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A mostrar mensagens de julho, 2023

E aqui me tens, Vida.

Têm sido desafiantes estes últimos meses que se me oferece a vida.  Uma mãe. Uma pessoa que tem de lidar com o facto de se achar na sua mais absoluta individualidade. Uma boa mãe nunca é individual, não sabe o que é um. Mãe que é mãe pensa por três ou quatro e nunca pensa em si primeiro. Um dia, repara que os seus amores cresceram e partiram. E cresceram tanto que ganharam terreno, vontade, horários próprios, caminhos que não desvendam. Pegaram na tesoura e trás!, obreiros implacáveis do corte radical do cordão. Afinal, havia egoísmo em todos estes anos e a mãe deixou de ser a figura principal das suas vidas. E este facto é dura constatação.   É então que passa a ser uma, outra vez. Uma só. Olha para si. Tem de pensar rápido. Não há vítimas, não há heróis. Há uma pessoa que já há tanto tempo que não olhava para si própria. Não há  grupo, já não é cozinheira ou enfermeira, não é a educadora ou taxista, já não precisa de se desdobrar. Tem todo o tempo do mundo. E está por si só. Por algu

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há um raio que não me fere antes me abre o peito a cada esgrima

pretendia encontrar um amor

Pretendia encontrar um amor. Um daqueles que o ajudasse a pagar as contas Um que o ajudasse a cuidar do gato Um que lhe preparasse o jantar Um que o acompanhasse no natal, na páscoa e no dia de todos os santos na procissão da senhora das dores nos feriados possíveis e até no carnaval Mas nunca no dia dos namorados. (pintura de Henri Matisse)

a glória dos perdedores

uma a uma… as pessoas vão dobrando as toalhas… uma a uma um a um… envergam as vestes engelhadas penteiam os cabelos de sal recolhem-se os chapéus de sol expulsam uma a uma… as areias dos braços um a um… vão esvaziando o areal como quem abandona um campo de batalha de costas viradas para o mar… e vão ficamos sempre um e outro… resistindo à espera que não acabe o último banho o último sangue no horizonte a glória dos perdedores…

horas tardias

 que apesar do pó e pedra são as do coração a pulsar

Dog parking

É quando o cachorro escapa e nos achamos em desespero à sua procura que reconhecemos realmente o valor de cada esquina. foto de Edgar Lange

é filho teu que sai a ti, geógrafa de sapatos!

Este é o ponto fulcral de transição a linha que divide o antes e o agora e a ela te agarras quando sentes que um filho teu aprendeu a voar! E nenhum argumento vale mais do que este o que tu sabes que é a mais pura das verdades é filho teu que sai a ti, geógrafa de sapatos, é ser de luz que não retém a sua marcha! (foto de Isabel Munoz)

E nos teus, por acréscimo.

Caminhas neste dia ao meu lado e és a única pessoa que me interessa. És a conta de subtrair mais encantadora que conheço. Depois de muitos, sobram sempre poucos e, desses poucos, às vezes, ficou apenas um. E vou com sorte porque há quem acabe só. Mesmo só. Atravessamos a rua de mão dada e fui feliz. E tu sabes bem que sou. E temo que vá durar o resto desta vida inteira porque desejamos que assim seja. Caminho a teu lado sem pressa para que sejamos capazes de observar todos os que nos afastam. É preciso, agora e mais do que nunca, ter olhos para apreciar estes campos e esta tarde. E a mais bela das tardes ficará para sempre nos meus olhos. E nos teus, por acréscimo. E esta não urgência de não precisar de te relembrar tudo isto é pura felicidade. (foto de Clarissa Bonet)

Sob um furor inusitado escapou-se o lenço em tons de ocre

Sob um furor inusitado escapou-se o lenço em tons de ocre pelo tejadilho escancarado do carro. Lá vai ele espalhando possibilidades qual rei da festa que é só nossa soltar-se-á sem freio neste céu acabando, no final, aparcado em qualquer copa de árvore. Acontece-me, agora, e, por júbilo, não mais querer saber daquele que, afinal, meu cabelo refreia. Bem mais vadio que o lenço ocre que se escapou é o tejadilho que quisemos escancarado nesta festa que é só nossa.  (pintura de Izumi Kogahara)

Tão necessário é pôr ordem na noite escura

Tão necessário é pôr ordem na noite escura quando já só existe para nos lembrar  da foz de todos os rios e não do princípio de mar

quatro estações

 és de todas as quatro e partes delas frio de rachar, pingo de chuva, ventania nevoeiro, folha peregrina, árvore despida és arrepio brisa, flor de lavanda em broto, esplanada  porto de mar, escaldando, ansiando partidas  rasgo, fuga, fervor és desafio  é um rodopiar das quatro por fora um verão eternamente em mim és tu nem sempre percebida és tu sempre a querer  és deleite refinado

prestar contas à vida

Começas a dar-te contra quando tens em conta que dás conta que tens sérias contas a ajustar. É nesse momento que a conta toma conta de ti fazes contas à vida e é só por conta própria. Continuas no contra e fazes de conta…  mas, afinal de contas, logo te dás conta que a maior conta é a conta menor que tiraste em vida. E ficam as contas saldadas.