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"O Cadeira de Rodas"

Levantar custou. Aliás, o acordar já tinha sido angustiante...Só de pensar em mais um dia na Porzellanfabrik, deixou a Teenager em pânico.
Odiava!...odiava a secção dos fornos, uma das mais rudes e esgotantes da cadeia de produção. Esse ano, sim, porque o mês de Agosto era para trabalhar e ganhar um dinheirito, e após ter já percorrido outras secções, era o inferno.
O calor intenso à saída dos fornos, os carros recheados de vários tipos de porcelanas que era necessário separar e empilhar nas respectivas paletes, as cadeias rolantes que as transportavam até...até à Jovem.
O barulho era ensurdecedor e monótono. Não havia sorrisos...era preciso trabalhar em akord, vulgo conhecido por "quanto mais trabalhas, mais ganhas". O ritmo podia tornar-se alucinante e,se não houvesse empatia entre os trabalhadores, esse ritmo transformava-se no Reino de Hades.
Desanimada, mas igualmente revoltada, chegou ao seu posto de trabalho. Ele já a esperava, com um sorriso de escárnio desenhado nos lábios, sentado na sua cadeira de rodas. Era fisicamente deficiente e mentalmente maldoso. Fazia parte do programa escolar de integração profissional. Tinham a mesma idade...no entanto, um mundo desenhado por experiências, separava-os.
A seu lado já havia várias cápsulas de porcelana, ainda quentes e prontas para serem sorteadas e separadas. 
Olhou para a Jovem, carregou no botão e a cadeia começou a rolar...Pratos começam a rebolar por aí fora, viram-se para limarem as arestas cortantes dos fundos. No final da linha, a Jovem esperava  pelos pratos que teria de, mediante os seus tamanhos e tipologias, de empilhar nas paletes.
Até começou bem...Podia ser que hoje não fosse um dia muito mau.
Engano!
O Cadeira de Rodas estende a mão para o botão...Ia começar o fado! ...e impulsiona maior velocidade à cadeia rolante. A Jovem tenta acompanhar o ritmo...Pilha 12. Pilha 14. Pilha 9...não, porra, esta pertencia à Pilha 11!...se o Mestre aparecesse agora, haveria raspanete. Ainda consegue corrigir o erro, enquanto os pratos não param de rolar...
Chega! Farta!
A Jovem corre em direcção ao botão e desliga a máquina...Espanto! Como é que aquela Ausländerin ousava fazer tal? A fúria invade O Cadeira de Rodas que estende a mão e liga novamente os mecanismos. Aflita, a Jovem dispara para o local de escoamento...Não chega a tempo!...os pratos começam a estilhaçar-se no chão. Algo devia ser feito. Que se lixe! Que a despeçam!...não está para aturar mais aquele fulano e, já agora, não está para aturar mais ninguém!
Cruza os braços e, como se estivesse enfeitiçada, observa os cacos...O efeito até tinha um certo sabor de glória.
"Was ist den hier los?"...a voz zangada do Mestre faz-se ouvir entre os estrondos "porcelânicos". A máquina pára. O Cadeira de Rodas coloca um ar de superioridade e explica que a Jovem não queria trabalhar. Questionada, esta responde que não tem medo de trabalhar, mas trabalhar condignamente. A história é esmiuçada e o Mestre, ciente das capacidades da Jovem e de quem é filha, fala com ela num tom suave, coloca a mão num dos seus ombros e incita-a a regressar às suas tarefas. O Cadeira de Rodas, para seu espanto, é repreendido...renovando o ódio que, já de si, era natural.
O olhar que lhe lança é explícito: vais pagar por isto!
A Jovem, ligeiramente confortada, sorri-lhe, saboreando a pequena vitória. Por hoje não se previam mais complicações.
Suspirou e empreende maquinalmente o trabalho...Pilha 12. Pilha 14. Pilha 9... A mente está ausente e sonha com o regresso a casa. Não àquela casa onde comia e dormia, mas à casa onde não seria Ausländerin.
Que férias...



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