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Nada de likes, nada de partilhas!

Lembra-se bem da magia que encerrava a ideia de, há uns largos anos, ver as gentes a fazer as malas para irem de férias. E se topasse que seriam férias para destinos longínquos e num período que excedia os dez dias, a sua capacidade imaginativa permitia criar imediatamente cenários extraordinariamente paradisíacos porque nunca constatados in loco. Sempre os supôs magníficos nas vidas dos outros. Via essa gente partir de férias e era como se, à maneira moderna, um like gigantesco lhes abrilhantasse a partida.
Já em idade adulta, e numa fase de já completa resignação pela condição de turista de garrafão habituada a imaginar os destinos paradisíacos dos outros, sucedeu algo muito curioso. Uma oportunidade única, uma qualquer campanha ou louco desafio publicitário de uma qualquer agência de viagens que decidiu propor o seguinte. Um anúncio desestabilizador, provocante: férias numa ilha paradisíaca com tudo pago durante dezoito dias. Praia de águas cristalinas e areia branquíssima, cabana de luxo com tudo pago. E quando se diz tudo, significa TUDO ao ponto de se exigir aos viajantes que não levem NADA com eles, a não ser os documentos. Dinheiro, roupas, calçado, comida – NADA. E, de entre as condições exigidas, um desses nadas ressaltava – nada de aparelhos de filmagem ou fotográficos, nada de telemóveis, nada de internet. O registo de imagem estava expressamente proibido! Era ver e apreciar o momento! «Tudo incluído! Mas de si para si!» - Era este o slogan! 
E aceitou o desafio. Durante dois dias andou em modo pensativo. Será um ato prudente aceitar esta aventura? Para todos os efeitos, nem sabia bem o que a esperava! Um teste se impunha à sua capacidade de confiar nos outros e em si mesma, de lutar contra as vozes dissonantes que afirmavam tratar-se de uma armadilha muito bem montada. A menina pensou e pensou e decidiu-se. E agora a gente via-a a partir e sem um único like a abrilhantar-lhe a partida! Ou fosse a preocupação ou a inveja miudinha, instalou-se algum desconforto nesta despedida. O certo é que a menina saiu de casa sem malas, sem sacos, sem pesos. Diga-se, de passagem, que ir de férias para um longínquo lugar sem um único par de cuecas nem sequer um casaquito para aguentar as noites frescas ou uma simples escova de dentes foi um verdadeiro teste de resistência à nossa tendência para a tralhice! Turista de garrafão limitado à sua condição básica de simples transportador de uma pochette. Pequena e quase vazia! Foi a estranheza absoluta! 
Algumas horas de voo, leveza pura e eis que surge um extenso espaço de uma tal brancura combinada com a perfeição do azul celeste e do verde esmeralda. A constatação da existência de um local perfeito onde tudo respira, plantas e rochas em harmonia, danças calmantes de águas que nunca se agitam e tudo se ouve em forma de areias musicais banhadas pela mansidão das águas que as beijam suavemente. Tudo em equilíbrio! E lá estava ela e mais sete destemidos que vinham provar a si próprios e ao mundo que todos merecemos um voto de confiança. Durante três dias andou de boca aberta perante tamanha beleza e calma. «Será que morri?» – pensava ela à noite. E sorria e sentiu-se rainha durante sete dias que passaram a fugir. Tempo suficiente para olhar, reparar, respirar, absorver…e aborrecer-se... 
Era tudo tão demasiadamente belo e ela sentia-se que nem uma tartaruga! Um certo desconsolo invadia o seu corpo e nem sabia muito bem explicar o porquê de tal sensação. Só percebeu quando, perante um pôr do sol inusitadamente provocador, se lembrou da sua condição de apreciadora de likes. Habituada a apreciar os paraísos imaginados, agora queria muita gente a pôr likes neste paraíso só seu!!! Uma paisagem magnífica e, à falta de melhor, formulou um emoji mental! Dirigiu-se, depois, à sua cabana de luxo e um enchente de emojis desesperados, de faces vermelhas de raiva e olhos esgaziados perseguiam-na! Não poder mostrar ao mundo o seu acesso ao paraíso…  Que raiva! Era insuportável aquela privação! Não poder provar aos outros que aquilo que se imaginou durante anos e na vida dos outros, era real e estava a acontecer! Milhões de grãos de areia tinham invadido o seu sistema nervoso central e tomado conta de toda a situação. Houve uma espécie de exfoliação cerebral. Nem uma única partilha!!?? Foi neste estado que, na tarde do 12º dia, e estando a beber um refrescante iogurte líquido com sabor a manga, se lembrou de escrever um longo e minucioso texto descritivo de toda a envolvência física e psicológica do momento. Acabado o texto, lavou devidamente a embalagem do iogurte, enrolou o papel onde tinha registado as suas impressões sobre o paraíso e colocou, qual Robinson Crusoé, a tal mensagem descritiva na tal embalagem com cheiro a frutos exóticos. Caminhou para o mar sereno. Um enchente de emojis mentais e bronzeados acompanhavam a sua decisão de partilha. Atirou a embalagem ao mar! Estava saldada a abstinência! E era o paraíso e ela continuava a sentir-se insatisfeita. 
Agora era a questão ambiental que se impunha. Um peso na consciência se instalava por ter contribuído para a poluição daquele idílico mar!  Nunca soube, porém que, algures, numa qualquer outra praia, alguém, preocupadíssimo com as questões ambientais e, fazendo a sua caminhada habitual, reparou numa embalagem de iogurte na areia! Agarrou nela com determinação e, apercebendo-se que tinha algo dentro dela, abriu-a e verificou a existência de um papel. Como indivíduo responsável e atento, dirigiu-se ao contentor de lixo mais próximo e fez a devida e responsável triagem. Ao plástico o que é de plástico e ao papel o que é de papel…
Raios de tempos estes em que as pessoas não podem simplesmente viver o momento! Sem likes, sem partilhas! De si para si!

Mónica Costa
(imagem retirada de https://www.lisaheatonbooks.com)











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