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... e da lama nasce a flor de Lótus


No outro dia, vi um programa televisivo dedicado a Taiwan e, numa das suas cidades mais populosas, Taipé, a maioria das pessoas circula nas ruas e nos transportes públicos com medo de se contagiarem ou contagiarem os outros. Usam máscaras que escondem sorrisos! E seja nesta ponta ocidental ou no recanto mais oriental, somos cada vez menos isto e cada vez mais aquilo. 
Cada vez mais extremos disto e daquilo. Ou se está pateticamente feliz ou exageradamente deprimido, ou se está morto de cansaço pelo trabalho excessivo ou parado no tempo inútil, ou nos encontramos ou nos isolamos. Ou vivemos no caos ou vivemos na ordem. Já não há lugar nem paciência. Ou é oito ou oitenta, ou vai ou racha! 
Parece que só ambicionamos o excesso, a estrutura, somos feitos de estatutos e de planos cumpridos. Idolatramos a ordem, o semáforo, os pés bem assentes no chão, os horários certos, a confiança, o definitivo, o quente, a tribo, o apoio e o conhecido. Queremos ser os lugares certos, mas atormentados pelo desejo, por uma expetativa, pelos nossos pensamentos. Viramos o rosto para o chão com medo de pisarmos as nuvens. Temos receio do novo, da doença, dos fins e do bicho papão! Paira a tristeza, subsistem as horas incompletas. Vivemos mais disto e um pouco menos daquilo. Somos cada vez mais chumbo ou ferro ou dor e menos flor, ar ou luz. Somos cada vez mais almoços de hora incerta e atrapalhada e relações de circunstância. Sentimos o peso do mundo nos ombros. Temos medo de falhar. Ouvimos de tudo um pouco e não nos detemos em nada. 
E assim vamos andando, sem força nas pernas, à espera de melhor sorte, praguejando contra tudo e contra todos. Sentimo-nos em colapso, numa liberdade pantanosa. Seguimos por rua esguia e assustamo-nos ao primeiro saltito de gato no escuro. Andamos em gelo fino com tacões pontiagudos!
Pois, quem me dera acreditar que há um mundo próprio de quem não se cala, de quem ama. Acreditar num mundo invisível reservado àqueles que vão comprar alfaces descontraidamente. Acreditar que há sempre a benesse dos rios transbordarem e há quem tenha aquele mau feitio que os deixa em paz. Vestígios de uma ternura em busca do sorriso certo. Acredito nos seres que balançam entre a ordem e o caos, que têm um pé lá e outro cá. Conhecem a dose certa e encontraram o seu ponto de equilíbrio. Sabem que o segredo está em saber passar do caos à ordem, mas não se deixaram ludibriar pela ilusão da ordem. Encaram o caos como a possibilidade, a fonte de inspiração. Alguém dizia que quando não se puder controlar o que está a acontecer, ao menos que se encare o desafio de controlar a maneira como se responde ao que está a acontecer. Eu acredito no Não enquanto força motora que aguça o engenho. E assim vai o cérebro reagindo e foi exatamente à custa deste esforço que se deu a evolução. 
Vivamos sem medo do caos! E tudo começa a encaixar-se, se entendermos tudo na medida razoável. Mais vale encarar tudo como um desafio! Com tranquilidade! Sem máscaras! De sorriso lavado! Ouvir música, acreditando na ordem enquanto dura. Acreditar na benção do tempo que passa a correr porque se viveu intensamente um momento, muito melhor do que aquele tempo que custou a passar por não se ter vivido. Acreditar na reação que vai surgir quando o nosso ser mais profundo é chamado a intervir. Acreditar que há coisas que não estão sob o nosso controlo e há vulnerabilidades. E ir tentando encontrar o sentido escondido nas coisas que vão acontecendo. Prestar atenção. Abrir os olhos. Detetar cor no meio do preto e do branco. Da ordem e do caos. Ser um pouco disto e um pouco daquilo. 

Mónica Costa





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