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Seguir limpo

Não seria nada mau se todos nós estivessemos cercados de verde. Sempre dispostos para a luz. E existiria uma cortina azul que se abriria realmente majestosa. Sempre. 
Agora, enquanto atores, podemos estar seguros do que se passa, mesmo sem termos uma clara ideia de nós próprios fora deste palco. Fora dele, ninguém tem ideia clara de si próprio, aliás! Mas também não interessa neste caso…visto estarmos perante um interessante dispositivo dramático.
Assim sendo, e como dizia, existe uma cortina azul que tu vês daí. Estás sentado há cerca de dez minutos à espera que inicie este espetáculo. Pagaste bilhete e isso dá-te direito de exigires qualidade. Estás à espera de encontrar o quê? Sorrisos e modos simpáticos? Ou feras que dão cabo de situações delicadas? Fúrias desenfreadas que amachucam, trituram e estilhaçam? Ou simplesmente uma voz excruciante que te lembre a tua própria condição? Acho que estás à espera de te encontrares! É para isso que se vem ao teatro. O teatro é metáfora em forma de gente.
Mal abre o pano (a tal cortina azul) aparece um espaço vazio e inundado por uma luz bastante forte. E é tal a intensidade da luz que apenas alguns se apercebem que há uma personagem em palco. A luz vai diminuindo paulatinamente e fica evidente para todos a perfeita forma de uma flor! Há um ah! generalizado entre o público. Não é uma manifestação positiva, é antes uma reação desconsolada. A maioria não estava à espera de encontrar neste palco, ainda para mais como personagem central, uma flor em forma de luz. 
Como o público aqui presente se sente imediatamente desconsolado, há que regar a tal flor com umas quantas pingas de maldade para apimentar esta forma de gente que assiste. Uma vez regada, surge uma sugestão, uma música, uma espécie de sombra. A flor, contrariamente a todas as expetativas, ganha cada vez mais vida e transforma-se no centro das atenções. Sempre bela! Apesar da beleza, não corre perigo pois o equilíbrio instala-se rapidamente. Esta gente que assite não estava à espera de encontrar um tal sinal de força e entusiasmo. No entanto, sempre firme, há uma espécie de público que prefere o jogo da decadência e da inveja. Preferem ver tudo em ruínas. Portanto, há que juntar a esta flor, que se impõe, e com a intenção de a proteger, uns laivos de humor e uns apartes pertinentes de ironia para que seja aceite por este público faminto. Isto porque, na maioria das vezes, e quando nos dispomos a pagar bilhete, no mais fundo de nós, nunca queremos que a flor se exiba em toda a sua perfeita beleza. Isso arruinaria um espetáculo! 
À custa destes truques dramáticos, nestes últimos dias, tem havido lotação esgotada. Por aqui tem passado todo um conjunto de músicos, encenadores, e instrumentistas. O palco é de todos, é teatro antigo com retoques contemporâneos. Para quem segue limpo tem assistido com atenção ao percurso desta flor e tem encontrado razões suficientes para continuar a comprar ramos e ramos floridos. Para quem se alimenta da maldade e da inveja, tem reunido suficientes razões para destruir jardins inteiros, sempre que houver oportunidade.
É para isso que serve o teatro! Acho que estás à espera de te encontrares!
Os problemas ou a beleza que encontramos no mundo exterior são apenas o reflexo do que guardamos no mundo interior.

Mónica Costa





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