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Mensagens

A mostrar mensagens de setembro, 2018

Filho!

Hoje vou desmurmurar sentimentos e peço silêncio que se vai cantar o Amor Sem pestanejar! A noite que se aproxima vejo-a, olhando para trás Mais uma vez foi fechada a porta de mais um dia A azáfama da tarde parou E a avenida parece agora inclinada de tanto que custa a subir ao final de cada dia As ruas, as pessoas que se cruzam connosco, o vento, o calor, o trabalho, o cansaço levo-os comigo, mas engulo tudo. E, quando ao espelho, faço a limpeza da pele, apago tudo. A casa ganha luz! E, agora, encosto o rosto à almofada, faço contas à vida: o Amor, força maior. Era esta a força de que ouvia falar. Falavam as mães desta força quando ainda não era mãe e não percebia. Agora sinto-a! O Amor vem depois de tudo e aguarda-nos no quente de uma casa. O Amor surge em forma de braços que nos envolvem O abraço do nosso filho! Mónica Costa (quadro de Gustave Klimt)

Ganhou a palavra através do fruto

A minha árvore transborda. Já foi flor! Está torta, cheia e feliz de tantos frutos que brota. Ganhou a palavra através do fruto.  Alguns, de maduros, já caem no chão, outros esperam por mim. Os que caem por terra espalham-se suculentos, semeiam cores, vaidades e gulas, temperam a terra de doçura. Outros esperarão por mim. E esses, sim, serão, os meus frutos da minha árvore que tombam em mim molemente e, lascivos, alimentar-me-ão de doçura em prazer de língua. Escorregarão pela garganta abaixo, criando rutura entre o fogo da sede de verão e a água das chuvas de inverno.  E neste outono, tela amarela e castanha, a minha palavra e toda a fruta que brota é pincel que tinge de respiração errante a nostalgia dos campos onde a minha árvore descansa. Mónica Costa

Seguir limpo

Não seria nada mau se todos nós estivessemos cercados de verde. Sempre dispostos para a luz. E existiria uma cortina azul que se abriria realmente majestosa. Sempre.  Agora, enquanto atores, podemos estar seguros do que se passa, mesmo sem termos uma clara ideia de nós próprios fora deste palco. Fora dele, ninguém tem ideia clara de si próprio, aliás! Mas também não interessa neste caso…visto estarmos perante um interessante dispositivo dramático. Assim sendo, e como dizia, existe uma cortina azul que tu vês daí. Estás sentado há cerca de dez minutos à espera que inicie este espetáculo. Pagaste bilhete e isso dá-te direito de exigires qualidade. Estás à espera de encontrar o quê? Sorrisos e modos simpáticos? Ou feras que dão cabo de situações delicadas? Fúrias desenfreadas que amachucam, trituram e estilhaçam? Ou simplesmente uma voz excruciante que te lembre a tua própria condição? Acho que estás à espera de te encontrares! É para isso que se vem ao teatro. O teatro é metáfora em

Natureza

É céu é asa é desassossego É descoberta é alerta é porta aberta Mãos de ar corpo de sonho água de mar É caldo em panela de ferro É chama é cinza é luz É mão é terra é raíz É ancinho que sabe o que faz Força que puxa por nós É terra é húmus é paz! Mónica Costa

Bolha

Todos parecem explodir Bolhas ambulantes e sobreviventes Pouco confiantes mas convivem Abafam, sustêm o ar Pés nas nuvens (quais pés?? Não há pés!!) Pousam em rodopio Têm os ouvidos a estalar As linhas vêem-nas tortas! Vou espirrar Para ver se a bolha que nos envolve rebenta! Mónica Costa (fotografia de Shawn Van Daele)

Há um tédio que nos assiste a todos...

Paro: Está branco em céu aberto nesta janela de fundo de rua Espreito por uma fresta desta abandonada porta escura E reparo: Ouço risos perfeitos em festa, há afagos que se escapam Sinto corpos em alerta atrás destas paredes que me tapam Penso: Quanta magia e doçura fervilham por detrás de paredes caiadas de casitas escuras que aparecem assim do nada! E quantas dores e misérias se instalam por detrás de paredes luxuosas de verdadeiros palácios que são casas claridade! E continuo pensando: E, às vezes, parecem grandes as nossas pequenas desgraças porque choramos colados às nossas paredes caiadas imaginando as paredes sumptuosas das casas fáceis. Concluo: Há um tédio que nos assiste a todos independentemente de paredes luxuosas ou caiadas E dentro de cada casa, mesmo que em festa, A tua e a minha vidas existem em eterna vertigem Risos, afagos, magia, doçura e coragem São, afinal, a única loucura que nos resta E que transformam qualquer janela escura Em janela branc

A fúria de um monólogo

São os jovens. São os filhos matulões quase nos trinta que vivem em casa dos pais à espera de melhor sorte. Os Quinta do Bill cantavam, há cerca de 25 anos, em jeito de hino entusiástico que fazia saltar multidões, as palavras de Carlos Moisés - «Os filhos da nação». Dirigiam-se aos jovens atentos! E os jovens atentos gostavam de Música! Nessa altura, eu era uma dessas jovens! Atenta? Nem sempre… Tal como eu, muitos jovens, os nascidos nos anos setenta, confiavam apenas num sistema que lhes dava acesso a um mundo de trabalho, com esperança de se transformar em trabalho efetivo e estável e «no canudo vivia a esperança». Estudavam para ter opinião sobre os assuntos e para ter uma vida melhor. Era altura, dizem os registos históricos, de contestação estudantil intensa. Quem teve a coragem de estudar e organizar as suas vidas, conseguiu alguma estabilidade. Hoje, os jovens de 24 anos, nascidos em 1994, vivem a angústia de quem ainda não se habituou à ideia de viver um sistema que apenas

Magnífico... a paisagem!

A paisagem aqui está. Sempre aqui esteve. É o que é: Magnífica! Inteira! Sem efeitos especiais! E nós cá andamos há 3.500 milhões de anos! Ainda bem que os primeiros de nós levantaram as patas dianteiras e atiraram o focinho para o além, enxergando novos horizontes! E é nestes propósitos de curiosidade que vamos andando, retirando das paisagens o que nos convém.  O homem do campo, por exemplo, olha a sua horta, admirando a robustez das nabiças, a pujança do fruto que cresce nas suas árvores, a beleza dos torneados da couve portuguesa que brota imponente da terra e pensa as suas sementes que serão pão partilhado dali a uns dias. O engenheiro, arquiteto e construtor detêm o olhar nas formas e nas curvas, ou seja, na geometria dos elementos puros da natureza que se erguem sumptuosos à sua frente e pensam as linhas que se materializarão em pontes e monumentos daí a uns tempos. O pintor, por sua vez, olha as águas de um rio abrilhantadas pela luz radiosa do sol ou contempla o perfil dos

Se caíres, nunca será por dentro

Tu não sabes o que é o Amor até que alguém te explique o valor do som do vento e o valor da intensidade da luz que irradias e o que custa é deixar soltar o coração e perderes-te olhar em tom de suavidade deixar ficar nos ombros umas nuvenzitas nas mãos algumas reticências a teu lado sempre um arco íris e acima de ti mais nada E mesmo que a solidão te aguarde se caíres,  nunca será por dentro! Mónica Costa

Deixa-te sonhar!

Água espuma, lá vamos nós Confiantes a pensar que vamos ser os primeiros a chegar à terra do deslumbramento (mal sabemos nós que vamos carregados de sal…) Água é espuma! Deixa-te sonhar! Talvez seja melhor nem a perturbar E ficar assim a apreciar o lado da beleza e da fantasia onde a alma descansa. E na intermitência do que é e não é seremos mesmo os primeiros a chegar à terra do deslumbramento! Mónica Costa (pintura de René Magritte)