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Se soubesse como se sentem as folhas que vão ao chão. Nada quietas.

 Se encontrar uma árvore à solta, envolva-a. Provavelmente, algures no seu tronco, aparecerá escrito «Não estou perdida e vim parar às tuas mãos para que me olhes e me compreendas». É este o espírito da cadeia que agora inicio que é também um desafio para quem o quiser acolher. 

Apresento aqui a minha perspetiva – poética, como sempre. 


Eram as seis e um assobio melodioso aflora à minha janela. Meio surda, meio zonza, subo devagarinho a persiana para verificar a cor da manhã que insistia este despertar, muito antes da hora marcada. Ali estava. Manhã cinza. Apagada. Tudo molhado. Uma completa neblina. Não havia dúvida. Era ele sem sombra de dúvida. Revolto e fazendo barulho por tudo e por nada. Uma choradeira completa em tudo à volta. 

O meu novo pátio com o diospireiro ao centro. Despido. Embaraçadamente despido. Os frutos à mostra. As folhas no chão. Nada quietas. Arrastavam-se ao som do cúmplice vento que as envolvia, tentando à pressa esconder as provas do crime. Em voz de falsete, avisa-me que saia com cuidado. Que caminhe direita. Nada entusiasmada. Não vá repetir a façanha. Agora comigo que também sou árvore ao centro, pesada de tanta folha ainda fruto do último verão…

Se soubesse, este vento previsível, como me tenho sentido indomável no meio de tanto inverno, talvez nem sequer tivesse coragem de escolher este pátio de frutos tão maduros, nem teria a ousadia de me vir acordar muito antes da hora marcada. 

Se soubesse como acolho tranquila as rajadas de vento porque não duram mais que 20 segundos. 

Se soubesse como me sinto feliz de cabelos em desalinho, indiferente a pragas e indecisões. 

Se soubesse como se sentem as folhas que vão ao chão. Nada quietas.

Se soubesse que é a dança que transforma qualquer inverno em louco verão…


Mónica Costa







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