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Demolição

Demolidor...destruição de uma casa, quiçá, da década de 70 do século XX.
Com ela vão histórias de um passado, em que construir uma casa, a minha casa, era um orgulho e um objectivo de vida.
Com ela vão os sonhos que, nem sempre, a maioria das vezes sejamos sinceros, não se concretizaram. Por mudança de perspectivas, por inércia, por azares, como se costuma dizer, ..., que nada mais foram que idealizações ou tentativas falhadas.
A casa que me deu abrigo, arrumei e decorei à minha maneira, e que, quem a visse, diria "Ó pá, esta fulana deve...". Pois, deve, mas não foi nem é. A aparência não mostrou o Eu!...mas que aparentou, aparentou.
Quem nela entrasse, pensaria, sim porque raramente se admite opinar livremente por-não-parecer-bem, "Ainda é mais desequilibrada do que parece...Coitada!". Acomodamo-nos no velho sofá, destruído por unhas felinas  e recheado de almofadas e mantas coloridas, com um chá de menta a fumegar. Falam e eu oiço...Falam e vou acenando com a cabeça ou acompanho o desabafo com expressões mímicas correspondentes. O meu chá vai arrefecendo...mas o conforto rodeia o cenário. Por fim, após a raiva, o desespero, o choro, as intenções futuras de reerguer e combater, vai um abraço. Pouco disse, mas um abraço vale o mundo!
Deixou a minha casa. Serena, momentaneamente recheada de um vazio aliviado, com um meio-sorriso nos lábios. "Afinal, é uma gaja porreira. Temos de ir tomar um café um dia destes."...pensamento com que desce o lance de escadas.
As escadas sempre simbolizaram a vida, a ascensão, o esforço, o ter de erguer o olhar de forma a antever o próximo degrau. Nem sempre o fiz. Daí as quedas, as desmotivações, as entorses frágeis,..., recorrentes na existência do dia-a-dia.
Com as quedas, reacções várias: deixo-me estar caída, nem que seja por um tempinho (é tão bom ficar ali, assim, estatelada,...por favor não me chateiem!); raivosamente, levanto-me e disparo em todos os sentidos (é tão bom esbaforir, balbuciar, gaguejar, praguejar, dardejando saliva em coordenadas Pollock!); tacticamente, com uma frieza rude e, por vezes, fatal (é tão bom fazer vibrar  o neurónio musicalmente, lançando farpas orquestradas...afinal só és parva até onde tu quiseres!).
Há algo em comum nestas reacções. Deixam sempre marca.
Marcas que a minha casa mostra orgulhosamente, disfarça graciosamente ou esconde vergonhosamente. As paredes e divisões assim foram construídas...What you see is what you get!
Nem sempre terás o que queres ou desejas. Nem sempre verás o que realmente sou. Nem sempre verás ou terás o que quer que seja de mim. Podes ficar imunda, não me apetece fazer limpezas, ou brilhar, consequente de um ataque de energia esgrouviada.
O abraço é para todos, até ao momento da traição...A casa não perdoa e o chá de menta esfriou. A demolição de um dos compartimentos transforma-se numa necessidade vital.
Demolição e reestruturação, vulgo, lamber as feridas, e subir mais um degrau. Por mais que a casa envelheça, necessite de remodelação ou de uma planta verdejante, ela estará e será.
Reconstrução. Curvilínea abstracta ou geometricamente funcional...
É esta a essência da demolição!

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