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O meu trabalho morre de ciúmes da minha preguiça

Que preguiça! Parece que já não tenho forças… O dia é tão longo relativamente à energia que sobra. Nem acredito que consegui chegar às treze horas e trinta minutos deste dia que se adivinha tão longo. Preciso urgentemente de reforçar o meu stock! Pareço barata tonta ou qual WALL.E às turras a tudo o que é sítio. E estou a ser razoável! Ver nada! Fazer nada! 
Está prestes a nascer uma tarde amolecida e é preciso que seja um parto abençoado. Estou numa de pesar figos! A cabeça tomba perante a papelada que se anuncia para o outro lado do dia e, com todo o peso idiota e responsável da nossa sociedade feita de horários rígidos de trabalho, começa o leve claudicar que me limita e me diminui à insignificante condição de corpo mole. O único estimulante, neste momento, é o ligeiro barulhinho das pequenas coisas que ainda teimam em se movimentar, como as teclas do computador que alguém cisma em continuar a clicar numa tentativa demoníaca de formiga doentia e irracional. Parece da mais urgente relevância es-ta pe-que-na pau-sa. E quan-do di-go «ur-gen-te», quero dizer «Urgente!». Passe-me lá a receita da sesta, senhor doutor, para os quarenta e cinco minutos que tenho livres por dia à hora deste almoço. E olhe que estou a pugnar pela minha saúde, é ato letárgico repudiado, sono natural assumido! Até aposto que Salvador Dali pintou a «Persistência da memória» depois de um lúcido e exato momento mole de sesta. 
E já a vejo lá ao meu canto a chamar-me, é ela, a preguiça, que me chama. Vem para aqui, deita-te ao meu lado! - diz serena e mafiosa. E é, então, que eu, à marginalidade do canto escolhido, arrasto-me em jeito de caracol-corninhos murchos até ao assento mais próximo e recosto-me em sesta. Esticada até aos pés, as mãos ajeitam-se entrelaçadas e embarrigadas, a cabeça ganha forma de almofada. Os olhos vão semicerrando, embora haja, numa primeira instância, um faro que se mantém alerta com a precisão de quem mantém a guarda. Depois, os dois olhos ganham peso e, sem pedir licença, fazem força para baixo. Há luzes que se vão esbatendo e transformando em manchas que se apagam. É o vasculhar dos sentidos, a altura em que real e ficção se confundem e se emaranham de tal forma que se começa a perder a noção de espaço e tempo. A calma desce pela espinha abaixo. É um processo precioso porque vem surgindo devagar, fazendo engolir ar pelo nariz, alheio ao barulho e à azáfama. É o frenesim que se vai esboroando. Há um ligeiro arrepio e ploc! … aterrou (ou … elevou-se, conforme as perspetivas). Surge um balão de pensamento perfeitamente desenhado no ar dizendo «Adeus». E há uma tabuleta colocada estrategicamente que nem espaldão, dirigida principalmente aos detratores da graciosa sesta, que publicita a mensagem curta e grossa « Não me acordem!». Há um empreendimento religiosamente silencioso em perfeita honestidade para comigo própria a ser construído em todo o meu interior. 
Ficar assim alguns minutos não é tarefa para todos, exige desprendimento total, é uma escolha trabalhosa, mas corajosa, é decisão tomada à custa de um ânimo muito pesado e que desemboca na inevitabilidade da felicidade. Quando se acorda deste estado nefelibático, já somos outra pessoa. Os dedos desentrelaçam-se, os braços atiram-se para o céu em espreguiçar final, limpa-se a baba que escorreu ao canto da boca e ganhamos um resto de fôlego para o outro pedaço do dia. É uma questão de saber aproveitar as coisas boas que a vida nos oferece sem custos adicionais.

Mónica Costa



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