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fazer acontecer as mesas grandes

Ouvi dizer que, há muitos anos, as casas tinham muros baixos e os portões estavam sempre abertos. Havia crianças na rua a brincar às escondidas enquanto os pais falavam porta com porta. Ouvi dizer que havia festa e convívio e festejavam-se os aniversários nos jardins das casas entre amigos e familiares. Ouvi dizer que havia natal e páscoa em família. Tu e eu brincavamos às escondidas: primos, primas, irmãos, amigos e conhecidos. E havia mais gente na sala: pais, tias, tios, avós, tias-avós, cunhados e noras, genros e enteados. Um vizinho chegava sempre a tempo e trazia um baraço de fruta do seu quintal!  Diziam que havia vida, azáfama, energia a circular, barulho, luzes por todo o lado... Se paramos um pouco, parece que ainda ouvimos esses barulhos…

Haveria de perceber muito mais tarde, quando já estava no meio da sala, entre adultos iguais a mim, que se tratava de uma celebração! Havia o disse que disse, conversas cruzadas à mesa enquanto se esperava pelo almoço, havia desentendimentos sobre quem cozinha, quem põe a mesa. Os mais velhos gesticulavam e protestavam sobre a miséria atual e a glória dos tempos idos, os novos saltavam, o patriarca sentava-se e observava cautelosamente tudo e todos com ar circunspecto. Diziam que era o tempo da lareira e do fogão a lenha que cheirava a cabrito assado e broa acabada de fazer. Era o tempo das casas com jardim ao centro, pintalgado de flores de múltiplas cores, misturadas com couves à portuguesa. 

Era o tempo das mesas grandes!

E mais uma vez, a voz ecoa na cozinha, centro de tudo. Há um cheiro a bolo acabado de fazer e às batatinhas assadas da avó. Gente que se mexe, barulho de talheres e de crianças a correr pelos corredores. Há pessoas que tocam à campainha e entram. Lá fora, há registos de pessoas a interagir nas varandas com os vizinhos. Algo que já não acontecia há muito tempo, desde que as casas tinham muros baixos e os portões estavam sempre abertos. Gente que se vai reunindo aos poucos para nos fazer entender que não se pode perder esse sentimento de comunidade e partilha com os que estão perto de nós. Por todo o lado, há núncios que espalham a mensagem de que é bom sonhar, mas ainda é melhor fazer acontecer uma paisagem de presenças, fazer voltar o gosto do doce do regressar a casa em reunião de famílias e de amigos. Saber trazer para dentro e saber estar lá fora. Saber estar por querer estar, estar com quem realmente se quer estar, falar com quem nos dá prazer e paz. 

E este processo tem pernas para andar. É só ter coragem de dar um pouco mais de nós todos os dias e fazer acontecer as mesas grandes com cheiro a bolo acabado de fazer. 





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