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A mostrar mensagens de 2020

Assim vai o corpo assim está a alma

Vai a cabeça ao tecido e desliza pelo corpo abaixo o vestido Manga larga roçando os cotovelos e há nos ombros a cor que o sol dourou Vestido leve, leve a abrir na minha perna passo solto, passo descontraído Ancas balançando ao sabor dos dias quentes e sou pele à espera da carícia do vento Assim vai o corpo assim está a alma Preciso apenas deste intervalo O tempo de uma pausa Pois ainda ontem estava o fardo pesado eram peças e peças de roupa aprisionadas às vezes à chuva à espera de melhor fado mas agora vou leve, leve deliciosamente despida pelo tempo Mónica Costa

Ridícula alegria

O quê? Jogar agora?!! Mas tão de repente, pareceu-me ouvir aquelas vozes das crianças vizinhas que vinham chamar-me depois do jantar para, ajoelhadas no passeio, ali mesmo no meio da rua, nos atirarmos a um Jogo da Glória ou a uma Sueca, ainda a noite era uma criança…  Em memória dos bons velhos tempos, lá aceitei o desafio. Estava a noite quente e convidava a um sentar na soleira quente da porta. Queriam que jogasse um Jogo de Damas. Caramba! Há quanto tempo não via eu um tabuleiro de jogos. Estava convencidíssima que já ninguém jogava a uma coisa destas. Ainda se fosse um jogo de Xadrez! Agora, um tão singelo jogo de damas era quase incompreensível. Não é que admire o Jogo de Xadrez, pelo contrário. Se há jogo a que nunca achei piada foi ao Jogo do Xadrez. Sempre o considerei um entretenimento de gente inteligente que se esgota em manobras lógicas numa ponderação demasiadamente calculista. Gente apostada numa concentração e silêncio aterradores, próprios de quem sabe jogar na vida

acho que sou quem gosta de brincadeira

Note-se! É que dou por mim, de quando em vez, a descer as escadas aos pulinhos ou a fazer disparates pequeninos. Acho que sou quem gosta da brincadeira. De atirar os sapatos ao ar e saltar à corda com chinelos. Dou comigo a chafurdar-me com a mangueira e limpar a boca com a palma da mão. Correr para ver quem chega primeiro ou bambolear na cadeira. Como gosto da brincadeira! E que prazer faltar à escola e deixar as tarefas por fazer! Fugir para a praia e estender-me de barriga no chão e fazer castelos na areia. Gosto de vestidos rodados e do verão, de ouvir música e cantarolar e pôr a fita no cabelo para ficar mais bonita. Gosto de trincadelas e abraços, de despentear cabeleiras e de te encher de cócegas. Acho que sou quem gosta da brincadeira. Adoro gelados, petiscos e beliscos. Gosto de rir. Gosto de chorar e provar o salgado das lágrimas. Gosto de cheirinhos e beijos no nariz. Tenho a impressão que não envelheço… Tenho a impressão que estou a ficar menina… (foto de Robert

aos Homens de boa vontade

Aos Homens de boa vontade! Quais? Aos que tentam conservar alguma boa vontade apesar de cansados? Aos que têm a vontade de acreditar na boa vontade apesar das ladaínhas e pragas? Ou aos que, sem vergonha e sem precisar de desculpas, se colocam ao serviço de uma vontade que só a eles lhes pertence? Mónica Costa

E quem os visse de cabeça baixa e espinha curvada...

E quem os visse de cabeça baixa e espinha curvada haveria de pensar que andavam de mal com a vida. E não! Não era nada disso! Naquela altura, era apenas a única forma de estar. Eram uma mistura de bichos e homens que não tinham vista para o horizonte. Enxergavam a meio palmo e mal. O que viam, existia e o que não viam, não existia. Simplesmente assim! Mas tudo muda e, um dia, a espinha endireita-se e avista-se o além. É a terrível e magnífica lei da evolução. Foi assim que ficou esta nossa mania de ver e ver e ver. Até ver coisas que não existem porque, às vezes, à força de não se ver, imagina-se, adivinha-se.  E lembrei-me desta coisa da cabeça baixa por causa desta nossa postura, ultimamente. Quem me vê, há de pensar que ando de mal com a vida e não! Nesta altura, é a única forma de estar. De espinha curvada a enxergar meio palmo e com a ajuda de óculos. Mas esta postura não é de abatimento, é de concentração, atenção a todos os pormenores. Algumas vezes, cansaço, é verdade, mas,

Assim mas sem ser assim ( e se se virasse tudo ao contrário?)

Há um escritor extremamente criativo que foi alvo de exploração numa destas semanas com os meus alunos. Chama-se Afonso Cruz. Então, a partir de alguns dos títulos dos seus livros, foi pedido aos alunos de 7º ano que produzissem textos narrativos ou poéticos. De um desses títulos, resultou este poema de uma aluna, a Beatriz, que é apenas um dos bons exemplos de criatividade. Assim mas sem ser assim ( e se se virasse tudo ao contrário?) Ser criativo a copiar e copiar o que ninguém fez. Dizer que um triângulo tem quatro lados e o quadrado três. Sorrir quando se está triste e, quando se está feliz, chorar. Estar acordado à noite e de dia descansar. Sentir-se bem depois que alguém se vai e ter saudades de quem decidiu ficar. Dar presentes a quem não se gosta e ignorar quem sempre se vai amar. Pôr um jogo online em pausa E os pais começar a ajudar. Querer fazer a cama todos os dias e a casa limpar. Acreditar em quem mente e duvidar de quem não sabe mentir. Estar

sou só eu ou estamos todos tolos?!!!

Mandaram-me pôr ali a cadeira devida e rigorosamente encostada à parede. Para que nada falhasse, mandaram colocar um atilho, atando-a definitivamente à posição incómoda. Ali ficava, até porque, agora (diz o mais sábio), podes caminhar, não precisas de te sentar, tens é de trabalhar, lutar pela vida, andar para a frente com entusiasmo e dedicação. Poderá apetecer-te ficar no luxo de um assento, mas já não podes voltar atrás. Foi assim que olhei as nuvens!! A princípio, como tão bem salientou Sérgio Godinho, é simples, anda-se sozinho, resoluto, com a cabeça erguida para as nuvens que desvendam sonhos, são lindas e imponentes, guardam o mistério do que ainda está para vir. O caminho torna-se, à medida do caminhado, fica cada vez mais fácil percorrê-lo, conhece-se bem os atalhos, neste preciso momento, e… quando tudo se torna mais sombrio, há sempre uma vela acesa que nos alumia. É a esperança! Amanhã é dia! Um novo dia! Novos caminhos, novas oportunidades! Passam-se anos nisto,

certas palavras como farpas

- Ó Zezinho?!!!! -  Zezinho??!!... – ouvia e protestava! É que nem percebia o porquê de tanto corte e cose naquele nome. O homem não era pequeno, pelo contrário. E sempre achara o nome José um nome capaz, um nome que indicava masculinidade e impunha respeito. Era nome sonante, nome digno de registo histórico tal como Afonso, Henrique ou Adão. E era por estas e por outras que odiava os diminutivos e, embora lhe dissessem que era uma forma carinhosa e muito portuguesa, ele continuava a encarar esta forma de tratamento como um modo de baralhar a ordem natural das coisas. E ficava tão chateado perante os Nelinhos, Eduardinhos, Tininhas e Guidinhas que ninguém conseguia entender tal perturbação. Já para não falar do incómodo que lhe causava o senhor Joãozinho que geria a Adegazinha da Lurdinhas e que atendia os clientes de sorriso nos lábios, sempre muito atencioso, cantarolando a ementa do dia e disparando em todas as direções palavras afetuosas como cafezinho, arrozinho, franguinho frit

Truz! Truz! Posso entrar?

Pois... assim se vai, assim se volta! E o bom filho à casa torna! Tentei ganhar asas depois de estadia agradável em casa da mãe! eh!eh!eh! E o resultado foi bestial. Arranjei o meu cantinho. Apartamento modesto! T1 à beira mar plantado, casa em tons de verde, moradia moderna, clean . Respiro por lá bons ares e a casa está quase sempre organizada. Deixei-me ficar por lá uns dias de caderninho no colo a olhar as ondas. Que bem que sabe! Sinto-me uma jovem adulta, ganhando o seu sustento por meios próprios. Mas, apesar desta ousada retirada, sinto falta da casa da mãe! Portanto, peço permissão para voltar à sala de estar onde tantas vezes vos encontrei aqui refastelados nos sofás gastos e macios desta casa que sinto eternamente como minha! Portanto, vou saltando de lá para cá e, dando voltas às palavras, venho de vez em quando em visita, fazer conversa com quem me quiser ouvir. Toc!Toc! Posso entrar? Mónica Costa (pintura de Magritte)

Quando daqui por um ano te tiveres esquecido desta tua clausura: Lembra-te!

Quando daqui por um ano te tiveres esquecido desta tua clausura: Lembra-te! É bom Acordar cedo seja em dia primaveril seja em dias de tempestade É conforto comprovado o Banho de cada início de dia e uma roupa lavada É um prazer indescritível o sabor do Café da manhã mais o cheiro das torradas E é luxo inquestionável esse sair para a Rua para ganhar o Pão nosso de cada dia É claro que é também impensável passar por um dia sem problemas mas convém seres grato pelos momentos Bons e pessoas Boas que te ajudam a superá-los E quando estiveres cansado, maçado ou desiludido, é bom que te recordes que há Amanhã É mais um dia, uma nova Oportunidade para fazeres diferente e melhor, em Paz Lembra-te! É bom estar entre a Gente que nos quer bem, é bom Abraçar e dizer Obrigado! É bom estar sozinho quando assim tem de ser É fundamental saber intercalar o trabalho e o passeio, o Dever e o Prazer É tão bom Conversar numa esplanada e olhar o Mar É um privilégio trabalhares, estudares, luta

E chega de realidade!

Eu tenho casa, carro e pago as minhas contas Tenho o meu trabalho honesto que suporta tudo isto E chega de realidade! Esta é a dose certa que consigo suportar… Tudo o resto é o que me interessa! E não é a realidade que me interessa! (é apenas o que preciso, mas não do eu gosto!) Do que eu gosto e o que me faz respirar, eu vos digo  (… e chamem-me louca que eu também gosto!) Vivo para apreciar as diferentes formas das nuvens no céu! Para sentir a areia molhada nos meus pés! Para sentir o calor da cama nas manhãs de sábado! (e os sábados são abençoadamente pacíficos) Vivo para caminhar sentindo o vento nos cabelos ou os raios quentes do sol no rosto! Vivo para abraçar e extrair luz dos olhos de quem quer o Bem! Vivo para saborear um livro (escritos de quem sente a vida assim)! Vivo para deixar a música entrar em mim! (uma das maravilhas deste planeta!) Vivo para rir e para chorar, sentir, enfim! Vivo para falar e saber ouvir! Dizer desculpa se assim tiver de ser… E

Silogismos

Cheguei às doze, nascia a tarde e nada de nada as árvores pareciam deitadas, os bancos esparramados Esperei pelas treze e uma faísca tímida surgia na vidraça Saltitavam as folhas ao sabor do vento… tudo parado… E nada de nada… Eram catorze quando disparou um raio e tu chegavas E já às quinze uma luz intensa me inundava!! Portanto, daqui para a frente, quando nascer a tarde e as árvores parecerem deitadas e os bancos esparramados E nada de nada… Já sei que às quinze… Mónica Costa (qualquer semelhança com a realidade é pura ficção!) (fotografia de Renato Roque)

Lua Cheia

Quando era nova e a minha avó velha dormia, por vezes, em casa dela. O quarto era pequeno e a cama alta eram só portadas fechadas, as cortinas nem vê-las! E com o escuro, mal a porta do quarto fechava, um cheiro a camisa de dormir que se misturava com o sabor a leite das palavras e a voz da minha avó qual miado de gato me ensinava assim pela calada da noite: «Anjo da minha guarda Anjo deste dia guardai-me de noite e de dia andai sempre na minha companhia» Não me deu mais do que isto a minha avó velha… Pensando eu que recebera pouco dela!!... Mas, hoje, em noite de lua cheia, creio ter tudo o que me convém! Mónica Costa

o meu lugar preferido

Tu és apenas uma uma das maravilhas possíveis que se mantém perto de mim doce e dura! És tu, Poesia! És impulso que me faz voar! És força que me faz acreditar e levar a cabo as mais interessantes operações! És energia que me faz sorrir e construir a esperança! És motivação e enleio! És a arte de morder e gostar de mim e de ti! E que nunca nenhum pedaço de realidade absurda me faça desistir de ti! Mónica Costa (foto de Purkayastha)

primavera encarcerada

Não sei se por afronta ou infinita liberdade Não sei se foi pela minha teimosia privada ou a ânsia do corte profundo com a quietude comezinha que reparei, hoje, na minha mãe ciente de que conseguiria abrir uma fresta naquele muro mas há pessoas que não têm remédio... vão deixando andar... E lá ficou ela obsessivamente enfiada naquela cozinha a limpar e limpar o que não se limpa firme por entre paredes que se dissolvem dia após dia As mães ensinam-nos sempre tudo nem que seja por afronta ... e quem vier depois que pague a conta! Mónica Costa (pintura de Arthur Hacker)