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Miau! Miau!


Sou um gato de olhar esverdeado que te olha desta esquina hipnotizado por um olhar que só eu pressinto. E quando os gatos te olham assim fixamente é porque há algo em ti que entra em desatino. Tu estás para aí, no carro, parada e tranquila, à espera, com o braço de fora já dormente. Manténs postura de jovem e aprecias o ambiente. E aqui estou neste telhado de casebre abandonado como um gato reguila. E este gato parece que sente! Miau! Miau! Já me topaste! Desviaste o olhar! Hoje, nem sei como vieste parar a esta esquina. Não é o teu sítio. Eu sei perfeitamente onde moras. Éramos vizinhos, porta com porta. Eu era o gato da porta da esquerda. E tu eras a dona do cão da porta direita. Deixei a dona da porta da esquerda. Prefiro esta vida de gato de rua. A minha vida é um pagode. Vós, estranhos seres, estais quase certos da vossa superioridade. Estais cheios, são tantos seres e tantas ideias que mais pareceis esponjas. Acho que hoje estás impossível! Já olhaste para aquela nuvem cem vezes e sentes que é bela. Guardas espantos. Eu só olhei para ela uma vez e não a acho especial. Não sei o que vês ali, mas, para mim, gato de rua, são apenas nuvens anunciadoras de um mau tempo que estraga as minhas escapadelas e estadias silenciosas neste telhado. Estás triste? Ali atrás ficou a manhã e lá à frente avizinha-se a noite. É só isso. Ou estás cansada? Ah! o cansaço é porque pensas demais. Pensas que nada vem por acaso. Comigo, acontece tudo por um acaso. Sentes que não foste feita para ter tudo por inteiro, só pela metade. Eu acho que metade é melhor que nada. Estás sempre a pensar na tua vida por dentro, mas a vida acontece por fora. Desculpa a interrupção: vou-me espreguiçar!!!!!!!!!! Eu gosto de tardes! Sabe tão bem espreguiçar ao fim da tarde! Se fosse a ti, fazia o mesmo. Espreguiçar é um bom exercício físico, quebra ondas de ócio e rotinas. E tu estás cansada de rotinas! Vê-se! E olha que eu sou um gato de rua, experiente! A tua vida é curta, não tens sete vidas! Miau! Miau! Acho que vou descer deste alto e vou até aí. Estás à espera de quem ou do quê? Aí está um enigma indecifrável para vós, humanos estranhos. Eu nunca espero nada. Passais a vida a levar convosco tudo o que recusais, andais sempre em conjuntos de dois, três ou quatro a construir uma teia gigantesca e nela vos enredais dia após dia. Onde estão os da tua teia? Se calhar hoje ninguém te espera e, como não trazes o teu cão, podes ficar comigo, apesar de me considerar um gato solitário. Acho que tens uma certa piada. Estás amolecida! Se te passar a mão no pêlo, até fazes ron-ron! Olha! Acho que o meu discurso causou impacto. Espreguiçaste-te! Miau! Miau! É isso, aproveita a quase noite que aí vem. Depois, deixas ficar aqui tudo o que pensas e levas apenas o final de tarde no bolso. Amanhã, voltas-te para a frente onde amanhece. Miau! Miau!

Mónica Costa



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