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a história até ao fim

Por mais que faças não faças nada. Enrodilha-te como uma cobra nas matas. Sofre, morde se alguém te toca e assobia de vez em quando  uma ária que ninguém goste. És de ti, não dos outros és dos tempos que vão correndo em ti mas não hás de morrer assim. Tenho uma fé cá comigo que ainda há de aparecer na vida alguém que te conte a história até ao fim. (revirar em verso da prosa torguiana - Miguel Torga, Diário I, 1937) 

E acredita que pensei na burrata também

Mesmo o mais é sempre pouco. E muito me espanto de mo ter dito! Tudo chega a tempo certo e há sempre um entendimento para tudo. Como este estar no sítio das estrelas onde passeamos devagar a apreciar cada passo. Como se reaprendessemos a andar. Pela primeira vez, alguém lançou uma estrela ao mar. E não fui eu que o fiz. Talvez tenha chegado a minha vez de ser salva. Num dia em que usei uma fita no cabelo para ficar ainda mais bonita. Uma tarde de gestos e gostos. Resguardados pela maciez desta esplanada que me ensina que não devemos desistir de tentar. E eu que sempre fui adepta do modo lento, dei comigo a sós contigo nesta moleza. Eu já desconfiara que isto podia muito bem acontecer. Exatamente assim. O meu olhar fixado no horizonte e o teu em cima de mim.  E acredita que pensei na burrata também. 

dias úteis

Ali, nesta foto, sou eu. E não estou a delirar. Sophia argumenta a meu favor. É, sim, é a «praia extasiada e nua onde me uni ao mar». Tem razão. Vesti a minha blusa azul para que tudo batesse certo. Afinal estou perante uma celebração. Aprontei-me para esmigalhar o pedregulho de sete dias. E (olhem só) é areia por todo o lado!!! Dei um nome diferente a cada gaivota que encontrei e ensaiei passos de dança no areal. Podem pensar à vontade que estou louca. Vão errar. Eu sou louca, o que é diferente. E, agora, é o Torga que abona a meu favor: toda a gente sabe que pelos nossos próprios pés chegamos aonde devemos chegar.  Ó querido mar!  E a maior alegria é que nem é sábado, mas dia útil que se abre em dia de férias, só para mim. E agora estou cansada, mas só dos pés. Trago na cabeça a banda sonora deste dia, no nariz esta água salgada, os olhos estão cheios de ver e, embora as redes estivessem lançadas, não me enredei nelas. O barco nem chegou a partir e, amanhã, é dia útil, daque...

Perfeita hora

É neste alpendre, sim, sítio branco da manhã quando está tudo bem é porque está bem Perfeita hora. É só fechar os olhos ( muito muito!) e respirar E neste alpendre é morada. Aceito viagem. E assim ser porque sim, não é preciso mudar nada quando está tudo bem a calma por dentro vem Porque está tudo certo. Perfeita hora. Neste alpendre. Agora. É morada. Aceito viagem. (quando a música serve de inspiração - esta manhã.)

fazer acontecer as mesas grandes

Ouvi dizer que, há muitos anos, as casas tinham muros baixos e os portões estavam sempre abertos. Havia crianças na rua a brincar às escondidas enquanto os pais falavam porta com porta. Ouvi dizer que havia festa e convívio e festejavam-se os aniversários nos jardins das casas entre amigos e familiares. Ouvi dizer que havia natal e páscoa em família. Tu e eu brincavamos às escondidas: primos, primas, irmãos, amigos e conhecidos. E havia mais gente na sala: pais, tias, tios, avós, tias-avós, cunhados e noras, genros e enteados. Um vizinho chegava sempre a tempo e trazia um baraço de fruta do seu quintal!  Diziam que havia vida, azáfama, energia a circular, barulho, luzes por todo o lado... Se paramos um pouco, parece que ainda ouvimos esses barulhos… Haveria de perceber muito mais tarde, quando já estava no meio da sala, entre adultos iguais a mim, que se tratava de uma celebração! Havia o disse que disse, conversas cruzadas à mesa enquanto se esperava pelo almoço, havia desentendim...

E se, um dia, quase foi o raio que te parta

E se, um dia, quase foi o raio que te parta encara isso como um incentivo! Todos temos de enfrentar pelo menos uma vez uma força que nos abale sem destruir! Portanto, se o raio não te matou foi tão só uma tontura, foi um anjo dos zangados que, já farto das tuas indecisões, te ajudou! E podes, finalmente, dizer à boca cheia que, agora, sim – tens caminho livre para decidir e seguir em boa companhia em carne viva!

E a minha verdadeira guerra, agora, é esta

 E a minha verdadeira guerra, agora, é esta - um paradoxo - o da violência dos jardins pétalas tão singelas que me ferem com seus gumes coloridos troncos elegantes que me atrofiam com seus ramos desmedidos e um cheiro diabólico que é vibração de paz

esperar que a porta se abra

Ainda me lembro do tal dia 7 de março. Acho que a primeira palavra que surgia era epidemia. Andava eu maravilhada, passeando descontraída sem me ter apercebido que uma pandemia estava prestes a estalar. 2020. Era o início duma nova fase. Ficará para a história a forma como o mundo mudou. Mudou aos bocadinhos cada um de nós em particular, ajudando a arquitetar a mudança a nível mundial. Mas será que foi mudança para melhor? De lá para cá, muita coisa se passou e muito eu descobri! Muito mais que uma pandemia, foi um pandemónio, para mim. Mesmo sem nunca ter ficado infetada. Não morreu ninguém das minhas relações. Ninguém ficou muito mal com este flagelo e eu própria consegui contornar as imposições ao meu espírito livre. Mas acreditei. Acreditei de forma ingénua. Acreditei que as pessoas podiam finalmente aperceber-se do mais maravilhoso e simples que há neste mundo. A liberdade, por exemplo. O amor e a fraternidade. O não egoísmo. Não aprendemos nada! A guerra estalou. Continuamos sem ...

alegria e a paz nascem destes trajetos fecundos

Recomendo-me este banco que é o canto mais vulnerável porque daqui atinjo toda a ternura dos espaços que deslizam. Depois de todas as chicotadas quotidianas, este canto, neste espaço, é privilégio e, no meu peito, parece, de repente, que só cabem pássaros sobrevoando as árvores que nos miram, de forma enviesada, em toda a sua plenitude. Embrenho-me na tranquilidade deste espaço e deixo-me atravessar.  Do outro lado, para trás, na paisagem fria, ficou a ansiedade e o medo. Aprecio, à minha frente, e deste lado, o brilho frondoso desta água que cativa e nos lembra a relação natural com a terra e a lama e as raízes de que somos feitos. E esta paisagem que nos atravessa e que atravesso já nem sabes onde está ou onde estamos, se dentro ou fora de nós. Só sabemos que a alegria e a paz nascem destes trajetos fecundos e que tudo é força, é posse e harmonia. Daqui deste ponto onde me encontro agora, os pensamentos ficaram cercados de erva e urze e musgo e água, resina e pedra e cheiro a ter...