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A mostrar mensagens de outubro, 2023

ensinaste-me umas maneiras tão atrevidas

ensinaste-me umas maneiras tão atrevidas de assaltar muros para desvendar avenidas e é tão cedo que me levanto, cada vez mais cedo tão desperta para levar a cabo este empreendimento foi contigo que aprendi a andar de nariz levantado como quem não tem culpa de nada e explicaste-me em silêncio a diferença entre uma mão que ajuda e uma mão que mata o segredo é este: sentirmo-nos, agora, como dois ladrões em paz que encontraram finalmente a felicidade merecida.

ela

Tudo o que ela traz lá dentro não é mania nem doença. É beleza. Às vezes desesperada, é certo tantas vezes disfarçada de tristeza. Mas não confundas o teu medo com o que ela traz lá dentro.

num gesto que pressinta uma promessa

Espera para ver, ó esperança  e se o disseres num gesto que pressinta uma promessa poderás falhar à vontade

enfrentemos a época, tal como ela se nos apresenta

Tão longe uns dos outros - os próximos  e tão chegados de repente - os afastados. Como anda desconcertada - tanta gente  que não mede nem distâncias nem vontades... ( o título é de Shakespeare)

O que diz o meu corpo quando te escrevo

O que diz o meu corpo quando te escrevo que é a viagem o mais belo se me ofereço que é, de resto, o mais belo que tenho para te oferecer

a perspetiva da rola

Será esta a perspetiva da rola ver-nos assim tão pequenos aos dois e três de cada vez esgueirando-se por ruelas Será esta a perspetiva da rola ver tudo em grande plano, voo gigante como quem se habitua a enxergar tudo de uma vez

a querer de nós sempre mais

atirou-nos os cabelos ao vento para que o escrevessemos acordou-nos mais tarde do que era suposto para que nos lembrassemos que ele é a própria alma do universo a querer de nós sempre mais

quando um cego conduz outro cego, não caem os dois no buraco?

Não se sabe como foi com Van Gogh nem com este doutor que se deixou retratar. Terá sido ele a pedir-lhe e a pagar pelo tempo de espera? Ou terá sido o próprio Gachet a querer prova da aflição de uma época? Será este o retrato de uma amizade em decadência ou não seria demasiado o tempo de exposição para que o retrato se concretizasse?

não

É uma questão de princípios. Não gosto. Não peço. Não quero que gostes. Não peço que queiras. Não cedo. Não abdico. Já não acredito em conversões. Não me queiras regrada como santo Agostinho.

Onde sou a mim mesma devolvida Em sal espuma e concha regressada

as ondas  tão sonoras, tão mansas que atravessavam as casas e os olhos já a espuma os meus pés cobria só de as ouvir ( o título são versos de Sophia de Mello Breyner)

Está feliz. Tem obra feita. Sabe que é quase fim.

Está feliz. Tem obra feita.  Sabe que é quase fim. Por isso abotoa o casaco devagar. Como quem se fecha. Está em paz. Não gosta das casas grandes sem teto. Por isso resgata o chapéu à cabeça. Como quem se cobre. E se perguntarem que mais quer.  Sabe que pouco.  E muda a água ao afogado.  Como último refúgio para os seus males. É o ultimo troféu arrecadado. É, finalmente, o abençoado equilíbrio entre afetar e ser afetado. (a imagem é obra de Martinho Dias)

Sabes o que faço com a ternura que nutri por ti?

Sabes o que faço com a ternura que nutri por ti? Rego as plantas, aprecio as flores de todos os tamanhos, de todas as cores Adoro a chuva e o vento Ergo o rosto ao sol e fecho os olhos Sigo caminhando senhor do tempo Tão cheio de alma minha e tua E «para que tu me ouças as minhas palavras adelgaçam-se por vezes como o rasto das gaivotas sobre as praias»  (perseguindo Pablo Neruda em canção desesperada)

tu, que me esvaziaste de coisas incertas, e trouxeste a manhã da minha noite

Posso guardar-te a ti mais um milhão posso com todos neste meu coração. (o título é um verso de Nuno Júdice)

a propagação da desgraça

Mesmo depois da advertência teimam em tamanho Cada vez maiores, mais exatas a crescer, a crescer à espera, sempre atentas Pacientes Uma sede Fornalha sem vagar e a mesma falta de ar Mesmo depois da advertência uma desgraça: a tua mão na minha A propagação da desgraça.

Desta vez para variar, a rua.

Estes por entre os quais me apresento viemos atestar a veracidade do drama que decidiu sair de cena. Neste palco onde tantas vezes se representa a comédia da vida com tão poucos cá dentro para tantos lá fora. Pois bem, desta vez para variar, está a sala cheia e o palco vazio. Vieram todos mudar de sítio. Caíram as máscaras e os adereços e, já sem holofote que os enalteça, a expetativa é quase nenhuma. As cortinas estão fechadas, nada de silêncios, todos ao rubro, nem um assento já disponível.  Desta vez, ser-nos-á dada a possibilidade de brilharmos todos e do lado de cá. Nós todos, sem uma única exceção. Nós, os atores de todos os dias. Hoje, não nos vamos esforçar por ver nem ouvir nada do outro em metáfora. Vamo-nos ver e ouvir uns aos outros. Tragédia ou comédia tanto faz. Nada de aplausos ou apupos, apenas o eco fulgurante dos dias banais. Nada de palavras ou sons ensaiados, apenas a alegria ou a verdade cruel do mais comum dos dias. Estes, entre os quais me apresento, viemos atest