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Uma vida inteira

Perdeu-se!
E a culpa foi da máquina de costura!
Criatura quase esquelética,
sempre fechada em sítio de silêncio e amargura,
de olhos colados em tecido de fibra sintética,
os dedos minuciosos apesar das artroses
e os pés sempre atentos – triste figura!
Era de uma coordenação exímia,
de um alinhamento perfeito.
A espinha curvada em assento duro
e, depois de dado o aval ao calcador,
era só contar 1, 2, 3, e partida segura
em tttttttt frenético!!!!
Um barulho de agulhas e pedais
que se estendiam pela ruela acima.
Picava a agulha e ía tecendo o seu caminho
em ziguezague de três pontos como assinatura,
mas com receio de perfurar os dedos
escandalosamente minuciosos
naquela maquinaria fina e obscura.
Que visão imponente e trágica!
Uma vida inteira a compor pedaços
de dias e bocados de momentos dos outros
num trabalho de teimoso patchwork!
Nunca lhe tinha passado pela cabeça agir,
costurar noutro instrumento rudimentar
tão eficaz e trágico
tão fiel a esta máquina de costura Singer…

Mónica Costa
(foto de Marina Previato)




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