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Ao que chega o desconcerto!...

A minha avó numa qualquer janela a acenar-me lá de cima, recomendando-me cuidados. Ora esta! Foi um sonho desconcertante o que tive! Ela que nunca me considerou a neta preferida, em vida, demonstrava preocupação, agora depois de morta, por eu seguir ligeira pela rua fora. Ainda por cima uma rua larga e bem iluminada! Uma rua que não inspira cuidados! Ao que chega a hipocrisia! 
E, ao mesmo tempo que a sua voz estalava no silêncio da rua, reclamando cuidados, um sino marcava as seis da tarde. E havia um raio de luz que ía ensombrando aquele dia. Ora, como eu sempre adorei os finais de tarde e seguia por uma rua segura, ignorei as recomendações da mulher que espreitava naquela janela! E lembrava-me dos dias inconscientes onde me estirava no chão do quintal da minha avó. Depois de um dia de brincadeiras, ficar ali esparramada junto das avelãzeiras, a ouvir os passarinhos nas árvores, era do melhor que podia existir para alimentar uma criança daquela idade! Tinha a mesma magia e sabor de um pão com tulicreme! E as memórias fluíam, os cheiros apareciam… E talvez fosse essa a energia que colocara a minha avó naquela janela! Quanto aos cuidados, até agora não percebo a sua preocupação… Canso-me de correrias… e chego ao final da tarde cansada. Não tão feliz, é certo!... mas isso deve-se à idade! Não há razão para preocupações! Tenho escolhido sempre ruas largas e iluminadas. E se me visse já com quase cinquenta fins de tarde em cima deste corpo, ía ficar admirada!
É só no que penso: ao que chega o desconcerto! E a mulher da janela evapora-se… 
Quanto a mim, eu que vivo desancorada, acordo ali a ouvir os passarinhos na árvore naquela rua segura e larga. São seis da tarde e eles andam entusiasmados nas suas vidas aéreas sem ninguém a clamar cuidados.

Mónica Costa


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