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E quem os visse de cabeça baixa e espinha curvada...

E quem os visse de cabeça baixa e espinha curvada haveria de pensar que andavam de mal com a vida. E não! Não era nada disso! Naquela altura, era apenas a única forma de estar. Eram uma mistura de bichos e homens que não tinham vista para o horizonte. Enxergavam a meio palmo e mal. O que viam, existia e o que não viam, não existia. Simplesmente assim! Mas tudo muda e, um dia, a espinha endireita-se e avista-se o além. É a terrível e magnífica lei da evolução. Foi assim que ficou esta nossa mania de ver e ver e ver. Até ver coisas que não existem porque, às vezes, à força de não se ver, imagina-se, adivinha-se. 
E lembrei-me desta coisa da cabeça baixa por causa desta nossa postura, ultimamente. Quem me vê, há de pensar que ando de mal com a vida e não! Nesta altura, é a única forma de estar. De espinha curvada a enxergar meio palmo e com a ajuda de óculos. Mas esta postura não é de abatimento, é de concentração, atenção a todos os pormenores. Algumas vezes, cansaço, é verdade, mas, na maior parte dos casos, é postura de quem enfia o nariz nos livros ou na escrita. E sei exatamente desta minha dificuldade em enxergar mal ao perto cada vez pior com a idade. Mas também sei que ainda vejo muito bem ao longe e sem precisar de óculos. Tenho vista para o horizonte, quando quero! Sei que lá ao longe, do lado esquerdo, a serra desce e há um caminho fino de acesso a sítios maravilhosos, autênticos paraísos. Em frente, só água tranquila. Sei que o mar está sereno e esverdeado, as ondas pequeninas deslizam com cuidado na areia muito fina. Os meus pés já lhe provaram a maciez. O meu olhar de longe regressa sempre para perto de mim. E reparo, agora, no meu nariz magnífico e nos meus olhos tão brilhantes, da cor do mar. Os raios do sol repousam em meus cabelos. Cabelos maravilhosamente ruivos da cor do final desta tarde. E a pele tão branca que condiz com a espuma das ondas pequeninas. Se alguém me vir ao longe, irá achar que combino na perfeição com este cenário e que estou de bem com a vida! E sim! Estou de bem com a vida! Como dizia, a minha postura não é de abatimento, é de concentração e ainda bem que há sempre um pormenor no horizonte que me elucida…
Mas é, por vezes, com alguma tristeza que me apercebo do que parece ser moda para muita gente. Por exemplo, lá em baixo, na praia, estão duas pessoas. Um homem e uma mulher, afastados. E aqui bem perto, nesta mesa de esplanada, há duas pessoas que estão afastadas e silenciosas. E quem os vê de cabeça baixa e espinha curvada há de pensar que andam de mal com a vida. E não! Não é nada disso! É apenas a única forma de ser para alguns. Ver, ver e ver, mas só ao perto. Há uns largos séculos, eram uma mistura de bichos e homens que não tinham vista para o horizonte. E agora que a têm, enfiam os narizes nos écrans. Enxergam cada vez pior e têm a vista cansada. Falta relembrar que, à custa de muito hábito, tudo muda e, um dia, a espinha encurva-se de vez e lá se perde a vista para o além. É a terrível e magnífica lei da evolução! Todos sabemos que, nestes tempos, vale tudo, até andar de espinha curvada quando podíamos andar de espinha direita…Cuidado! Qualquer dia somos uma espécie de mistura bicho-homem! Portanto, toca a levantar o nariz para o além e apreciar o que o horizonte nos oferece!

Mónica Costa
(esquisso de Rita Constante)





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