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Mensagens

A mostrar mensagens de maio, 2021

sopro de vida

encosta o teu nariz ao meu e respira sente aqui tão perto a minha boca quase colada à tua e passam num segundo sem que nada se diga todas as sílabas possíveis que compõem a Palavra que é lufada de ar, sopro de vida. ( obra de Julião Sarmento)

verso primeiro

Não há verso como o primeiro – o da infância. Um dia de verão pelas sete da manhã e a promessa de chegar à praia o mais brevemente possível. Um carro que anda devagar demais e uma estrada tão longa que deixa qualquer um na loucura. E vai veloz! Mas, mesmo assim, é tal a ansiedade e a felicidade de chegar que parece nunca mais se efetiva aquele encontro mágico… Está o balde preparado, o fato de banho por baixo da roupa a pedir que se largue a camisola, está o carro já a cheirar a maresia. E salta a criança no banco! Abre-se a janela do carro à chegada e aspira-se todo aquele ar que é vida para dentro da gente! E é este o verso primeiro – o de sermos capazes de efetivar encontros mágicos! (foto de Sergio Larraín)

Efeito Wah Wah

 é quase sempre no mesmo tom entusiasmado que te perguntam das vibrantes conquistas as primeiras: com que idade perdeste o primeiro dente com que idade aprendeste a andar de bicicleta com que idade leste as primeiras letras com que idade inauguraste as inseguras braçadas com que idade fumaste o primeiro cigarro com que idade ensaiaste o teu primeiro beijo com que idade largaste a casa dos pais com que idade abriste a porta da tua casa com que idade conseguiste o teu primeiro sustento com que idade com que idade com que ansiedade e é na base destas perguntas constantes que vais acelerando tentando provar a todos que és capaz de mais e mais até que, um dia, te apercebes e, agora em tom espantado, perguntas porque deixam de perguntar e deixam de se interessar  pelas tuas novas conquistas as verdadeiras: com que idade já nem te perguntam a idade com que idade te olham surpreendidos para o que fazes acontecer com que idade descobres com entusiasmo que continuas a aprender, a perder, a ganha

Como eu gosto deste tempo assim- assim!

Como eu gosto deste tempo assim- assim que só confunde a gente.  É uma gracinha esta chuva miudinha que nos surpreende logo pela manhã. Ainda ontem um sol radiante de fazer acreditar que teremos, finalmente, direito a um verão com dignidade e, hoje, abre-se a janela e… chove… Eu sei que a sensatez fala mais alto e este cai-cai facilita quem tem de se resignar ao trabalho. São as forças da natureza a dizer-nos que mais vale que seja sem sol para que fiquemos mais conformados, mas… E é neste preciso momento que me lembro de uma frase que alguém que muito admiro disse «Há qualquer coisa na inação do seres humanos que deixa acontecer o divino»… como este chocolate quente que aconteceu nesta manhã de chuva que nunca teria acontecido numa tarde de sol a valer. E não é que o dia terminou em pôr do sol radiante!...  Como eu gosto deste tempo assim- assim!

Vão crescer! Vão crescer!

 Para a cova aberta se atiram as sementes caem elas, uma a uma no ventre da terra e ficam, ali, em silêncio profundo! (e bocas atónitas abrem-se à espera de desgraça) E assim secretas assim afundam e aguardam Elas, as sementes soterradas! Preenche-se a cova aberta de terra escura Calca-se, deixando apenas um último fio de luz… (tranquilizadas as gentes, cerra-se o portão da quinta à chave) Mas lá no fundo bem no fundo da terra naquela quinta fechada a sete chaves onde a noite fica como a única certeza Há festim! Planeiam… Estão a germinar… vão crescer! Vão crescer! Porque é mais densa a flor mais densa que a noite escura E, em breve, a alegria em vez da dor!

E subimos e planamos e vivemos aquilo que mais ninguém vê

 O que nos vale é que sempre nos encostamos a um muro, a um banco, a uma rocha, um ao outro E conversamos E nós acrescentando, vendo surgir o fogo lá ao longe o fogo que alteia a chama junto a um mar quase sempre inquieto mas vivo E conversamos E ficamos ali observando o horizonte E nós embevecidos com o olhar embaciado pela ternura de mais um dia que colecionamos E conversamos Eu pouco te tenho a dizer E tu pouco me dizes as nossas palavras são outras um toque de ombro, um toque de pés uma teia de luz, um sal, uma mão que se dá sentindo o fogo que alteia a alma Sobrevivemos E subimos e planamos e vivemos aquilo que mais ninguém vê

assobio em cadeia

e reparei no assobio de alguém que destilava felicidade sorri, guardei-o como quem guarda um tesouro e fiquei ali a assobiar também...