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É esta a nossa escapatória e a nossa força!

Ainda me lembro desse dia. Era um corredor comprido e estreito cheio de portas de madeira. A meio do corredor estava a minha sala de aula. E eu pequeníssima. Não havia confusão nos corredores, apenas uns quantos jovens, circulando sem grande entusiasmo. Era uma escola secundária, daquelas que tinham estilo e cheiro de antigas escolas industriais. Nesse corredor, havia duas portas que me chamaram desde logo a atenção. A porta da sala dos professores. Fixei-a, imaginando uma nuvem de fumo (sempre achara que os professores fumavam muito). Era uma sala de porta sempre fechada e quando se abria era entreaberta apenas por alguns segundos e logo se cerrava. Era o reino da sabedoria (pensava eu). É que sempre olhei os professores como ricos (de dinheiro e sabedoria!!). Depois havia a porta da biblioteca. Escura, cheia de armários fechados de madeira escura, uma longa mesa no centro escura e livros de capa dura e com cheiro a velho. Dali a uns dias, haveria de descobrir o prazer de abrir livros e cheirá-los e desbravá-los. Quando se pedia um trabalho, tinha de se anotar e fotocopiar e sublinhar e reter o mais importante, não havia fácil acesso à informação. Dava tanto trabalho um trabalho! Algumas capas desses livros eram bonitas demais para não estarem em exposição para que todos as vissem. 
E, nesse dia, no ano em que entrei no 7º ano, estava nervosa e sozinha. Os meus amigos tinham ficado noutras turmas e eu não conhecia ninguém. Fiquei ali encostada a apreciar as portas, agarrada a um cadernito A5 de capa axadrezada e ia roendo a tampa de uma caneta Bic. Ia ter História. Havia de ser uma das minhas disciplinas preferidas, mas não por causa daquela professora que haveria de conhecer dali a uns minutos. Detestei-a, aliás, como à maioria dos professores que tive naquele ano. Dali a um bocado, começaram a chegar uns quantos em bando e estacionaram à porta. Eram dali de certeza, meteram conversa e eu ia respondendo timidamente e, dali a pouco, já estávamos todos apresentados. Também não gostei da minha turma! Não fiz nenhum amigo em especial. E, quanto às aulas, foram sendo suportadas à custa de muita teoria. Esquemas que se passava do quadro preto sem se entender. Havia o peso de se ser chamado ao quadro só para termos consciência que eramos pequenos e ignorantes. Não me sentia livre! Olhava frequentemente pela janela da sala quando todos estavam em silêncio a passar esquemas do quadro. A minha escola tinha árvores fantásticas!! Como seria bom se algum professor nos convidasse para ter aulas à sombra de uma daquelas árvores!! Impensável! Ou de repente, houvesse um professor que dissesse algo realmente interessante. Impossível! Ou, finalmente, eu percebesse o valor daqueles esquemas!! Nós sublinhávamos frases nos manuais sem saber por que motivo se sublinhavam umas e não outras e, raramente, se falava das imagens que ilustravam os textos. Ninguém nos deixava escolher nada. Nada dizíamos! Entrava-se mudo e mudo se saía. Nenhum de nós sabia como surgiam as nossas notas na pauta. Eram dois testes por período. Quem sabia, sabia, quem não sabia, ía trabalhar. Eu ía sabendo porque estudava em casa e ía decifrando os esquemas à minha maneira e encontrava sempre uma lógica naquilo tudo. Lá me ía safando… mas, em termos gerais, posso assegurar que a escola não era um lugar de felicidade. 
Está a começar mais um ano letivo e, neste momento, sou professora e foram-me atribuídas três turmas de sétimo ano. Penso várias vezes naquela imagem de sala de professores coberta por uma nuvem de fumo e de porta misteriosa. A sala de professores que conheço neste momento não cheira a fumo (já fumegou, agora é proibido) e a porta está sempre aberta. Os alunos passam por ali e muitas vezes param e conversam com os professores. Harmoniosamente. Não há portas de madeira escura, as salas são claras (não é o caso da minha escola, mas sei que há algumas que até parecem hotéis de luxo). Os professores que conheço não são ricos! E, quanto à sabedoria, cada um sabe de si. A Biblioteca é amena e sossegada, cheia de luz e livros que quase ninguém lê. São bonitos os livros, mas é preciso coragem para os abrir. Ninguém os quer, está tudo na net. O trabalho é fácil demais! 
E, nesta tarde em que me revelo, à porta daquela sala, está um miúdo de 7º ano à minha espera. Eu chego de caderno A5 e caneta Bic. Ele sorri. Eu abro a porta. Seguem-me uns quantos iguais a ele. Sorriem. Sentam-se. Curiosos para saber o que lhes tenho para dizer. Alguns curiosos por saber que tipo de professor ali está. Alguns vêm de olhar amorfo. Umas quantas meninas de estojos recheados de canetas multicolores. E, então, eu começo com muita calma. 
Sabem (explico-lhes) há algumas árvores nesta escola, algumas bem bonitas. Já repararam nelas?  Será à sombra de algumas delas que iremos desenvolver algumas atividades de aula. Sabem, há alguns livros bem interessantes na biblioteca da nossa escola, à espera de serem explorados. Precisamos desses livros que estão esquecidos. Alguns deles estão cheios de desenhos e ilustrações maravilhosas! Já alguém olhou para eles? É bom ler e é bom escrever! Tudo o que me conseguirem dizer ou tiverem vontade de escrever! – e os olhos iam-se abrindo e os sobrolhos intrigados…
Pode ser que, daqui a uns anos, alguns destes alunos possam reescrever esta pequena história, assegurando que a escola foi um lugar de felicidade! Nas escolas, neste momento, a maioria dos professores e dos alunos lá se vai safando…
Eu acredito que a escola pode ser um lugar de felicidade. Cabe a todos os professores, em primeiro lugar, educar para a Paz e para a Criatividade. É esta a nossa escapatória e a nossa força!

Mónica Costa









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