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Para ti é mel!

Eu ouço, compreendo e sinto. E esta é a minha desgraça porque sou observadora de abelhas e de flores! É contigo que eu quero falar, ó abelha! E tu que passas por mim e voas e nem sabes que eu existo! É essa a tua felicidade! Eu sentada neste banquinho inofensivo, fervo por dentro por te apreciar em tão ligeiro voo. Tu que cumpres tão objetiva e concentradamente a tua missão neste planeta. Estás aqui, estás a voar de flor em flor e daí para a tua colmeia. Quantas abelhas iguais a ti já passaram por mim em seu voo sincronizado? O meu problema é este: eu vejo sentindo, tu voas sem sentir. O teu único foco é encontrar a fonte de energia que transformarás em produto útil. E és efetivamente eficaz na distribuição de tarefas. Sugas a doçura e não a beleza. Para ti, há um único problema que requer solução e para o qual há uma única opção e voas. Calculas imediatamente todas as variáveis. Número de obreiras e fontes disponíveis. Tudo bate certo! Nem Siza Vieira faria melhor! Colmeias que são autênticas construções de luxo com sistemas de ventilação, remoção de resíduos e esquemas altamente especializados de segurança. Disciplina e zelo! Nenhum governante é capaz de tamanha façanha! Quero-me perder na tua paz!! Para ti, a vida é o que planeias e executas. Não há alternativas, não há perdas, não há custos! Tu ages! Eu penso! Tu ocupas-te da ordem produtiva e eu preocupo-me, sentindo em pandemónio! Tu tão útil! E eu o inventor da música e da poesia! Tu que nem viste morrer a tua companheira nem te importas com a tua origem ou o teu destino! Eu que me desgasto e não hesito em destruir os meus semelhantes! Para ti é mel, para mim é por vezes mel, mas outras fel! Tu inflexível em prol da sobrevivência do grupo e eu que vou procurando sobreviver num grupo! E tu que continuas passando por mim na tua incessante tarefa! E eu aqui parado em considerações filosóficas, interrogando-me sobre a tua e a minha condição. E esta é a minha desgraça porque sou observadora das abelhas e das suas flores!

(as ideias exploradas neste texto são baseadas numa das ideias exploradas no livro de António Damásio »A estranha ordem das coisas» cuja leitura recomendo)

Mónica Costa (imagem de Christoph Niemann)


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