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A mostrar mensagens de agosto, 2021

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Vamos aos calhaus com uma cesta. Vais descalça e pões o teu melhor de tudo - os pés. Eu vou com o que de melhor possuo - as mãos. Depois fazemos buracos na areia em tremenda melancolia como quem procura um tesouro. Tu sempre disseste que gostavas de tesouros,,. Se tu preferires, dou-te um beijinho, daqueles que se acham perdidos por entre grãos na praia e digo-te coisas que voam. Se os pensamentos forem daqueles que voam muito, prendemo-los ao chão. É para isso que servem os calhaus que guardamos na cesta. 

e, às vezes, as estradas têm fim

uma boca cheia que sorria passos leves que funcionavam melhor a dois um daqueles dos grandes, um sol que ardia um barco, uma bóia, uma tábua de salvação uma música que puxava baile um rol de folhas pelo chão quase todas verdes… de esperança mas quiseram os muros farpados e, às vezes, as estradas têm fim. (ph. de William Kentridge)

Pavra

 Não me leias parva só porque quis deixar cair uma sílaba nesta palavra

tão triste quanto isto

É urgente a assunção! E com tal zelo nos assumirmos finalmente. Não tem nada que saber: este planeta não é nosso e deviamos saber estar nele. Como em casa alugada, podemos dispor a nosso gosto mobílias e bibelôs, mas nunca devíamos ter espetado o prego na parede que o senhorio não deixava… É urgente a assunção! E com tal zelo assumirmos finalmente. E nada vale agora dramatizar: Qualquer dia, muito em breve, deixaremos de poder pagar a renda e seremos despejados. Tão triste quanto isto. (este texto foi adaptado a partir de um poema de A. M. Pires de Cabral, que já conhecia há alguns anos e cuja ideia eu achei particularmente interessante e muito adequada ao triste cenário com que me deparei numa das praias que costumo frequentar… é uma tristeza ver a quantidade de máscaras que proliferam nos areais!!!!)

pôr do sol em marte

Nestes tempos todos se queixam da falta de pulmões e do silêncio dos seus corações dos pés sem chão e das mãos sem reação da cabeça à roda e do nó na garganta sofrem bastante por mal nenhum ficam com fome porque querem passam horas à janela a ver os outros passar mas a maior desgraça é esta não dão grito alarmante exibem sorriso brando como quem conta as malhas manobrando agulhinhas de crochet em trique trique é assim que o paninho vai ficando enrodilhado pelas voltas em apatia é assim que o paninho vai crescendo, vai crescendo sem grande alarido (fotografia de Taslima Akhter)

muitas vezes um pássaro

 Muitas vezes acontece um passarinho.

cedo cedo

Acordar cedo cedo. Há um mistério qualquer no ato de cedo acordar que é coisa boa que vem com a idade. Porque é de manhã que se começa o dia. É a música dos seres divinos e tudo a cheirar. E a julgar pelo ínfímo número de pessoas que circulam cedo cedo, não é qualquer um que tem este arrojo de idade. Cheira-me que já pertenço ao grupo privilegiado dos que acordam ansiosos por captar a beleza dos instantes antes da catástrofe.

há mais saída que cansaço

A simplicidade! de ficarmos com o instante das madrugadas… O espanto! de nos encantarmos com a música e seus malmequeres… A paz! de nos plantarmos de pés na terra e deixarmos a semente  que por nós adentro rebente em flor! A procura! De saborearmos a beleza da certeza da derrota que nos instiga a recomeçar! Porque há mais saída que cansaço Porque o êxito é fracasso, é capítulo encerrado… (fotografia de Elliot Erwitt)

frases que andam no laré

O umbigo embora centro do mundo é visão pequena.

Fever

 Ai que arrepio! e não é de frio...

narrativa inusitada

E este tom vivido de uma narrativa inusitada contamina a leitura dos factos que seriam comandados por uma invulgar capacidade de sedução de contadora de histórias de índole impressionista como se de um interlocutor imaginário se tratasse.

de tudo menos

Ir-me-ei esquecer de tudo menos dos sois brilhantes que clareiam areais das chávenas quentes em tardes de chuva das conversas à toa à soleira das portas dos girassóis e das esperas bravas da alegria e das surpresas dos instantes dos caminhos de pó e pedra em suor do teu coração a pulsar.

Doce Agosto

Eu não estou lá, mas para lá caminho. E como é bom sentir a germinação.