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Mensagens

Voar

Nuvens brancas, fofinhas, pipocas e açúcar. Espraio as asas e sinto uma leveza de pluma. Sinto-te a acariciar-me a face. Sim, vento do Norte, do Sul, do Este, do Oeste…És o meu melhor amigo. Plano, mergulho, ascendo para além do imaginário. Vejo pérolas pontilhadas, insignificantes ou estimulantes. Zoom…e vejo-te. Verdes, castanhos, dourados, vermelhos,…,todas as cores que me permites avistar. Mexem, param, bamboleiam e rodopiam. Ouço o que me sussurras “Vmmm. Vmmm. Vmmm.”. Sei o significado que é só meu. O nosso segredo de amantes. Quero-te tanto. Bato as asas e sussurro de volta “Vmmm. Vmmm. Vmmm.” Voar. Voar. Voar. Liberdade de explorar, pousa, viajar. Mundos que só tu e eu entendemos. Viagens que nos aproximam qual amantes solitários. Paragens em que nos amamos e confortamos. Ó Sol que me aqueces. Ó Lua que me alumias. Ó estrela que me orientas. Voar. Voar. Voar…até não mais pousar.

Miau! Miau!

Sou um gato de olhar esverdeado que te olha desta esquina hipnotizado por um olhar que só eu pressinto. E quando os gatos te olham assim fixamente é porque há algo em ti que entra em desatino. Tu estás para aí, no carro, parada e tranquila, à espera, com o braço de fora já dormente. Manténs postura de jovem e aprecias o ambiente. E aqui estou neste telhado de casebre abandonado como um gato reguila. E este gato parece que sente! Miau! Miau! Já me topaste! Desviaste o olhar! Hoje, nem sei como vieste parar a esta esquina. Não é o teu sítio. Eu sei perfeitamente onde moras. Éramos vizinhos, porta com porta. Eu era o gato da porta da esquerda. E tu eras a dona do cão da porta direita. Deixei a dona da porta da esquerda. Prefiro esta vida de gato de rua. A minha vida é um pagode. Vós, estranhos seres, estais quase certos da vossa superioridade. Estais cheios, são tantos seres e tantas ideias que mais pareceis esponjas. Acho que hoje estás impossível! Já olhaste para aquela nuvem cem veze

Povo que lavas no rio

A ribeira vai cheia. Bacias e alguidares cheios de roupa. Sabão, água, sol. Ingredientes pra roupa lavada e perfumada. Mulheres trigueiras, de mangas e saias arregaçadas. Lenço na cabeça, faces afogueadas, braços fortes e musculados. Povo que lavas no rio, é dia de algazarra feminina. Cantilenas animam os chapos na água. Pedras lisas do labutar da esfrega, colocadas nas margens, personalizadas, lugar marcado. Povo que lavas no rio, toca a trabalhar. Esfregar, bater e pôr a roupa a corar. Roupa mais branca não há! As crianças gritam alegremente, chapinham, acompanhando mães, irmãs, tias… Estende aqui, ali. Em cima de giestas, alfazema, rosmaninho. O dia vai longo, mas roupa mais branca não haverá. A conversa animada do mulherio acompanha o labor. As risadas intercalam com os cantares vigorosos de vozes multicoloridas. Seca. Seca ao sol mimoso, que torna alva a roupa cheirosinha. Povo que lavas no rio, alegre e em desafio.

É a nossa nação potente, carago!

A televisão com paninho de renda o estendal de cuecas ao vento as couves do quintal no prato o vizinho do lado barulhento o fino e os tremoços no pires o zé do boné da loja dos trezentos a motoreta esganiçada o jogo do sporting no café do Bento o grilo na gaiola, mais a alface a sardinha no prato e os pimentos a galinha de barro na cozinha o Bobi que ladra violento o cigarrito ao canto da boca o galo de Barcelos quase sonolento o berro da mãe à porta do bairro o quarto com a foto do casamento a lavadela do carro semanal o turista de garrafão impaciente a lágrima ao canto do olho Ah! a saudade e Ui! o desenrasque Enquanto houver desta gente por caminhos becos e calçadas e mais os adereços que a compõem pode ficar Portugal contente é sinal que está vivo e se recomenda É a nossa nação potente, carago! (Este texto foi pensado na sequência de uma das minhas visitas à cidade do Porto. Está repleto de turistas!! Segundo os estudos,

O homem que andava distraído

Deixem-me contar-vos a história de uma mulher e que é, ao fim e ao cabo, uma das muitas mulheres que entre vós circulam. O primeiro plano que apresento é este. Uma figurinha sozinha, de cabeça leve. Uma rapariguita simples, alegre até ao céu. Fala pelos cotovelos, lambuza-se sempre que come asinhas de frango com molho de tomate. Adora chinelos de dedo e é livre nas suas saias curtas rodadas. Tem um gato chamado Migalha. Vive perto de uma igreja com um adro cheio de margaridas e ouve o sino tocar todas as tardes. Com certeza, já criaste o cenário na tua cabeça. E para já, esta história não tem nada de interessante. Deixa-me continuar. Depois, a rapariguita simples começou a crescer, os seios pequeninos viraram grandes mamas que estorvavam a brincadeira. Queria correr e aqueles amontoados de carne abanavam por todo o lado. As pernas ficaram jeitosas demais para andar com saias tão curtas. E quando se sentava no alpendre da sua modesta casa, de vestido primaveril generosamente decot

Andorinha

Quadrúpede sem analogia com a homónima voadora. Teimosa q.b. e ciente da novata que tinha no dorso. Andrómeda já tinha tido experiências com equídeos. Ainda adolescente treinara num pónei…teimoso. Não ligava nenhuma à cavaleira minúscula. Uma incomodativa miniatura que lhe pesava. Disparava a seu bel-prazer, assim do nada, testando a perícia do ser insignificante que carregava. Era um ver se te havias!... um saco de batatas estaria mais direitinho que Andrómeda. Nada de novo, portanto, com a Andorinha excepto…o tamanho. Era uma égua bela, tons acastanhados, crina e cauda preta, uma pequena estrela branca na testa, olhos meigos e matreiros que pareciam testar quem se aproximava. A escolha estava feita. O instrutor avisava para Andrómeda ser forte e destemida. Havia química, havia, mas essa passava pelo prazer que a égua tinha em desautorizar por completo as tentativas da cavaleira em estágio! Belos momentos passaram juntas e, para além da teimosia, partilharam um momento único de

Agora é a doer...

Vénus chora noite e dia! Acabou de chegar a casa, vem cansada. Frequenta aulas de Yoga para descomprimir, já foi alvo de uma série de operações plásticas. A fama assim o exige, ser a deusa mais bela do Olimpo tem muito que se lhe diga! Todos os dias, é o mesmo ritual: agarra no retrato do seu filho Cupido e chora desalmadamente. Era lindo de morrer! Criança fofinha, de loura cabeleira de fartos caracóis, nu, puro e cego, mas sempre certeiro! Adorável! Quanta gente feliz à sua custa! Vénus martirizando-se: - E agora? O que fazes, Cupido?! Onde andas, Cupido? Vénus culpa-se todos os dias pelo erro de educação, não era nada disto que tinha planeado. Cupido só gera apatia e discórdias um pouco por todo o mundo. Marte chora também noite e dia! Acabou de chegar a casa, vem cansadíssimo, frequenta sessões de psicanálise há três meses, já foi alvo de quatro internamentos. Ser dos mais fortes do Olimpo com fama de fraco pai é dura responsabilidade! Marte repreendendo:   - Quantas veze

Reuniões de Avaliação

AVISO! O texto é fruto de uma miscelânea de situações. Qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência. Intratável. Insuportável. Anti-social inflacionado…Descrição de um Director de Turma, doravante DT, antes da “sua” reunião. Stressado, rodeado de pilhas de papelada e munido de portátil, não vá o diabo tecê-las. A malta vai chegando, com sorte é a primeira reunião e ainda há alguma bonomia nos rostos, e…porra, o secretário novamente atrasado! Bem, vamos começando para ver se despachamos as grelhas…Chega, descabelado, um sorriso (irritante) no rosto e desculpem lá, deixei-me dormir. Boa, boceja o resto da malta. Todos presentes, dá-se início à cantilena dos níveis/classificações propostos. Ups, espera aí, há aqui uma discrepância. Opção A - Não te preocupes que tenho justificação. Opção B – Sério? Então muda lá isso para…e a cantilena continua. Em média com 26 alunos para avaliar, a pregação demora o seu tempo. Depois vem a ponderação. Não achas que isto e aquilo. N

Pés Rapados

Aníbal é um velho de oitenta anos que vive numa casa de madeira que ele próprio ajudou a erguer. O local onde vive é o mais puro motivo para que qualquer um possa viver uma vida de sonho, um largo rio com águas límpidas que rasga a terra da qual brotam os mais saborosos produtos, todos dignos de marca biológica, há paz e sossego nos caminhos, as gentes entendem-se e confraternizam. No entanto, nem sempre o Aníbal vivera ali. Enquanto jovem na casa dos vinte, tinha penetrado no mundo da chamada civilização. Tinha absorvido algumas manias civilizacionais, entre elas, usar uma determinada espécie de sapatos e protestar. Protestava quase todos os dias. Chamavam-lhe o pé chato. Aos sábados, toda a comunidade se juntava no terraço da D. Elisete e cada um trazia o que tinha, tudo produtos de alta qualidade nos cestos mais simplórios e daquele sinal de união efetiva resultava o mais rico manjar e convívio. À noite, observava-se as estrelas e dormia-se sem um único ruído e sem uma única luz