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Mensagens

Andorinha

Quadrúpede sem analogia com a homónima voadora. Teimosa q.b. e ciente da novata que tinha no dorso. Andrómeda já tinha tido experiências com equídeos. Ainda adolescente treinara num pónei…teimoso. Não ligava nenhuma à cavaleira minúscula. Uma incomodativa miniatura que lhe pesava. Disparava a seu bel-prazer, assim do nada, testando a perícia do ser insignificante que carregava. Era um ver se te havias!... um saco de batatas estaria mais direitinho que Andrómeda. Nada de novo, portanto, com a Andorinha excepto…o tamanho. Era uma égua bela, tons acastanhados, crina e cauda preta, uma pequena estrela branca na testa, olhos meigos e matreiros que pareciam testar quem se aproximava. A escolha estava feita. O instrutor avisava para Andrómeda ser forte e destemida. Havia química, havia, mas essa passava pelo prazer que a égua tinha em desautorizar por completo as tentativas da cavaleira em estágio! Belos momentos passaram juntas e, para além da teimosia, partilharam um momento único de

Agora é a doer...

Vénus chora noite e dia! Acabou de chegar a casa, vem cansada. Frequenta aulas de Yoga para descomprimir, já foi alvo de uma série de operações plásticas. A fama assim o exige, ser a deusa mais bela do Olimpo tem muito que se lhe diga! Todos os dias, é o mesmo ritual: agarra no retrato do seu filho Cupido e chora desalmadamente. Era lindo de morrer! Criança fofinha, de loura cabeleira de fartos caracóis, nu, puro e cego, mas sempre certeiro! Adorável! Quanta gente feliz à sua custa! Vénus martirizando-se: - E agora? O que fazes, Cupido?! Onde andas, Cupido? Vénus culpa-se todos os dias pelo erro de educação, não era nada disto que tinha planeado. Cupido só gera apatia e discórdias um pouco por todo o mundo. Marte chora também noite e dia! Acabou de chegar a casa, vem cansadíssimo, frequenta sessões de psicanálise há três meses, já foi alvo de quatro internamentos. Ser dos mais fortes do Olimpo com fama de fraco pai é dura responsabilidade! Marte repreendendo:   - Quantas veze

Reuniões de Avaliação

AVISO! O texto é fruto de uma miscelânea de situações. Qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência. Intratável. Insuportável. Anti-social inflacionado…Descrição de um Director de Turma, doravante DT, antes da “sua” reunião. Stressado, rodeado de pilhas de papelada e munido de portátil, não vá o diabo tecê-las. A malta vai chegando, com sorte é a primeira reunião e ainda há alguma bonomia nos rostos, e…porra, o secretário novamente atrasado! Bem, vamos começando para ver se despachamos as grelhas…Chega, descabelado, um sorriso (irritante) no rosto e desculpem lá, deixei-me dormir. Boa, boceja o resto da malta. Todos presentes, dá-se início à cantilena dos níveis/classificações propostos. Ups, espera aí, há aqui uma discrepância. Opção A - Não te preocupes que tenho justificação. Opção B – Sério? Então muda lá isso para…e a cantilena continua. Em média com 26 alunos para avaliar, a pregação demora o seu tempo. Depois vem a ponderação. Não achas que isto e aquilo. N

Pés Rapados

Aníbal é um velho de oitenta anos que vive numa casa de madeira que ele próprio ajudou a erguer. O local onde vive é o mais puro motivo para que qualquer um possa viver uma vida de sonho, um largo rio com águas límpidas que rasga a terra da qual brotam os mais saborosos produtos, todos dignos de marca biológica, há paz e sossego nos caminhos, as gentes entendem-se e confraternizam. No entanto, nem sempre o Aníbal vivera ali. Enquanto jovem na casa dos vinte, tinha penetrado no mundo da chamada civilização. Tinha absorvido algumas manias civilizacionais, entre elas, usar uma determinada espécie de sapatos e protestar. Protestava quase todos os dias. Chamavam-lhe o pé chato. Aos sábados, toda a comunidade se juntava no terraço da D. Elisete e cada um trazia o que tinha, tudo produtos de alta qualidade nos cestos mais simplórios e daquele sinal de união efetiva resultava o mais rico manjar e convívio. À noite, observava-se as estrelas e dormia-se sem um único ruído e sem uma única luz

Hello darkness, my old friend

Certamente que (re)conhecem estas singelas palavras. Muitas vezes a escuridão é a minha melhor amiga. A mais antiga, a mais fiel. Mesmo no meio da multidão ela se manifesta. O colorido de rostos, roupas, ambientes,…, não penetra na aura negra que me envolve, como se sonâmbula fosse. Olho a direito e nada vejo. Na não-cor da escuridão não vivem astros, luz, pirilampos e afins…as espessas pestanas da mente não deixam vislumbrar qualquer brilho que possa existir em meu redor. A multidão nada me diz. Pode tocar que nada sinto. Pode falar que nada ouço. Pode rir, chorar que não me importo. Estou só. Quando estou só não há poesia, beleza nem harmonia. Somente uma sintonia agoniante entre os meus seres interiores. Lutas titânicas se desenrolam na aridez da escuridão. Esgotada me deixam. Prostrada me abandonam aos abutres dos desertos sem oásis. Quero fugir e não encontro a saída do labiríntico jogo dos demónios interiores. Um devaneio em pânico que me leva a nenhures. Só, quando, c

União

Palavra que se tem ouvido muito entre o professorado. Há algo que não entendo: como se quer união sem querer? A dualidade do ser humano. Não me devo zangar, o que não significa que não possa. Sou de uma palavra só. Se todos assumimos que, intrinsecamente, somos de uma palavra só, como é que não é possível conseguirmos a tão almejada união? O.K. há agendas diferentes, personalidades variadas e afins…mas, enquanto classe, há só uma: exercer a profissão com e em dignidade. Quem se diz de uma palavra só, não pode colocar egos, quezílias, amarguras,…, acima da causa comum. Não é o que se tem verificado. Portanto somos mentirosos ou somos invertebrados. É um boneco feio para quem se diz de uma palavra só! A Natureza dotou todo o reino animal de uma hierarquia: o líder e os outros. Somos alcateias, por mais que tentemos racionalizar a nossa existência, somos! Falamos, barafustamos, opinamos de forma democrática mas agimos com os nossos instintos primordiais. Queremos mas nã

Debaixo do lençol

Debaixo do lençolSempre fui escrava da leitura. Os livros fascinavam, e fascinam, o meu imaginário, formatando quem sou. “Apaga a luz!” foi castigo em cas e nos colégios que frequentei. Remédio santo: pilha a funcionar. Escudada por almofadas e o lençol por cima da cabeça…até dava um ar mais misterioso às peripécias das personagens. Assim cresci. Cresci em idade. Cresci em aventuras. Cresci com os meus heróis. Cresci enquanto pessoa. Nem sempre foi fácil enganar a censura e fintar as regras. Mas, teimosa e destemida, sempre ousei enfrentar quem se interpunha entre as histórias e a minha person a. Eram as intrigas dos western , do cavaleiro, hábil com o seu revólver, na defesa dos injustiçados. O índio apache, que lutava pela sobrevivência da tribo contra o “cara pálida” e a “água de fogo”. Zeus a disciplinar os filhos e a ditar os destinos dos humanos. Ícaro que vou mais alto que alturas permitidas. O assassino que, por mais inteligente e maligno, acabava por

Na Ribeira

A Boneca , cabisbaixa, molengava ao calor debaixo de uma oliveira. Hoje, o dia seria passado na Ribeira. Pelo trajecto, uma luta de dinossauros…dois lagartos, grandes, enormes, monstruosos, verdes, digladiavam-se com as escamas em riste. Titânico! A poeira em remoinhava pelo ar e Andrómeda, teve dificuldade em desviar o olhar. Não soube quem vencera, pois, em viagem, não havia paragens. Ajudou na rega, por entre o milho mais alto que ela, na colha de milhém para dar à mula, na preparação do almoço. O mesmo não era mais que umas batatas cozidas com pele, às quais coube descascar, migadas com tomate e cebola. Sobremesa: pão fresquinho com delicioso queijo de cabra. Os insectos musicavam em volta, numa sinfonia digna doa eleitos. Que repasto! Toca a lavar a loiça! Dirige-se à ribeira, acocora-se e, como lhe ensinara a avó, pega em areia e esfrega bem os recipientes de alumínio. Esfrega, esfrega. Tira gordura e restos de comida. Enxagua, enxagua…na boca da nascente de águas cris

Choro

Choro pelo choro que não me aliviou. Choro por chorar, porque sim. Chorei. Zanguei. Alívio. Ira. Felicidade. Vazio. Por todos choro. O alívio esvaziou-me. A ira esgotou-me. A felicidade pouco durou. O vazio existe. Não tem definição. Choro pelas emoções que não exprimi. Amei-as. Acarinhei-as. Partiram. Ficaram as memórias, a saudade. Choro pelas pessoas que perdi. Esforcei-me. Empenhei-me. Dei tudo o que tinha para ser aquela que não se esquece. Choro pelos que não me viram. Andei. Corri. Passeei pelas estradas, caminhos, atalhos desenhados pela vida. Choro pelos obstáculos que não saltei. Sorri. Vivi. Choro pelos sorrisos que não recebi.