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A mostrar mensagens de outubro, 2019

em nome da cultura...

Segundo reza a história, em 1865, foi inaugurado o Palácio de Cristal, na altura um edifício belíssimo que foi palco de cultura durante 86 anos. Em 1951, foi demolido, passando a ser o Pavilhão de Desportos. Nessa altura, segundo os registos, o belíssimo órgão de tubos que existia no palácio foi destruído à martelada. Houve reação popular que conseguiu pelo menos manter a designação de Palácio de Cristal. Ainda hoje, aquele local (lindo!) é associado ao nome magnífico de Palácio de Cristal. A abóboda que se impõe logo à entrada recebeu a designação, entretanto, de Pavilhão Rosa Mota. Sendo que aquele espaço estava agora associado à designação de Pavilhão de Desportos e, mantendo, e muito bem, o conceito original de espaço cultural, decidiu-se homenagear Rosa Mota, como símbolo de cultura do nosso país! Mulher de percurso pessoal, social e profissional íntegro, é o orgulho dos portuenses e dos portugueses! Tudo uma questão de essência, de valores e de identidade cultural. Mas… é assi

o muito que ali está

É estranho como acordamos às vezes! Assim aconteceu um dia… Tinha eu cinco anos e, numa certa manhã, acordei sem qualquer reação nas pernas. Choque! Pânico! Gritei pela minha mãe! A mãe não acreditava… pensava que eu estava a fazer fita! Ao fim de alguns segundos, percebeu que era verdade! Não estava a fingir… eu não conseguia andar! Surgiu um telefonema atrapalhado! A mãe discava num daqueles telefones pretos enormes, que só quem é dos anos 70 sabe do que se trata! Do outro lado da linha, a voz do pai que vem a correr! Chega o pai e mais a mãe, ambos aflitos! Levam- -me para o hospital! É grave! – dizem-lhes… E agora? Lá estou eu numa cama de hospital! Hospital de S. João, no Porto! Um quarto branco igual a todos os outros e muita gente à minha volta! Lembro-me de tudo! Aos poucos fui ficando imóvel, completamente paralítica! Foi um mês de tortura. Para uma criança vivaça como eu, foi de uma profunda tristeza! Ficou a bicicleta para trás, os caminhos enlameados de brincadeira, as

há um cartaz XXL na estrada

Há um cartaz em tamanho XXL na estrada que anuncia: BOM TEMPO É UMA ATITUDE! Corre um lamaçal chove a potes caem relâmpagos apagam-se as luzes noite de breu… razão para acreditar na contaminação potencialmente violenta da publicidade! Mónica Costa (foto de Márcia Oliveira)

e cai a noite e eu com ela

Desse lado frio e quotidiano fico evitando o calor das vidas das gentes recolhidas em suas casas porque eu gosto das cidades abertas, desertas e pesadas com as suas ruas de silêncio de um silêncio que cresce à medida que a tarde lentamente desaparece eu gosto quando todos se vão e eu fico deambulando contando em voz alta os meus passos no chão ouvindo o morno bafo das pedras das pedras da calçada cansada da gente que andou por ali desvairada e cai a noite e eu com ela e à medida que a voz quente da noite me liberta do peso da razão lembro-me do meu estado de alma de luz e cheia que prefere a solidão! Mónica Costa

e como era a Vontade...

Nasce do âmago evoluindo por entre ácidos e ali se regozija em líquidos pedaços e pedaços minúsculos boiando acumulados durante anos e anos azia, arrepio, friozinho no estômago e vai crescendo! trilhando o caminho inverso de baixo para cima vem disparada e sobe desenfreada pelo esófago empurram-na os movimentos peristálticos e ganha forma maior! pedaços que crescem e se vão constituindo em corpo cada vez mais forte garganta e língua à mistura e ali por entre dentes pedaços que se desmastigam em boca aberta boca aberta de espanto! lança-se o pedação borda fora solta-se em ponto de exclamação suculento … pronta a ser mastigada a qualquer momento Mónica Costa

sem palavras

Eu que nunca me vi em vestido vermelho… não pelo vestido nem pela cor, mas por mim… é que entre o vestido e as minhas medidas sempre se gerou… um desentendimento…! Coisas de barriga e ancas largas… Nunca o dito vestido assumiu tais ambições… Vestido vermelho que se preze só entra em cena quando deixa a boca aberta dos olhos que o vêem e alcança de tal maneira o sangue que a boca de tão aberta, fica sem palavras! Mónica Costa (foto de Elizabeth Gadd)

Ao que chega o desconcerto!...

A minha avó numa qualquer janela a acenar-me lá de cima, recomendando-me cuidados. Ora esta! Foi um sonho desconcertante o que tive! Ela que nunca me considerou a neta preferida, em vida, demonstrava preocupação, agora depois de morta, por eu seguir ligeira pela rua fora. Ainda por cima uma rua larga e bem iluminada! Uma rua que não inspira cuidados! Ao que chega a hipocrisia!  E, ao mesmo tempo que a sua voz estalava no silêncio da rua, reclamando cuidados, um sino marcava as seis da tarde. E havia um raio de luz que ía ensombrando aquele dia. Ora, como eu sempre adorei os finais de tarde e seguia por uma rua segura, ignorei as recomendações da mulher que espreitava naquela janela! E lembrava-me dos dias inconscientes onde me estirava no chão do quintal da minha avó. Depois de um dia de brincadeiras, ficar ali esparramada junto das avelãzeiras, a ouvir os passarinhos nas árvores, era do melhor que podia existir para alimentar uma criança daquela idade! Tinha a mesma magia e sabor d

Sabe agora

Sabe agora que não devia ter desprezado os sinais dos relógios. Devia ter percebido que um relógio quando pára está em protesto. No seu caso, os três relógios de pulso que tem a uso - não agora, obviamente - foram amuando, um após o outro. Até o relógio da cozinha se solidarizou, atrasando-se alguns minutos.Os relógios param, toda a gente sabe isso. Já tinha acontecido com alguns deles outras vezes. Nada de novo. A novidade está no facto de se terem unido em protesto. Queixaram-se que o pulso dela não batia como antes. Reivindicavam, portanto, melhores condições de trabalho. Explicou-lhes que o responsável não era o pulso, mas o coração. Prometeu-lhes que faria tudo para que não tivessem motivos para queixas. Disse-lhes que começaria por comprar pilhas e que, logo que possível, arrumaria o coração, alimentá-lo-ia para garantir o seu funcionamento pleno. da autoria da minha amiga Lu F. Obrigada! (pintura de Rita Constante)

O pão nosso de cada dia

Acordas atordoado para o quotidiano do não e eis a tua vida a água e pão pão estrafegado de manhã ao balcão, pão sem manteiga e, com sorte, um galão e assim engolido de pé para a mão, segues iludido com o pão de centeio e ficam insolentes as migalhas no balcão a denunciar a tua condição de papo meio cheio Puxas as orelhas ao saco de plástico enraivecido, pois então!... E a ti que te dizem que não deves ter fome nem sede acabas por comer o pão todo e ainda levas, para casa, meia dúzia de pães em promoção! E, no dia seguinte, enfrentas a admoestação e por todas as ofensas pedes perdão vais alimentando toda esta máquina poderosa que não pede desculpa pelo que ofende comandada pelos que não se alimentam de pão porque já engordaram… não precisam… (sejam feitas as suas vontades assim na terra como no céu!) Mónica Costa (foto de Raymond Depardon)

Vidas de todas as vezes que lemos!

Vidas de todas as vezes que lemos!  Olhamos os outros em todo o seu silêncio e admiramos-lhes a calma. E ficamos incomodados. Desconhecemos, no entanto, as lutas de dentro. Desconhecem eles as nossas ao admirar a nossa calma. E ficam eles incomodados. Dizia o outro: sê gentil, pois desconheces as bata-lhas que o outro trava!  Foi assim que começou o meu dia de hoje. Viagem de comboio para variar. Sentada perto de uma janela a ver deslizar a paisagem. Um pedaço de ponte e um pedaço de água, uns raios de sol e um braço de nevoeiro ao longe. Nunca entendi muito bem o silêncio das marginais. E muito menos o mistério que se extrai das manhãs de outono. A indiferença com que a natureza se oferece em calma sem a menor ponta de luta por dentro. Eu não lhe exijo nunca que entenda o meu silêncio, mas gosto quando é capaz de me revelar a luta que travo por dentro. Entretanto, vem-se sentar à minha frente uma pessoa. Endireita-se no banco e abre um livro. É um livro com poemas por dentro. Daq