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pleonasmo descarado

 Já há tanto tempo que me acho em Amor. E não tem sido uma relação fácil. Talvez tenha havido alturas em que disse a palavra amor por dizer. Uma palavra banal de tão igual a tantas outras. Era como dizer panela ou calçada ou carro. Só mais uma das muitas que nos atravessam diariamente, sem grande alarde e beleza, mas com utilidade. Talvez tenha havido alturas em que a desprezei por revolta, por sentir outras palavras que se apoderaram de mim como mais atraentes e bem mais fáceis de pronunciar. Talvez tenha havido uma altura em que a considerei como simples adorno literário. Era ela fora de mim. O amor tão terra e eu aérea demais. 

E há tanto tempo que me acho em Amor. E não tem sido uma relação fácil. Palavra que se habituou a mim. E eu nada. Repudiava-a de cada vez que se acercava. Muito por perto. Quase. Quase. Quase. E eu nada. Talvez tenha havido alturas em que tentei arranjar sinónimos para fugir à palavra certa. Talvez tenha havido alturas em que me provaram que seria mais salutar deixá-la lá. E eu cá. Para outro que a merecesse.

Um dia, o Amor pregou-me uma partida e entrou dentro. Assim, em pleonasmo descarado. E eu que estava habituada a vê-la por fora, sentia-a cá por dentro. Entrou e cresceu. Saiu, mas ficou para sempre dentro de mim. E, de repente, deixei de a dizer de forma banal. Porque quando a sabemos cá bem entranhada, aprendemos a dizer. Sabemos que existe, às vezes cala-nos de tanta intensidade com que nos assola. E isso é muito maior do que saber escrevê-la ou dizê-la. Não está quase, quase, quase. É. Não uma no meio de muitas que nos atravessam diariamente, mas exatamente Aquela. Aquela que estamos dispostos a cuidar como única. A partir desse momento, aprendemos a usá-la com muito cuidado. E quando se diz, é porque É. Passa a ser dita apenas quando tem de ser dita. 

Agora digo-a. 

AMOR. 





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