhas no balcão a denunciar a tua condição de papo meio cheio Puxas as orelhas ao saco de plástico enraivecido, pois então!... E a ti que te dizem que não deves ter fome nem sede acabas por comer o pão todo e ainda levas, para casa, meia dúzia de pães em promoção! E, no dia seguinte, enfrentas a admoestação e por todas as ofensas pedes perdão vais alimentando toda esta máquina poderosa que não pede desculpa pelo que ofende comandada pelos que não se alimentam de pão porque já engordaram… não precisam… (sejam feitas as suas vontades assim na terra como no céu!) Mónica Costa (foto de Raymond Depardon)

Vidas de todas as vezes que lemos!

Vidas de todas as vezes que lemos!  Olhamos os outros em todo o seu silêncio e admiramos-lhes a calma. E ficamos incomodados. Desconhecemos, no entanto, as lutas de dentro. Desconhecem eles as nossas ao admirar a nossa calma. E ficam eles incomodados. Dizia o outro: sê gentil, pois desconheces as bata-lhas que o outro trava!  Foi assim que começou o meu dia de hoje. Viagem de comboio para variar. Sentada perto de uma janela a ver deslizar a paisagem. Um pedaço de ponte e um pedaço de água, uns raios de sol e um braço de nevoeiro ao longe. Nunca entendi muito bem o silêncio das marginais. E muito menos o mistério que se extrai das manhãs de outono. A indiferença com que a natureza se oferece em calma sem a menor ponta de luta por dentro. Eu não lhe exijo nunca que entenda o meu silêncio, mas gosto quando é capaz de me revelar a luta que travo por dentro. Entretanto, vem-se sentar à minha frente uma pessoa. Endireita-se no banco e abre um livro. É um livro com poemas por dentro. Daq

na mesma página

São curiosas as voltas da vida! As voltas nossas, as humanas… E dessas voltas e voltas, resultou virmos parar à mesma página Esta, agora, onde nos encontramos e que esconde revelando a mesma raíz…  esta origem inefável, irremediável esta insustentável leveza do ser E da raíz presa às entranhas da Terra surge a minha e a tua a vontade de ver surgir uma flor Esta, agora, que vemos e admiramos e de onde surge a razão do mesmo perfume dos teus dias e dos meus e nos vai amparando Em voltas e voltas de fazer virar uma e outra páginas em admirável e corajosa viagem frágil do ser! Mónica Costa

Maldita Poesia!

Mas que raio de técnica esta a da maldita poesia que não me larga uma técnica infalível e a qual contraria quase sempre a regra psicanalítica: interessa o que quer dizer mas nunca o que diz! Mónica Costa

impertinências

Uma friagem danada de exigir casaquinho e surgia a manhã em nevoeiro. E foi uma folhinha impertinente a que, de imediato, se veio pôr a meus pés Veio e pousou lenta, de verde desbotado e com insistentes achaques de amarelado. Pensava, talvez, que lhe fosse prestar a devida vénia, mas ali ficou, desprezada. Contornei-a e segui o meu caminho. Na volta, já despontava algum sol por entre as nuvens e eu, ainda bebendo a sua sombra devagar, e por dentro de mim o som do mar. Contornei-a e insiste ela em meu caminho… a mesma folha impertinente a exigir outono, a exigir intimidades. E se as folhas do outono cismarem aqui à minha porta todos os dias? convidando-me aos castanhos e amarelados? a obrigar-me a não ficar presa ao verão? anunciando que está a acabar, quando eu estou sempre disposta a começar? Mónica Costa

É esta a nossa escapatória e a nossa força!

Ainda me lembro desse dia. Era um corredor comprido e estreito cheio de portas de madeira. A meio do corredor estava a minha sala de aula. E eu pequeníssima. Não havia confusão nos corredores, apenas uns quantos jovens, circulando sem grande entusiasmo. Era uma escola secundária, daquelas que tinham estilo e cheiro de antigas escolas industriais. Nesse corredor, havia duas portas que me chamaram desde logo a atenção. A porta da sala dos professores. Fixei-a, imaginando uma nuvem de fumo (sempre achara que os professores fumavam muito). Era uma sala de porta sempre fechada e quando se abria era entreaberta apenas por alguns segundos e logo se cerrava. Era o reino da sabedoria (pensava eu). É que sempre olhei os professores como ricos (de dinheiro e sabedoria!!). Depois havia a porta da biblioteca. Escura, cheia de armários fechados de madeira escura, uma longa mesa no centro escura e livros de capa dura e com cheiro a velho. Dali a uns dias, haveria de descobrir o prazer de abrir livro

Em verdade vos digo: estou descansada! Pousei a espada…

Em verdade vos digo: estou descansada! Pousei a espada… Atirei com o elmo e afastei o escudo para bem longe E são três da tarde. Uma mesa sombreada, daquelas de esplanadas direitas e sossegadas num recanto de rua primaveril que, à partida, não serve para nada. O verão está a chegar ao fim. Não há tristeza. Há uma aragem, uma brisa suave… um quente que persiste, algumas folhas de árvore um silêncio. Pousei a espada… Há também um sol, leve sol e uma pele algo dourada Está macia e ouve o vento suave que diz: - Qualquer dia, somos outono. Estás feliz? E eu respondo que sim, claro que sim! - E porquê? E eu respondo. - Escolhi uma razão para ser alegre sem hesitação. Uma minúscula razão! Que por mais pequena que seja, ou pateta, ou ingénua, ou banal ou extravagante me possa dar à luz sem hesitação. Em defesa do que é belo e bom nesta vida. Mónica Costa (foto retirada de Pinterest)

versos pingos de mel

É também a fruta um poema Esta que agora se apresenta Tem sabor que nasce por dentro Destes versos pingos de mel Figos que se abrem e desvendam Cinco figos bem cheiinhos Prontos para a minha batalha Desbravo um, desbravo os cinco Trinco-os de uma assentada! Mónica Costa

Do Retorno...

...tudo começa com um simples e pequeno papel que recorda, de imediato, a papelada que me espera em mais um ano de serviço (bem, será se não houver novo Árctico Orçamental!). Estacionei o carro e, de imediato, deu-me aquela sensação de bílis, sabor acre e corrosivo e que, segundo estudos, fazem muito mal ao tracto gastrointestinal. O emaranhado de gente que vislumbrei, também não me entusiasmou muito a entrar no edifício... "Olá. Dá cá um beijinho!"...não sou muito de beijocar, sou mais de abraços, apertados e sentidos, mas, enfim, a sociabilidade assim o requer. "Eu sei que não gostas de beijos, mas dá cá um."...suspiro e obedeço. (Re)começou o ciclo: o ano de 2019/2020...Somos, creio eu, dos poucos que desejam Bom Ano em Setembro o que significa que a cena do Pai Natal e assim, há muito que está desactualizada. O Retorno, e sim rábulas já circulam, é pago. Não é muito, mas simboliza uma quantidade de dinheiro que vou ter de gastar ao longo do ano para exe

Molha tolos

Há uma maturidade incrível na evidência de certas crianças e uma infantilidade quase cómica na nossa vida de adultos. Fazemos anos (ou desfazemos). O quê? 40? 50 anos de birras já suficientemente fortes para nos afirmarmos enquanto indivíduos de vontade própria. Passamos de forma atabalhoada pela fase da visibilidade e, agora, que estamos a atingir o patamar da invisibilidade (que é um poder fantástico), fazemos birras por tudo e por nada só para dar nas vistas! Como dizia alguém, vivemos no limbo porque ninguém se preocupa connosco por ainda não sermos velhos, mas também ninguém se interessa verdadeiramente por já não sermos novos. Enfim, é uma chuva miudinha… é o que é! Um molha tolos!  Mónica Costa

A bem da cultura

Transmitir cultura e beleza aos nossos jovens é, por exemplo, apostar em estações de caminhos de ferro recuperadas. E não digo, destruir tudo e compor edifícios em betão. Digo, manter a traça original, restaurar, dar brilho. Quem anda de comboio (como eu), vê muitos jovens que entram e saem. Conhecem as estações e os apeadeiros.  Ontem, tive a oportunidade de apreciar com pormenor a Estação da Granja (Espinho). Maravilhosa a linha de Aveiro! E esta estação em particular é encantadora. Pequenina, humilde e bela. Esquecida… Azulejos de um azul fantástico, todos deteorados! Rachadelas nas paredes! Tijolos de um laranja magnífico prestes a sair das paredes! Esta estação chora por todos os lados! E, no entanto, mesmo no meio de todo este desmazelo, reina a Beleza! E a cultura! Pinturas fantásticas em azulejos alusivas a várias partes do nosso país! Um passadiço mal engendrado que vai dar a uma praia deliciosa! À volta da estação abundam casas aristocráticas, algumas em ruínas, mas a maio

Uma vida inteira

Perdeu-se! E a culpa foi da máquina de costura! Criatura quase esquelética, sempre fechada em sítio de silêncio e amargura, de olhos colados em tecido de fibra sintética, os dedos minuciosos apesar das artroses e os pés sempre atentos – triste figura! Era de uma coordenação exímia, de um alinhamento perfeito. A espinha curvada em assento duro e, depois de dado o aval ao calcador, era só contar 1, 2, 3, e partida segura em tttttttt frenético!!!! Um barulho de agulhas e pedais que se estendiam pela ruela acima. Picava a agulha e ía tecendo o seu caminho em ziguezague de três pontos como assinatura, mas com receio de perfurar os dedos escandalosamente minuciosos naquela maquinaria fina e obscura. Que visão imponente e trágica! Uma vida inteira a compor pedaços de dias e bocados de momentos dos outros num trabalho de teimoso patchwork ! Nunca lhe tinha passado pela cabeça agir, costurar noutro instrumento rudimentar tão eficaz e trágico tão fiel a esta máquina de

... e da lama nasce a flor de Lótus

No outro dia, vi um programa televisivo dedicado a Taiwan e, numa das suas cidades mais populosas, Taipé, a maioria das pessoas circula nas ruas e nos transportes públicos com medo de se contagiarem ou contagiarem os outros. Usam máscaras que escondem sorrisos! E seja nesta ponta ocidental ou no recanto mais oriental, somos cada vez menos isto e cada vez mais aquilo.  Cada vez mais extremos disto e daquilo. Ou se está pateticamente feliz ou exageradamente deprimido, ou se está morto de cansaço pelo trabalho excessivo ou parado no tempo inútil, ou nos encontramos ou nos isolamos. Ou vivemos no caos ou vivemos na ordem. Já não há lugar nem paciência. Ou é oito ou oitenta, ou vai ou racha!  Parece que só ambicionamos o excesso, a estrutura, somos feitos de estatutos e de planos cumpridos. Idolatramos a ordem, o semáforo, os pés bem assentes no chão, os horários certos, a confiança, o definitivo, o quente, a tribo, o apoio e o conhecido. Queremos ser os lugares certos, mas atormentad

Pic e Nic

Portanto, hoje, deu-me para investir num piquenique! Que é como quem diz: dar trincadela no naco de forma descontraída e divertida. Fiquem, desde logo, a saber que houve atraso de propósito para criar a saudável ansiedade. E neste cesto de vime trago um largo sorriso! Doçuras, portanto! Daquelas de criar água na boa...Calma suficiente para estender esta toalha aos quadrados neste dia de vento. Espaço e tempo q.b. Coração, vermelho, vermelho, a condizer com os quadrados desta toalha. Esperança de que a tarde dê em flor. E vontade! Daquelas vontades que permitem que nos coloquemos não de lado, mas bem no meio. Água suficiente, verde no horizonte e verde ao perto, daquele verde de sombra. Uma cadeira de encosto para assentar beijos demorados. E enquanto isso, vamos esticando as costas nesta esteira quente e de nariz virado a norte. Brasas as do sol (que hoje deu em tímido!) e tempero o do céu, azul como sempre, belo e legítimo. E assim, juntos em perfeito pic e nic, ficamos a falar, que

Invadimos os ares

E agora visto daqui de cima, nós, que já vivemos cem mil anos, agora que invadimos os ares e nos mantemos aéreos, mais o encontro dos corpos que temos, parece que pertencemos a uma montanha, daquelas coloridas, tipo Vinicunca E, agora, calcorreamos o céu que nos foi dado, abrindo as asas que nos deram para planar dos meus versos para os teus braços… E ao fim do dia, já cansados, podermos aconchegar, ao fim de cem mil anos, fechados em nossas asas Concluindo que afinal é mesmo de nós que vêm as asas! Mónica Costa (foto de Michel Dessans)

semeadores de lixo

Vinte e cinco centímetros de papel amachucado à entrada Três tampas de plástico bem no meio da praia Seis ou sete pacotes de nada, da cor do cinza Oito gaivotas que por ali esvoaçam indiferentes como estas gentes que chegam sem atirar os olhos ao chão para não ver a sua própria desgraça E esta imundície desde a entrada até às profundezas do oceano não deveria constar de poemas assim… Mónica Costa (a obra de arte que vem do lixo de Vik Muniz)

Qual desenhador habituado a certas inclinações!

Às sete em ponto desce a rua e, normalmente, atira-se apressada para dentro da loja nº 79 da Rua Direita.  Esta é uma rua de inclinações muito próprias e nada do que o nome indica, faz acreditar no desalinhamento de prédios e passeios onde até as gentes parecem andar obliquamente. Também não sei se assim é efetivamente ou é de mim e do meu par de óculos. É que nenhuma janela bate certa com outra nem nenhuma porta é do mesmo tamanho. E é, no seio de todo este desacerto, que eu, apesar de péssimo a desenho, consigo desenhar toda esta rua mais as gentes que a povoam.  E, neste desenho diário, há uma certa figurinha. Uma das criaturas mais interessantes que tive oportunidade de enxergar em toda a minha vida. Ora, como dizia, ela entrou apressada na loja do nº 79 e, normalmente, deste ponto onde a miro, nunca lhe tinha admirado o rosto. Vai ligeira quase sempre, de cabelos para a frente e não há ponta de sorriso que se lhe pegue. Mas, hoje, e sem saber muito bem como aconteceu, consegu

Não me interrompas na utilidade da minha distração!!!

Penso ter passado agora a fase da atenção porque me ausento imenso! Sinto recém a chegada fase das distrações: um olhar preso à chuva da janela o estalar em ternura por chegar a destino errado o tempo contado em cada romã estilhaçada o esticar-me lentamente nesta luz a mão distraída em teu peito E passar assim tão leve pela avenida… Agora entendo por que motivo são perfeitas as estadias daqueles velhos que nas mesas daquela praça jogam sem pressas às cartas Portanto, quando me vires parada… Não me interrompas na utilidade da minha distração!!! Mónica Costa (foto de Artur Pastor)

Ócio

No contexto das nossas profissões fazemos E alguns fazem-no bem Outros nem por isso E outros ainda bem demais E vamos ocupando o tempo de forma útil (ou supostamente útil) Mas aos poucos (e se o tempo for todo tomado disso apenas) Vamo-nos aniquilando Porque a pessoa que somos na nossa essência Precisa do ócio (mais do que o negócio) Uma ociosidade generosa Um desprendimento para apreciar a nossa vulnerabilidade Um sair do coma, do frenético lufa-lufa Um humilde e silencioso recuo. ( já que estamos em tempo de férias, nada melhor do que ler «A apologia do Ócio» de Robert Louis Stevenson) Mónica Costa (pintura de Claude Monet)

Nada de likes, nada de partilhas!

Lembra-se bem da magia que encerrava a ideia de, há uns largos anos, ver as gentes a fazer as malas para irem de férias. E se topasse que seriam férias para destinos longínquos e num período que excedia os dez dias, a sua capacidade imaginativa permitia criar imediatamente cenários extraordinariamente paradisíacos porque nunca constatados in loco . Sempre os supôs magníficos nas vidas dos outros. Via essa gente partir de férias e era como se, à maneira moderna, um like gigantesco lhes abrilhantasse a partida. Já em idade adulta, e numa fase de já completa resignação pela condição de turista de garrafão habituada a imaginar os destinos paradisíacos dos outros, sucedeu algo muito curioso. Uma oportunidade única, uma qualquer campanha ou louco desafio publicitário de uma qualquer agência de viagens que decidiu propor o seguinte. Um anúncio desestabilizador, provocante: férias numa ilha paradisíaca com tudo pago durante dezoito dias. Praia de águas cristalinas e areia branquíssima, cab

Distribuição de serviço

Não queria falar de assuntos sérios...mas, sei que nesta altura, muitas escolas se debatem com esta questão. Há algum tempo, opinei sobre a tipologia, incompleta certamente, de Professores ( https://coisassstuff.blogspot.com/2019/05/do-ranking-dentro-das-escolas.html ) nas escolas. Quero acreditar, a sério que quero, que essas tipologias não interferem na atribuição de serviço anual e quero acreditar que há escolas que fugirão a esta caracterização. Assim, encaro o que escrevo de uma forma generalizada salvaguardando as excepções. É tão bom saber atempadamente os níveis, as turmas, os eventuais cargos (aqueles que não se pretendem vitalícios) e demais tarefas a cumprir no ano lectivo que se aproxima (não quero entrar pela temática dos que escolhem as suas, boas, turmas and so on , porque isso lhes digo directamente e ponto). Sabe bem...e, pela primeira vez, em 27/28 anos de serviço, tenho uma noção do que me espera. Até já preparei algumas aulitas, experimentei umas ferramentit

Balanço do ano lectivo by Me

Antes demais fica a vontade amigável de entenderem que, nas redes sociais, também somos Professores. Perceberam?! Na minha opinião, e vale o que vale, este ano foi caótico, cansativo e feito em modo de piloto automático. Caótico, uma vez que o início foi daqueles bombásticos...Bombas! ... e estou a falar o que experienciei, a Cidadania e Desenvolvimento, opção semestral; o 54 e o 55; as Aprendizagens Essenciais, o Perfil do Aluno à Saída da Escolaridade Obrigatória, ..., que acarretaram um esforço primariamente burocrático, secundado por uma mão cheia de criatividade de desenrascanço. O pseudo-descongelamento com anexo de faseamento, aulas assistidas, horas de formação (Ó balha-me a Santa!), Planos e Projectos inter/transdisciplinares.  Foi intervenção cirúrgica constante!...que, na maioria das vezes, colocou o barómetro de stress em níveis perigosos. Cansativo, porque perante dúvidas, novas surgiam...género palavras-cruzadas com definições em cirílico (deixem-se de coisas, n

Gota

Sentada, sentiu correr na cara. Traçou o seu caminho, entre rugas e sucalcos, que as marcas do tempo desenhara. Não sabia o porquê. Simplesmente sentiu. Com a mão, tentou limpá-la...mas, cansada, focou o olhar no horizonte. O que quereria a Gota? Imaginou dragões e fadas. Seres do seu fantástico ...a Gota continuava o seu caminho. Lembrou que chuvera. Seria resquício ou quimera? Na aurora despontada, a Gota trilhava pela pele envelhecida. ...não era melancolia...não era saudade... Simplesmente era. No momento do acordar, a Gota não era chuva. Era lágrima. Lágrima que de mansinho a avisava da tristeza. A Gota transformou-se em rio. Rebelde, impetuoso, infindável ...qual mar a que tudo aflui. Era a Gota da Consciência. https://image.freepik.com/fotos-gratis/auto-pintura-run-brilhar-chuva-molhado-gota-de-chuva_121-80156.jpg