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Agora é a doer...


Vénus chora noite e dia! Acabou de chegar a casa, vem cansada. Frequenta aulas de Yoga para descomprimir, já foi alvo de uma série de operações plásticas. A fama assim o exige, ser a deusa mais bela do Olimpo tem muito que se lhe diga! Todos os dias, é o mesmo ritual: agarra no retrato do seu filho Cupido e chora desalmadamente. Era lindo de morrer! Criança fofinha, de loura cabeleira de fartos caracóis, nu, puro e cego, mas sempre certeiro! Adorável! Quanta gente feliz à sua custa!
Vénus martirizando-se: - E agora? O que fazes, Cupido?! Onde andas, Cupido?
Vénus culpa-se todos os dias pelo erro de educação, não era nada disto que tinha planeado. Cupido só gera apatia e discórdias um pouco por todo o mundo.
Marte chora também noite e dia! Acabou de chegar a casa, vem cansadíssimo, frequenta sessões de psicanálise há três meses, já foi alvo de quatro internamentos. Ser dos mais fortes do Olimpo com fama de fraco pai é dura responsabilidade!
Marte repreendendo:  - Quantas vezes já te disse que isso não se faz!  
Cupido repetindo, sem misericórdia: - O quê?!! O que é que eu fiz?  
Cupido tem, neste momento, idade para ter juízo, mas não tem. Fez uma operação às cataratas, mas cada vez está mais cego. Comprou uns óculos, estilo Abrunhosa, e ficou com ar aborrecido. Pensou e repensou: andar nu, mostrando as suas desgraças, não era de todo aconselhado. Assumiu, finalmente,  a sua masculinidade e, todos os sábados de manhã, diverte-se em animadas sessões de Paintball, usando fato de treino da Adidas. É um verdadeiro labirinto de confrontos.
Cupido divertindo-se: - Ora bem, vamos lá ver se nos entendemos! É para atirar a matar ou não? Não há pancadinha de amor, nem ferida que dói e não se sente. Agora é a doer! Ou vai ou racha!
Para ele, desde que se assumira como um verdadeiro macho, acabara-se a Paixão e o Amor, sentimentos idiotas que deixam qualquer um desconcertado e sem motivo. A paixão  passou à história, é sombra em chão irreal.
Paixão: – Não me convences, estás bem enganado. Eu não acredito em realidades.
Cupido implacável: - E, na realidade, estou pronto para atirar e acertar, já tenho o material necessário de ataque, tenho vontade e força.
Paixão: - Aprendeste a manusear esse arco maldito e tens atirado à toa umas quantas flechas e nem sabes as mortes que isso tem causado!
Cupido hipocritamente: - Mas a minha armadura é de paz, não faz mal a ninguém! Tranquiliza de vez! Irrita-te este meu modo prático de ser, não é?
Amor: - Apesar do teu chão ser mais real que o meu, deverás ter a humildade necessária para te convenceres do contrário: não vais conseguir atirar a matar! Não tens coragem! É preciso coragem para te assumires como realidade.
Cupido ataca irritado: - Este arco e flecha, que aqui vês, são o que vês e não o lugar vazio onde existes. Ninguém sabe com certeza o que acende o Amor. Do que todos temos a clara ideia é daquilo que o apaga. Em resumo, é a realidade! É essa a minha função agora. Temos de nos adaptar às circunstâncias…
Mónica Costa



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