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Uma caixa chamada Respeito

Era uma das aulas numa qualquer sala de aula do nosso Portugal contemporâneo. Eram trinta e uma pessoas encaixadas num quadrado demasiadamente pequeno para tanto desânimo. E um quadro ainda de giz a olhar para todas aquelas almas e todas a maldizer a sorte de estarem ali envolvidas. Era um cenário, é um cenário repetido e o problema é que esta situação repetir-se-á amanhã e depois de amanhã sempre à mesma hora. 
Primeiro,  fecha-se uma porta que é o imediato sinal de aprisionamento de corpos e almas,  depois o discurso de teorias e conceitos que já ninguém suporta. E assim se faz a escuridão. Há papéis de cadernos invariavelmente de linhas ou quadradinhos e uns quantos olhares. Uns esbugalhados a tentar manter atenção, outros de pálpebras cerradas, outros ainda animados e apostados em transformar os cadernos em bolinhas de papel que ganham vida própria e, por arrasto, alguma felicidade na penumbra. E o pior de tudo é quando uma das trinta e uma almas presentes nesta sala quadrada decide ligar uma luz. As lâmpadas decidem automaticamente resistir a tal petulância e decidem estourar.  
O que vale é que há sempre alguém. Alguém decidiu que deveria abrir janelas e a luz, naturalmente, entra naquele quadrado de sala e alguém se lembra que ainda há esperança de recuperar o ânimo através de uma velha caixa, guardada como simplória caixa de cartão. Está vazia. Para que serve tal caixa nesta ridícula sala quadrada? Os rostos, habituados a seguir sempre os mesmos passos e as mesmas atividades, parecem também caixas velhas de sapatos arrumadas numa despensa onde tudo vai ganhando pó e bolor e não entendem a novidade da caixa naquela aula. Ideias vão surgindo, dúvidas se instalam e, para as organizar, traz-se a caixa para o centro das atenções que alguém fica responsável de segurar pelas suas já conhecidas tendências para se constituir como centro das atenções. Neste momento, no entanto, parece que este ser perdeu energia e desloca-se timidamente até ao centro da sala e segura a medo uma caixa vazia. As dúvidas subsistem e o que fazer com tal caixa? Se está vazia, há que enchê-la. Se vai ser o centro de atenções, há que lhe dar um nome. Há-de ser companhia assídua doravante. Após sugestões intermináveis acompanhadas de toda a espécie de vocábulos (até daqueles que já se julgavam esquecidos num qualquer dicionário), debate-se a importância da necessidade ou arbitrariedade da relação entre significante e significado. E a caixa recebe um novo significado: Respeito. De repente, no meio de toda a discussão, surge uma voz fina e mansa de alguém que já há meses não dava sinais de vida. Levanta-se e vem suave pela ala esquerda da sala e deposita dentro da caixa uma folhita verde de árvore. A animosidade depositada fez encher a caixa do Respeito e surpreende todos os que, calados, esperam uma justificação. A natureza deve ser respeitada - diz a voz fininha - esta folha representa a felicidade de andar ao ar livre e, para além disso, e hoje mesmo, foi debaixo daquela árvore, a árvore que se avista desta janela, que eu experimentei o meu primeiro beijo. Nunca mais esqueceria aquela árvore. Riem todos, mas, imediatamente, começam um a um a confidenciar encontros e paixonetas que alegram os cinco dias de um estudante. A partir deste dia, esta caixa aguardará as marcas de pequenas aprendizagens devidamente justificadas. Umas envolverão conceitos teóricos devidamente explorados em manuais, outras nascerão naturalmente do dia manso e sorrateiro que se nos surge pela frente. E o Respeito aumenta de dia para dia e alimenta-se das histórias de cada um. Não tarda a caixa estará cheia e decorada a preceito. Por vezes, há uma pequena coisa que compensa a dificuldade de expressão através de palavras e basta o sorriso que também é depositado na caixa e, à medida das suas experiências e da sua criatividade, todas as pessoas envolvidas têm direito ao lugar na caixa do Respeito.  
Acionado este interruptor infalível, observa-se algum ânimo que nos solta da sobrecarga de um sistema monótono. Pegamos na criatividade, afastamos o tédio e, recorrendo a uma simples caixa, quase sempre leve, tão leve que é quase ideia ridícula para a maioria, olhamo-nos a ganhar coragem para que o dia de hoje possa ser ligeiramente diferente do dia de amanhã e assim sucessivamente. E acabamos por   compensar a ausência de cor das rotinas em pequenos gestos coloridos depositados numa inocente caixa de cartão.

Mónica Costa




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