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Ridícula alegria

O quê? Jogar agora?!! Mas tão de repente, pareceu-me ouvir aquelas vozes das crianças vizinhas que vinham chamar-me depois do jantar para, ajoelhadas no passeio, ali mesmo no meio da rua, nos atirarmos a um Jogo da Glória ou a uma Sueca, ainda a noite era uma criança… 
Em memória dos bons velhos tempos, lá aceitei o desafio. Estava a noite quente e convidava a um sentar na soleira quente da porta. Queriam que jogasse um Jogo de Damas. Caramba! Há quanto tempo não via eu um tabuleiro de jogos. Estava convencidíssima que já ninguém jogava a uma coisa destas. Ainda se fosse um jogo de Xadrez! Agora, um tão singelo jogo de damas era quase incompreensível. Não é que admire o Jogo de Xadrez, pelo contrário. Se há jogo a que nunca achei piada foi ao Jogo do Xadrez. Sempre o considerei um entretenimento de gente inteligente que se esgota em manobras lógicas numa ponderação demasiadamente calculista. Gente apostada numa concentração e silêncio aterradores, próprios de quem sabe jogar na vida. Sempre encarei os seus jogadores como sujeitos tristes, sujeitos de uma lógica sempre triste. Demasiadamente civilizados. Os donos da estratégia séria, pesada e conveniente.
E lembrei-me que sempre me senti mais confortável com o Jogo de Damas. As mesas onde se desenrolavam as partidas, e onde eu joguei várias vezes, eram mesas muito mais descontraídas com gente que estava pelo prazer de estar na companhia de amigos que não tinham mais nada para fazer e, então, ali se encontravam, apreciando o fluir das peças. Eram peças simples sem grandes diferenciações sociais. Não havia rei nem peão. Eram todos peões pretos e brancos em harmoniosa miscelânea. E o jogo era simples: a única resposta rápida e eficaz, sincera, e até um pouco tribal, era «sai-me já da frente senão como-te!». Era uma resposta curta e grossa sem o desgaste do tentar adivinhar a lógica da jogada seguinte. O jogo de damas constituía-se como uma ridícula alegria baseada em quase nada cuja única finalidade era estar, mesmo sem ganhar.
E, naquela noite quente, sentada no meio do chão quente, aquele jogo soube à grande alegria das coisas pequenas e boas que sabem a quase tudo.

Mónica Costa





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