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Mensagens

A mostrar mensagens de 2021

esse teu teto escancarado se confunde com a lua

Quando te disserem para calares, sorri com os olhos e grita! Quando te lembrarem que já é tarde, vai na mesma e acredita Mais vale tarde que nunca! Quando te pedirem prudência, transforma-a em urgência É essa a tua taça de glória! Vieste ao mundo para seres tu de novo cem mil vezes, se preciso for porque esse «teu teto escancarado se confunde com a lua.»* (* verso de Jorge Palma)

beleza e força

É muito interessante quando se sente que as palavras que vamos deixando aqui e ali transportam uma boa energia, entram nos outros que as absorvem à sua maneira e as convertem na sua própria linguagem. Estas pinturas que aqui se apresentam são a visão de quem sente a árvore como um ser vivo que conta uma história, que envolve, que protege, um símbolo de resiliência... A beleza e a força aliadas num desafio... Esta é a perspetiva de quem escreve às pinceladas. (produção artística de Marta Bastos Silva)

O canto?...

 Mar... esse teu mistério e essa tua força  Podia perder-me em ti e para sempre ficar. Deixar-me flutuar nessas tuas ondas que oscilam entre tempos de calmaria e outros de fúria apaixonada.  Deixa-me enamorar e mergulhar nessas tuas águas! Os meus pés de bailarina dançam ao teu sabor e os meus braços desenham movimentos que vão de encontro a ti. Sou feliz! Conta-me os teus segredos e mistérios que guardas nesses teus mares tão profundos! Conta-me histórias de marinheiros e piratas e em troca dou-te a dança das sereias! O canto?... o canto, esse sim é composto pelo idílico som do rebentar das tuas ondas e a dança de todo o meu ser! C.T.

Quando os olhos se habituam

Só te queria dizer que estou bem. Não te preocupes. Os fios do meu cabelo andam sempre em desalinho, conforme já sabes, ganhando vento. Os meus dez dedos… esses andam sempre abertos à espera de um abraço. A cabeça anda no ar (sempre), os braços ao alto em sereno sobressalto. Por vezes, a vida é toda chão, mas logo, logo, sou toda movimento e sou já sem chumbo à espera que me nasçam asas nos pés. E tenho sorte porque há sempre um de repente que me empluma ou um contra repente que me faz escorrer para o desapego. Sou cada vez mais uma nuvem gigante e cada vez menos osso ou carne. É este o desígnio. Não há nada a fazer… Há dias em que passo menos bem, tão precisada que ando de socorro, assim tão enleada, quase vapor, mas subo e subo às alturas do meu ser e viro (não pedra nem caco) mais uma gota já sem noção do espaço. Puxo da garganta palavras de peso que me elevem do chão e fico muda às voltas pelo ar. Tenho quase a certeza que sou bicho, fervendo de alma e inebriado de mar. Uma espécie

boa surpresa!

  Isto de ser professora tem muito que se lhe diga. Às vezes cansativo, outras frustrante. Tantas vezes, especial! E, um dia, eis que reaparece à nossa frente a rapariguita que conhecemos no 8º ano, mas com mais alguns anos em cima – transformada em mulher! Vem com um quadro na mão, pintado por si… qual onda a chamar por mim! Que boa surpresa, hoje! (trabalho de Clara Santos)

foste ao mar fui ao mar

Um chegar a tempo e com tempo.  Um sentar ao mesmo mar que é ato solene.  Um frente a frente. Um lado a lado.  Uma convocatória de vontades.  Um sentar e ficar.  Um estar.  Um conversar.  Um descartar cansaços.  Um apreciar o lugar escolhido. Qual animal a recuperar do estrondo dos dias.

Quem quereria viver num mundo sem árvores?

 E continua  a saga das árvores... ou da falta delas... Mais uma perspetiva! (Produção artística de Mariana a Miserável)

monumentos de raízes no chão e de braços erguidos ao céu

E, assim, continua… anda a árvore de boca em boca, de mão em mão… São assim as árvores: cúmplices e companheiras num aparente mutismo. Por vezes, sob o impulso do vento, esse agitador, sussurram-nos suaves melodias, outras parecem protestar de uma raiva desconhecida, agitando os ramos e as frágeis folhas. São incoerentes as árvores: vestem-se quando o calor se avizinha e despem-se, atirando com fingida displicência a folhagem ao chão, quando o frio ameaça e, depois, se impõe. São assim as árvores: generosas – e gratas - na partilha do fruto, da lenha e da sombra, numa obediência voluntária às necessidades dos homens. Como anciãos experientes e sábios, as árvores falam-nos, sem voz que se oiça, do tempo, do que passou e do que há de vir. São assim as árvores: monumentos de raízes no chão e de braços erguidos ao céu, agradecendo a chuva que as alimenta e o sol que as ilumina e revigora. (Foto e texto de Lu F., 08/12/2021)

e eu, num ápice de movimentos impulsionados

Encontrei uma árvore à solta, envolvi-a. Algures no seu tronco, apareceu escrito «Não estou perdida e vim parar às tuas mãos para que me olhes e me compreendas». É este o espírito da cadeia que é também um desafio para quem o quiser acolher.  E alguém disse:  - Apresento aqui a minha perspetiva – a da dança, como sempre! Era apenas uma árvore, mas de uma beleza extraordinária e singular. Estava ali... do outro lado da janela, lá fora. E eu, num ápice de movimentos impulsionados, fiquei a olhar para ela. Vislumbrei-a! Tinha histórias nos seus ramos e folhagens verdes. Era tempo, eras e dinastias sem fim. Contou-me segredos. E dançou suavemente ao sabor e ritmo do vento. E eu, apenas imaginei e divaguei naquela fração de tempo. Desejei escrever. A folha branca de linhas e a minha caneta dançaram. Senti o prazer da escrita e tive vontade de não mais parar. Desejei e sonhei ser POETA! (foto e texto de Carla Tavares)

Se soubesse como se sentem as folhas que vão ao chão. Nada quietas.

 Se encontrar uma árvore à solta, envolva-a. Provavelmente, algures no seu tronco, aparecerá escrito «Não estou perdida e vim parar às tuas mãos para que me olhes e me compreendas». É este o espírito da cadeia que agora inicio que é também um desafio para quem o quiser acolher.  Apresento aqui a minha perspetiva – poética, como sempre.  Eram as seis e um assobio melodioso aflora à minha janela. Meio surda, meio zonza, subo devagarinho a persiana para verificar a cor da manhã que insistia este despertar, muito antes da hora marcada. Ali estava. Manhã cinza. Apagada. Tudo molhado. Uma completa neblina. Não havia dúvida. Era ele sem sombra de dúvida. Revolto e fazendo barulho por tudo e por nada. Uma choradeira completa em tudo à volta.  O meu novo pátio com o diospireiro ao centro. Despido. Embaraçadamente despido. Os frutos à mostra. As folhas no chão. Nada quietas. Arrastavam-se ao som do cúmplice vento que as envolvia, tentando à pressa esconder as provas do crime. Em voz de falsete,

Mesmo muito mau!

Havia um homem mau.  Mesmo muito mau! Porque incapaz de ser bom. Mas que fazia sempre bem aos maus e aos bons  sem qualquer distinção…

o quente que se procura sempre depois do gelo da rua

por entre os transeuntes vagabundos nas praças há uma escuridão a nascer entre os meus passos prolonga-se a estadia ao frio na quase noite para acolher com redobrado prazer a chama tua o quente que se procura sempre depois do gelo da rua (fotografia de Istvan Kollath)

a luz da árvore quando cresce

Imagina que me conheces por dentro. E consegues ver o mundo de fora com os meus olhos. Não há feridas nem sendas nem pedras. Acredita! Esse mundo que vejo é bonito!

nunca

Pode ser que me sossegue de qualquer maleita Posso livrar-me da dor de dentes da dor das costas Da dor da alma – nunca - Porque me inquieta e encanta! (imagem de Sarah - Jane Szikora)

Não procures no perfume das flores a tempestade das raízes.

Quem sabe ainda vá a tempo de compor novas estrofes como quem arranja uma colcha nova para esta velha cama. Uma última tentativa que me acolha doce nesta metade do poema que, segundo dizem, é a mais agridoce das idades. Mandei arranjar as pernas por precaução  não vá a cama pirar-se a qualquer momento julgando-se jovem outra vez, à custa de tanta atenção e fiz a cama com cuidado como quem se deita nela e dei a pena ao manifesto repousando inteira em versos livres. Ajeito, por último, a almofada à cabeceira na esperança de ter menos olhos que barriga e ponho, na janela, um jarro sem querer das flores a tempestade das raízes sentir tudo isto apenas e só como o barro como quem molda a dança destas novíssimas sílabas. (*O mote foi dado por José Gomes Ferreira)

O dia-passagem para aquilo que ainda é espanto.

 O dia de hoje. O melhor do mundo. Que será ainda melhor amanhã. O dia que nos dá a guerra, mas a paz. O dia que teremos sempre à nossa espera. Minutos que ainda servem, se sentem e insistem. Música e algumas portas entreabertas se tanto. O dia-passagem para aquilo que ainda é espanto.

colocou-se na paz do tempo e demora

Colocou-se na paz do tempo e demora agora já nada disfarça em degustar o travo  - e ouvir o acorde bravo regozija-se nesta nova perspetiva do desastre e adora considerando tão doce a manhã que o acolhe todos os dias em festa Sorri! Não te esqueças! Enganam-se todos aqueles que pensam que tomba aquele cujo voo afinal vira sempre asa!

O rio diz que estamos rolando

Houve alguém que, finalmente, publicitou uma mensagem. De quem a voz? Quem a silencia? Quem a detém e espia? Alguns minutos. Algumas páginas de jornais. Sem grandes alaridos. E assim perpassa a angústia dos tempos atuais. Um desconcerto. Não do mundo, mas de quem perceciona a vida de forma caótica. Traumas, vazios… enfim. É um olhar os prédios que nos rodeiam e ver apenas paredes e janelas fechadas e não o sol de gente decente que as habita. O sol existe, mas a natureza humana insiste em cerrar cortinas para não deixar entrar a luz. O que vale é que há sempre alguém que, de forma quase louca, aos olhos dos reinantes, teima em tocar a campainha destes prédios silenciados. E um toque de campainha no silêncio desta rua instaura de imediato um caos, uma insurreição. Só que, por vezes, por mais corajoso que seja o gesto de avançar, torna-se impotente face ao ouvido impávido de quem insiste em não ouvir, até porque é vencido o cavalo pelo cansaço. Mas tudo corre, a natureza continua o seu cu

não há coisas inertes no horizonte

Oh! Chuva que te agarras tão doce a deslizar neste vidro aqui tão perto do banco onde me sento Quanta suavidade há neste preciso momento! Deixou-se embalar a ela e a mim tão solta esta gota desenfreada sem eira nem beira  nesta nossa tão rua tão dança de alagar e quem a olha e segue, como eu, nesta vidraça sem remédio consola as mãos nesta bendita chávena quente e fica doravante provado que não não há coisas inertes no horizonte… … e que a vida parece pouca quando tanto se sente!

os riscos da nossa verdadeira essência

Uma das maiores traições que podemos cometer é connosco próprios. Fugirmo-nos, deixarmo-nos escapar, botarmo-nos ao abandono. Ir contra aquilo que no mais fundo de nós vai sussurrando como nosso. Aquilo que nos compete e compele, aquilo que nos define e que sempre ali esteve, aguardando-nos pacientemente. A coragem com que conhecemos o sítio de onde viemos. A coragem que levamos gravada na pele, pelos caminhos que palmilhamos e a coragem de sentirmos para onde o nosso desejo aponta. Mais cedo ou mais tarde, o nosso rosto, o nosso olhar, as nossas entranhas nos revelarão a verdade e hão de ser sempre a nossa voz, assomando-se como um grito esclarecedor e purificador. E, nesse preciso momento, assumiremos todos os riscos da nossa verdadeira essência.

ninharia

Noutro dia, folheando um livro, como sempre magnífico, do Miguel Esteves Cardoso, deparei-me com a situação que merece reflexão.  Ora, a reflexão a que acedi foi a seguinte. A língua portuguesa é o que é. Não há nada a fazer. É uma língua riquíssima e que se presta às mais variadas divagações. É só ter paciência e tirar partido das diferentes possibilidades da palavra em português e fazer dela o que se quer. Mas, às vezes, há algumas palavras que chegam até nós tão maltratadas, tão insultadas e incompreendidas que até dói! Tal é o caso de «ninharia», sendo a palavra «ninho» uma palavra tão bela!  Talvez tenha sido o espírito reles de algum mau dicionário que, não sabendo dar valor ao espírito do bom português, a atirou para a página errada e não no seu lugar de origem onde as coisas nascem e crescem.

vai-se o azul, chega o amarelo e castanho

 Há sempre uma voz que soa a derrota e diz o fim do verão é aquela altura do ano que deprime…  Vai-se o sol, chega a nuvem… Vai-se o calor, chega o frio…  Vai-se a esplanada e, que remédio!, um casaco…  Não há mar que nos molhe o pé…  Não há dias compridos…  Vai-se o relaxe, chega o trabalho… Mas hoje, particularmente, está um lindo dia de fim de verão!  E penso.  Não é dia de fim de verão, mas dia de início de um outono e é apenas o primeiro de muitos destes! Altura ideal para dar a volta e repensar o que existe.  Não há sol e chega a nuvem. É verdade!  Mas é nuvem frondosa digna de se lhe botar o olho!!  Foi-se o calor, chega o frio. É verdade!  Mas como é aconchegante esta mantinha que me envolve o pescoço e cobre o meu nariz!!  É tão só o prazer do ninho e um contraste maravilhoso entre o frio de fora e o calor que vai cá dentro.  Vai-se a esplanada. É verdade!  Mas chega o cantinho do café, aquele mesmo cantinho mesmo ali à tua esquina com um chá a ferver à tua espera e onde folhe

e fica o Homem como que atravessado por um dardo…

  Iniciado o campo e na terra fervendo estão os homens assistindo a tudo impávidos A vê-lo correr, a fogo lento, estradas negras em escuro fundo Um caminho que engole casas, um tremor oculto Um silêncio que devora e que desarma E ali está ele cuspindo, vomitando com toda a magnificência! Começou a dar sinais de erupção e até ouvi dizer mil terramotos em cinco dias Tanto peso e tanta força escorrendo!   A natureza a lembrar-nos como somos pequenos e fica o Homem como que atravessado por um dardo…   (fotografia de Alfonso Escalero)  

os cinco sentidos

com tal zelo assegurei quatro          dos cinco em reserva embrulhados em papel de jornal      à espera da hora da sorte  o que era o mesmo que dizer           que assim resguardados fossem ao menos descansando      aos bocados e a tomar fôlego para quando         tudo acabasse em bem fiquei apenas e sempre com as mãos de fora        não paradas        abertas em êxtase mas daqueles quatro em reserva      houve três         já de si mais impulsivos que deram ar da sua graça e            para que vos quero                    ouvidos!  juntaram-se-lhe            em perfeita comunhão              a língua e o nariz                queriam lá eles a espera              de um final feliz! fiquei com apenas um de sobra                      o melhor e o mais suspeito de todos o único que não deixa mentir                               os olhos! e assim continuam na reserva                brilhando sem que ninguém se aperceba

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Quem diz que coisa boa não acontece em tempos desgraçados está redondamente enganado Claro que coisas boas acontecem em tempos devastados!

Está o terreno molhado. Estão as folhas pesadas.

Está o terreno molhado. Estão as folhas pesadas. Sem querer fazer-me anunciar, fica aqui devidamente registada a ideia fantástica de que me sinto uma maravilha! Pelo menos, foi assim que me ouvi hoje de manhã, quando a árvore mais alta do jardim se virou para mim. Estava ela tão altaneira, mas tão perto… Endireitou o tronco e agitou-se, soltando algumas das suas folhas pesadas, e disse: - Começa a ser tempo de aceitares a tua condição e começares a dar ordens. Talvez tenhas começado devagarinho e de forma pouco audível, mas já chega de tanta insurreição tranquila e, com heroico desvelo, trata de começar a cintilar e a ver distante           o mais perto.

É preciso que eu diminua

Há uma evidência implacável na parede do nosso quarto de infância quatro ------- traços ------- irrefutáveis ------- estupendos assim ---------- bem delineados  na vertical e na perspetiva do céu Linhas que foram crescendo parede acima, ovo de tanta coisa,  registos que testemunham como já fomos grandes em pequenos.

são os fardos

são os fardos, fardos pesados são os fardos daqueles que se não sentem são fardos e mais fardos dos muitos vazios que construímos ano após ano pacientemente são os instantes mais do que tardios são já as palavras fardos que não saem são os dias que queres que já não nascem é o teu rosto que é fardo e fardo pesado mas ainda o brilho dos meus olhos no meio deste fogo cruzado (imagem - Offret (1986) de Andrei Tarkovsky)

e por cada ruína uma oportunidade

 O que nos vale, a nós, humanos (esta espécie de seres cosidos a três raivas) é que o tempo tudo perfura e revela e ainda que: a janela mais bela cerrada acabe quebrada a escadaria impecável se cubra de verde lodo e as que já foram festivas paredes acabem como palcos de prodigiosos silêncios A natureza sabe o que faz e, paciente, aguarda o curso de cada hora e por cada ruína uma oportunidade: é assim que a raíz se expande sob o pátio quebrado e assim se desdobra o feto em assumida folha pela ruína acima e assim degrau a degrau trepa a hera invadindo afoita e em grande festa as janelas quebradas E assim uma flor danada insiste neste varandim destruído.

etiqueta fica bem em qualquer ocasião

Confessou que não debica pequenas goladas de chá a horas certas Nem tem jeito para pegar na chícara de dedinho em riste Confessou antes a garra com que agarra a malga a duas mãos e mata a sede muito antes das dezassete Ela sempre soube que etiqueta fica bem em qualquer ocasião mas é a forma infalível que desgosta de entrincheirar qualquer um… e acontece que ela não foi feita para guerras nem trincheiras e que depressa assalta o campo inimigo sem necessitar sequer de bandeiras (que é crime capital entre os briosos) Confessou finalmente que consegue viver confortavelmente na companhia afável de 999 diabos, se preciso.

confio neste azul

 Confio neste azul um azul do género mar em início de dia o mar das rebentações que se atiram à procura da luz um azul água que acredita desmesuradamente no que pode vir a ser um azul céu que é lugar que já conheço entendo a sua linguagem que é a minha voz aplacada nas entranhas e que cresce em delicadeza extrema ano após ano Confio neste azul Sei de cor a sua e minha natureza terna cumpre-me pugnar agora pela sua própria paz

única medida

A única medida do tempo que me convém é esta: Eu sei que é implacável -  o de fora muda o de dentro enriquece (fotografia de Nina Djaerff)

Será isto o que a poesia tem querido de mim? Será isto que eu quero para ti?

Hoje. Assim, exatamente. Este momento. Um rápido instante de espanto. E ter a sorte de uma janela que, embora em dia menos bom, me atira o olhar para este jardim. Assim. Florido. Hoje. De rompante. E, maravilhada, começo a dar crédito a estes olhos que me desviam do que não interessa e me trazem para o caminho as flores. Hoje sei. É um olhar do pode ser e do que pode vir. Um olhar que se escolhe. Um olhar que faz por ser presente. Assim. Nem mais nem menos.  Será isto o que a poesia tem querido de mim? Será isto que eu quero para ti?  Como diria Alexandre O’Neill, «há uma palavra francesa com a qual posso perfeitamente exprimir o rompante mais presente em tudo o que escrevo: dégonfler. Em português, traduzi-la-ia por desimportantizar, ou em certos momentos, por aliviar, aliviar os outros, e a mim primeiro, da importância que julgamos ter. Só aliviados podemos tirar o ombro da ombreira e partir fraternalmente, ombro a ombro, para melhores dias, que o mesmo é dizer, para dias mais verdad

Oiço a tua voz, dizia, e, dentro de mim

Oiço a tua voz - reconhecê-la-ia ainda que, subitamente, falasses outra língua... Oiço a tua voz, dizia, e, dentro de mim, um vulcão ameaça entrar em erupção para, de seguida, se desfazer num rio de lava. Oiço-a e, por instantes, sou pássaro em sinuoso voo, sou margem venturosa de um rio que, por descuido, extravasa o leito. Sonho-a e, nos meus sonhos, a tua voz, desconhecida, outra, perde-se dos meus dedos e da possibilidade de a recolher límpida e inocente no meu colo. poema da minha amiga Luísa Félix

E é Amor dito à boca cheia

E é Amor dito à boca cheia que vem de dentro sem receio É o fim que dignifica os meios É querer ser Mãe por inteiro É apregoar aos quatro ventos É este o Amor certo esta maravilha que a vida tornou concreto!

pontos fatais

 Já não há nem sequer conserto possível Sou apenas esta meia dúzia de pêlos no nariz e esta verruga no olho direito com personalidade  exibo este incisivo lateral desalinhado e confirmo duas cicatrizes de quedas infantis Sou de uma arquitetura complicadamente maravilhosa duas mãos pequenas que agarram tudo duas coxas volumosas e outras curvas que tais e a língua comprida demais contei, ontem, dezoito sinais ao todo nos sítios mais inusitados  e nem sei como tenho estas duas orelhas tão intactas do tanto que aguento e oiço Por tudo isto e muito mais Nunca mais me chames «meu bem»! Daqui para a frente podes ignorar-me porque tenho atestado médico que justifica todos os meus pontos fatais. (obra de Amedeo Modigliani)

assim

o muito em vez do pouco o não te contentares com metades o saber dar, receber e ficar perto o querer estar e ser para completar o que andou a vida inteira incompleto

O que se passa é

É isto! Tão simples quanto profundo. A natureza, da qual todos nós fazemos parte, é maravilhosa e sempre ali esteve em todo o seu esplendor. Tudo no sítio certo. Nós somos tantas vezes o único elo que se encontra em desalinho. Andamos distraídos ou em guerra uns com os outros. Nem sempre conseguimos ver as coisas certas ou só vemos o que nos apetece. Exclusivamente preocupados com o nosso próprio bem-estar…  O que se passa é que, muitas vezes, fomos nós que quisemos estar isolados de todo este mundo maravilhoso. Mas, um dia, somos chamados. É exatamente assim. Uma revelação. Um espanto! É como se uma poderosa visão nos assaltasse. Há sempre um momento na vida de cada um de nós em que aparece alguém ou acontece algo que nos faz perceber isto. Uma revelação que vem sob a forma de coisa pequenina, mas que atinge proporções gigantescas. Acontece algo que se revela e logo se escapa. Um pormenor sem a mínima importância – é assim que normalmente surge. Disfarçadamente. E fica ali à nossa esp

os princípios do fim

 Já não gosto já não quero Voei sempre para o lado esquerdo a faixa que me destinaram Sempre tive aversão aos exageros aos pactos com santos e curandeiros Nunca corri fora de estrada e nunca bebi até cair Acho que fiz tudo na medida certa mas agora Já não gosto já não quero Porque adoro outro cheiro  O dos princípios do fim e o das manhãs O dos suaves murmúrios e o das tardes O da luz dos candeeiros e das noites de olhos abertos que me fazem gostar e querer de corpo inteiro

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Vamos aos calhaus com uma cesta. Vais descalça e pões o teu melhor de tudo - os pés. Eu vou com o que de melhor possuo - as mãos. Depois fazemos buracos na areia em tremenda melancolia como quem procura um tesouro. Tu sempre disseste que gostavas de tesouros,,. Se tu preferires, dou-te um beijinho, daqueles que se acham perdidos por entre grãos na praia e digo-te coisas que voam. Se os pensamentos forem daqueles que voam muito, prendemo-los ao chão. É para isso que servem os calhaus que guardamos na cesta. 

e, às vezes, as estradas têm fim

uma boca cheia que sorria passos leves que funcionavam melhor a dois um daqueles dos grandes, um sol que ardia um barco, uma bóia, uma tábua de salvação uma música que puxava baile um rol de folhas pelo chão quase todas verdes… de esperança mas quiseram os muros farpados e, às vezes, as estradas têm fim. (ph. de William Kentridge)

Pavra

 Não me leias parva só porque quis deixar cair uma sílaba nesta palavra

tão triste quanto isto

É urgente a assunção! E com tal zelo nos assumirmos finalmente. Não tem nada que saber: este planeta não é nosso e deviamos saber estar nele. Como em casa alugada, podemos dispor a nosso gosto mobílias e bibelôs, mas nunca devíamos ter espetado o prego na parede que o senhorio não deixava… É urgente a assunção! E com tal zelo assumirmos finalmente. E nada vale agora dramatizar: Qualquer dia, muito em breve, deixaremos de poder pagar a renda e seremos despejados. Tão triste quanto isto. (este texto foi adaptado a partir de um poema de A. M. Pires de Cabral, que já conhecia há alguns anos e cuja ideia eu achei particularmente interessante e muito adequada ao triste cenário com que me deparei numa das praias que costumo frequentar… é uma tristeza ver a quantidade de máscaras que proliferam nos areais!!!!)

pôr do sol em marte

Nestes tempos todos se queixam da falta de pulmões e do silêncio dos seus corações dos pés sem chão e das mãos sem reação da cabeça à roda e do nó na garganta sofrem bastante por mal nenhum ficam com fome porque querem passam horas à janela a ver os outros passar mas a maior desgraça é esta não dão grito alarmante exibem sorriso brando como quem conta as malhas manobrando agulhinhas de crochet em trique trique é assim que o paninho vai ficando enrodilhado pelas voltas em apatia é assim que o paninho vai crescendo, vai crescendo sem grande alarido (fotografia de Taslima Akhter)

muitas vezes um pássaro

 Muitas vezes acontece um passarinho.

cedo cedo

Acordar cedo cedo. Há um mistério qualquer no ato de cedo acordar que é coisa boa que vem com a idade. Porque é de manhã que se começa o dia. É a música dos seres divinos e tudo a cheirar. E a julgar pelo ínfímo número de pessoas que circulam cedo cedo, não é qualquer um que tem este arrojo de idade. Cheira-me que já pertenço ao grupo privilegiado dos que acordam ansiosos por captar a beleza dos instantes antes da catástrofe.

há mais saída que cansaço

A simplicidade! de ficarmos com o instante das madrugadas… O espanto! de nos encantarmos com a música e seus malmequeres… A paz! de nos plantarmos de pés na terra e deixarmos a semente  que por nós adentro rebente em flor! A procura! De saborearmos a beleza da certeza da derrota que nos instiga a recomeçar! Porque há mais saída que cansaço Porque o êxito é fracasso, é capítulo encerrado… (fotografia de Elliot Erwitt)

frases que andam no laré

O umbigo embora centro do mundo é visão pequena.

Fever

 Ai que arrepio! e não é de frio...

narrativa inusitada

E este tom vivido de uma narrativa inusitada contamina a leitura dos factos que seriam comandados por uma invulgar capacidade de sedução de contadora de histórias de índole impressionista como se de um interlocutor imaginário se tratasse.

de tudo menos

Ir-me-ei esquecer de tudo menos dos sois brilhantes que clareiam areais das chávenas quentes em tardes de chuva das conversas à toa à soleira das portas dos girassóis e das esperas bravas da alegria e das surpresas dos instantes dos caminhos de pó e pedra em suor do teu coração a pulsar.

Doce Agosto

Eu não estou lá, mas para lá caminho. E como é bom sentir a germinação.

Rega-me!

Não me cortes Rega-me! (Dia Mundial da Conservação da Natureza)

frases que são um desplante

Cinco dedos em cada mão fazem dez ao todo e se contarmos os dos pés fazem vinte no total São a conta suficiente para listar todos os problemas que crias… Mas muito mais para contar são as alegrias desta vida para as quais não há dedos que cheguem.

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 Um nada que é tudo.

era muito...

 E ali estava. Uma parede repentina que parecia sussurrar «sustine et abstine».

rfases

Voltas e voltas e volta tudo ao normal