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Mensagens

A mostrar mensagens de abril, 2018

Inquietações

Mar revolto. Ondas gigantescas. Desenhos de máscaras de Saturno devorando um Filho. Floresta agitada. Árvores que se fustigam. Desenhos de fúrias na Árvore dos Corvos. A terra emana aromas agrestes e violentos. O Colosso, sobranceiro, domina a Humanidade, reportando a sua insignificância. Oh, pequenos seres! A Natureza vibra. O vento assobia. As nuvens choram lágrimas duras, transparentes. Tudo estremece numa agonia profunda de cadáveres em putrefacção. Não é dia de passeio. É dia-noite em que o sol alumia e a tempestade escurece, qual Bruxas Metamorfosis de Goya. Alerta, sentidos! Não te intrometas nas fúrias. Aguarda, resguardada, na Méson del Gallo, que a os elementos se recomponham, se transformem em bonança serena. Alerta, sentidos! cronicasanunciadas.blogspot.pt/2010/07/as-sombras-de-goya.html www.casthalia.com.br/a_mansao/obras/friedrich_corvos.htm pt.wikipedia.org/wiki/El_coloso#/media/File:El_coloso.jpg www.madridiario.es/445731/denise-rue

Mulheres à beira de um ataque de nervos

À porta de entrada da sua mansão, todos os domingos, lá está o retrato implacável da Sogra. Parece que fulmina a gente.  Depois entra-se, tudo impecavelmente arrumado e aparece a própria, em pessoa. Faz questão de salientar que a casa está sempre assim impecável ou não fosse ela quem é!  Dona de casa exímia…                  sempre mulher de botar respeito…                                                altamente especializada em assuntos de vida doméstica. O cabelo demasiadamente ripado compõe a imagem perfeita de uma alcachofra ambulante. Quando nova, lia todos os dias a Crónica Feminina, participou nos mais variados cursos de culinária e costura, foi aluna exemplar de um curso de crochet e até experimentou umas sessões num curso de carpintaria (mulher prevenida…).  E ali mesmo ao lado, já no hall de entrada, a outra, a Nora, a única nora que Deus lhe deu. O pensamento que preenche a cabeça da alcachofra sempre que vê a nora, inquieta e pequenina que nem um rabanete, é «Co

O limão que era ladrão

Dormitava atenta. O vendaval açoitava a casa e provocava ruídos suspeitos. O cansaço era muito, mas os medos impunham-se numa tempestade de emoções que não permitiam sono REM. Era superficial, esgotante. Para acalmar os sentidos, passou o dia em revista. Tinha sido rotineiro…ah! Excepção à rapaziada que combinara uma tainada à qual ainda teria de arranjar desculpas para ir. As aulas tinham passado numa monotonia agoniante. Professores monocórdicos, sem energia ou palavras apelativas. Os minutos gatinhavam no relógio e o toque de saída parecia uma miragem longínqua. Arre, que tormento! Trimmmmm…chegara ao fim. A tarde era de esplanada, conversa e risota até à chegada do autocarro…Pum! Pum! Pum! Que susto. Os pensamentos estacaram com uma travagem brusca. Pum! Pum! Pum! Seria o Cornuto? O Inominável?... Interrogações que acompanhavam a batida acelerada do coração. Pum! Pum! Pum! Suores frios escorriam pela cara. O corpo, tenso, tremia. Coragem. Era preciso coragem para enfrent

Patrão ruim

Tenho patrão ruim. Não me valoriza. Não me estima. Deixa-me ansiosa. Todos os anos…Quando sai o aviso de abertura para os concursos? Quando saem os resultados dos concursos? Onde fiquei colocada? Que níveis vou ter? Etecetera. A partir de Abril, por norma, a ansiedade instala-se e permanece até Setembro. São 5 meses intensos, em que a vontade de parar de “dar aulas”, literalmente DAR, mudar de vida, mandar tudo às favas, são uma constante. Tenho patrão ruim. A malta dá o que tem, por vezes o que não tem, o que pode a custos elevados. Família, amigos, lazeres que são preteridos em função do trabalho que, em última instância, é ingrato e parco em remuneração. Tenho patrão ruim. Após labuta de anos, em Abril não festejo o dito dia 25. Em Abril inicia o meu mal-estar, a agonia lenta que vai até Setembro. É metade do ano lectivo em martírio indeciso, em que o futuro pouco se antevê. Fazem-se cálculos, levantam-se hipóteses…Infelizmente, saber onde vou trabalhar é um concurso,

Uma caixa chamada Respeito

Era uma das aulas numa qualquer sala de aula do nosso Portugal contemporâneo. Eram trinta e uma pessoas encaixadas num quadrado demasiadamente pequeno para tanto desânimo. E um quadro ainda de giz a olhar para todas aquelas almas e todas a maldizer a sorte de estarem ali envolvidas. Era um cenário, é um cenário repetido e o problema é que esta situação repetir-se-á amanhã e depois de amanhã sempre à mesma hora.  Primeiro,  fecha-se uma porta que é o imediato sinal de aprisionamento de corpos e almas,  depois o discurso de teorias e conceitos que já ninguém suporta. E assim se faz a escuridão. Há papéis de cadernos invariavelmente de linhas ou quadradinhos e uns quantos olhares. Uns esbugalhados a tentar manter atenção, outros de pálpebras cerradas, outros ainda animados e apostados em transformar os cadernos em bolinhas de papel que ganham vida própria e, por arrasto, alguma felicidade na penumbra. E o pior de tudo é quando uma das trinta e uma almas presentes nesta sala quadrada de

O Nada

O Nada é aquilo do vazio, do inócuo, do pasmo. O Nada gosta do Vazio. Não precisa de pensar nem de opinar. O Vazio não é prepotente. Gosta de vadiar no Nada. É branco. É preto. É não-cor. O Inócuo gosta do Nada. Não há sequência nem consequência. Tanto faz assim como assado. Andam de mãos dadas por não se atrapalharem nem anulares. Casamento perfeito, este do Nada e do Inócuo. O Pasmo e o Nada nasceram no meso dia, à mesma hora. De jovens brincavam ao vazio. Não cansava, não magoava,…, era inócuo. Quando pensavam, o que é mentira, estavam como antes: pasmados. Os três são primos, o que faz deles família. Juntos fazem história que ninguém lê por não haver registo nem testemunha. Um sem o outro, sente-se perdido…Mas não faz mal, porque sentimentos são inócuos. Existem, pois O Nada, o Vazio e o Pasmo estão sempre presentes no Humano. Não precisam de autorização nem de expressão. Simplesmente estão. E quando o Humano não pretende nada, o Vazio e o Pasmo rapidamente se colam ao

Não saber

Não saber não faz mal. Se tudo soubesses, o que mais te cativaria? Não saber é fenomenal. Dá-te liberdade de não escolher, de seguir em frente, sempre na recta visível. Não precisas de te preocupar com encruzilhadas, voltar à esquerda, à direita. É sempre em frente. Não saber faz bem à alma. Não a perturbas com interrogações trémulas e incertezas trepidantes. É um bem-estar pacífico. Sem grandes alaridos dos sentidos. É sempre em frente. Não saber é estar ao sol. Usufruir do seu calor, beber os raios, sem questionar o porquê. É ser livre. É ser tu sem timidez. Não é egoísmo e falta de interesse. É pura e simplesmente não saber. Não quere saber! Bom dia.

When I was a Young Girl

Tudo parecia diferente. Tudo era diferente. Tudo era enorme e eu pequenina. Olhava e via Gigantes. Ficava maravilhada com o que me rodeava. Era Lilliput e Alice em simultâneo. O ar cheirava a algodão doce. O zumbido de abelhas e zangões orquestravam uma sinfonia em harmonia. Formigas, cigarras, grilos,…, acompanhavam, em coro, a orquestra. Borboletas multicoloridas fundem-se com as cores de flores, morangos e framboesas. Tudo parecia diferente. Tudo era diferente. Tudo era alegria e movimento. Acordar, inspirar, expirar. Viver. Viver em pleno o tempo de pequenina, poder ser livremente, sem grandes chatices. Tic-Tac. Tic-Tac. Tic-Tac. O tempo não pára…mas pequenina continuo, num olhar maravilhoso de criança. Adoro correr, saltar, cair, levantar. Amo os caminhos de terra batida e os campos de texturas diversas. Tem graça perseguir as aves que esvoaçam lá no alto. Reconforta abrir os braços e voar com elas. Para longe. Longe, longe, …, para um lugar que só

Melancolia

Rima com alegria…mas o sentir não se lhe parelha. Estado de mortificação da alma. De sonhos não vividos. Promessas não cumpridas. Saudades. Viver penoso, sobreviver calvário que nem às paredes confesso . Dor. Melhor seria que física fosse, mas a alma arde em chamas, retorcida e torcida por sensações de desespero. Alma em estertores nauseabundos, socorro que tarda ou não vem. Socorro. Certezas que viram incerteza, dúvida, questão. Alma que não sossega, que procura, incansavelmente, saída da labiríntica teia de sentimentos há muito esquecidos. Melancolia. Suspiro, inspira, expira. Vive.

Voar

Nuvens brancas, fofinhas, pipocas e açúcar. Espraio as asas e sinto uma leveza de pluma. Sinto-te a acariciar-me a face. Sim, vento do Norte, do Sul, do Este, do Oeste…És o meu melhor amigo. Plano, mergulho, ascendo para além do imaginário. Vejo pérolas pontilhadas, insignificantes ou estimulantes. Zoom…e vejo-te. Verdes, castanhos, dourados, vermelhos,…,todas as cores que me permites avistar. Mexem, param, bamboleiam e rodopiam. Ouço o que me sussurras “Vmmm. Vmmm. Vmmm.”. Sei o significado que é só meu. O nosso segredo de amantes. Quero-te tanto. Bato as asas e sussurro de volta “Vmmm. Vmmm. Vmmm.” Voar. Voar. Voar. Liberdade de explorar, pousa, viajar. Mundos que só tu e eu entendemos. Viagens que nos aproximam qual amantes solitários. Paragens em que nos amamos e confortamos. Ó Sol que me aqueces. Ó Lua que me alumias. Ó estrela que me orientas. Voar. Voar. Voar…até não mais pousar.

Miau! Miau!

Sou um gato de olhar esverdeado que te olha desta esquina hipnotizado por um olhar que só eu pressinto. E quando os gatos te olham assim fixamente é porque há algo em ti que entra em desatino. Tu estás para aí, no carro, parada e tranquila, à espera, com o braço de fora já dormente. Manténs postura de jovem e aprecias o ambiente. E aqui estou neste telhado de casebre abandonado como um gato reguila. E este gato parece que sente! Miau! Miau! Já me topaste! Desviaste o olhar! Hoje, nem sei como vieste parar a esta esquina. Não é o teu sítio. Eu sei perfeitamente onde moras. Éramos vizinhos, porta com porta. Eu era o gato da porta da esquerda. E tu eras a dona do cão da porta direita. Deixei a dona da porta da esquerda. Prefiro esta vida de gato de rua. A minha vida é um pagode. Vós, estranhos seres, estais quase certos da vossa superioridade. Estais cheios, são tantos seres e tantas ideias que mais pareceis esponjas. Acho que hoje estás impossível! Já olhaste para aquela nuvem cem veze

Povo que lavas no rio

A ribeira vai cheia. Bacias e alguidares cheios de roupa. Sabão, água, sol. Ingredientes pra roupa lavada e perfumada. Mulheres trigueiras, de mangas e saias arregaçadas. Lenço na cabeça, faces afogueadas, braços fortes e musculados. Povo que lavas no rio, é dia de algazarra feminina. Cantilenas animam os chapos na água. Pedras lisas do labutar da esfrega, colocadas nas margens, personalizadas, lugar marcado. Povo que lavas no rio, toca a trabalhar. Esfregar, bater e pôr a roupa a corar. Roupa mais branca não há! As crianças gritam alegremente, chapinham, acompanhando mães, irmãs, tias… Estende aqui, ali. Em cima de giestas, alfazema, rosmaninho. O dia vai longo, mas roupa mais branca não haverá. A conversa animada do mulherio acompanha o labor. As risadas intercalam com os cantares vigorosos de vozes multicoloridas. Seca. Seca ao sol mimoso, que torna alva a roupa cheirosinha. Povo que lavas no rio, alegre e em desafio.

É a nossa nação potente, carago!

A televisão com paninho de renda o estendal de cuecas ao vento as couves do quintal no prato o vizinho do lado barulhento o fino e os tremoços no pires o zé do boné da loja dos trezentos a motoreta esganiçada o jogo do sporting no café do Bento o grilo na gaiola, mais a alface a sardinha no prato e os pimentos a galinha de barro na cozinha o Bobi que ladra violento o cigarrito ao canto da boca o galo de Barcelos quase sonolento o berro da mãe à porta do bairro o quarto com a foto do casamento a lavadela do carro semanal o turista de garrafão impaciente a lágrima ao canto do olho Ah! a saudade e Ui! o desenrasque Enquanto houver desta gente por caminhos becos e calçadas e mais os adereços que a compõem pode ficar Portugal contente é sinal que está vivo e se recomenda É a nossa nação potente, carago! (Este texto foi pensado na sequência de uma das minhas visitas à cidade do Porto. Está repleto de turistas!! Segundo os estudos,

O homem que andava distraído

Deixem-me contar-vos a história de uma mulher e que é, ao fim e ao cabo, uma das muitas mulheres que entre vós circulam. O primeiro plano que apresento é este. Uma figurinha sozinha, de cabeça leve. Uma rapariguita simples, alegre até ao céu. Fala pelos cotovelos, lambuza-se sempre que come asinhas de frango com molho de tomate. Adora chinelos de dedo e é livre nas suas saias curtas rodadas. Tem um gato chamado Migalha. Vive perto de uma igreja com um adro cheio de margaridas e ouve o sino tocar todas as tardes. Com certeza, já criaste o cenário na tua cabeça. E para já, esta história não tem nada de interessante. Deixa-me continuar. Depois, a rapariguita simples começou a crescer, os seios pequeninos viraram grandes mamas que estorvavam a brincadeira. Queria correr e aqueles amontoados de carne abanavam por todo o lado. As pernas ficaram jeitosas demais para andar com saias tão curtas. E quando se sentava no alpendre da sua modesta casa, de vestido primaveril generosamente decot