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Mensagens

Uma Maria Pires mais propriamente

E assim se optou por um determinado caminho. Escolhas que afastaram pessoas e levaram-nos a outras. Escolhas que nos fizeram perder algumas oportunidades, mas ganhar outras. Vou falar-vos de um caminho que não estava nos meus planos – Izeda. Terra pequena, pacata demais! E lá fui encontrar a Conceição. Ganhei uma oportunidade. Sim, há uma Conceição na minha vida. Uma Maria Pires mais propriamente. Minha amiga! Mulher decidida! Singular ligação! Uma riqueza! Age com retidão e franqueza! Em vez de ficar numa secura atroz, como de resto era política generalizada do local onde nos encontrámos, abria a bocarra e desatava a espingardar verdades.  Incomodava porque trabalhava com a energia típica dos loucos e sonhadores. E este último pormenor fazia, para mim, toda a diferença. E abraça como ninguém! Daqueles abraços de braços abertos de quem está habituada a abrir as portas de sua casa e convidar à entrada sem hesitações. Acontecia quase sempre aparecer, logo pela manhã, com uma energia e

crer, ver, escrever

Um pequeno, mas eficaz instrumento (rudimentar, diga-se de passagem) chamado Lápis. Diz a História que o lápis já se impôs de forma implacável – e era azul. E um outro elemento se lhe junta, também eficaz e algo rudimentar – o caderninho! O meu caderninho que é a minha companhia rudimentar para todo o lado! Há quem defenda os formatos digitais, mas eu sou apologista da escrita à mão, do sarrabisco, dos esqueletos de ideias em papel que vão tomando forma à medida do risca e torna a riscar. Quando coloco, a jeito, este meu lápis, ele é capaz de trejeitos hilariantes que fazem escorregar, para este meu caderninho, desenhos que são letras e que se vão combinando em desenhos que são palavras. E essas palavras são o reflexo daquilo que me vai no espírito, acionadas pela minha mão abusadora que tudo concretiza. Às vezes, fico até perturbada por ver este bico de lápis desbravar tanto! Caio em mim, por vezes, e, outras tantas, faz com que caia nos outros. E todos eles entram neste caderninho d

Sei que vives sozinha, mas eu não posso!

Pois, pois, à janela… com grande angústia, a assistir à passagem acelerada da sua vida monótona e dos carros e dos camiões, barulho ensurdecedor das motoretas que já nem ouve. Esta velha pariu cinco filhos. No tempo em que ter cinco filhos era coisa de coragem. Agora, não tem ninguém que tenha coragem a não ser eu própria que a vejo todos os dias. E há já muito tempo que eu costumo reparar naquela velha à janela. Todos os dias, ao levantar-se às seis, vai religiosamente à janela ver se ali continua a manhã. E a manhã tem estado lá sempre. Ainda não chegou o fim (e respira de alívio!). E eu vejo-te daqui deste alpendre. Nunca te vou visitar porque não posso. Tenho coragem, mas não tenho tempo. Sei que vives sozinha, mas eu não posso! Tenho o meu tempo tomado por completo. Agora que te vejo daqui, consigo adivinhar essas tuas faces rosadas e luzidias de há largos anos assim como uns ombros largos que se prolongariam por braços espantosos, assim como uma boca deliciosa e uns peitos dig

Poderosa alfinetada que rebentou o balão...

Era assim que passava por entre a maioria das gentes que circulava naquelas ruas da cidade. Corpo de água, cabeça de ar.  Havia algo de etéreo na sua figura esguia, de cabelo esguedelhado e claro. Babava-se constantemente e amparava a baba com um lenço algo sebento. Ficava assim estática, cheirando o vento com olhos de espanto, olhando a gente por dentro no meio da rua. Os dentes podres, as unhas pretas. Causava incómodo e, para tranquilidade de todos, chamavam-lhe a louca. Debaixo do braço carregava sempre uns galhos secos, levava lenha para onde não tinha fogo onde arder. Teimosa e malcriada, gritava, por vezes no meio daquela gente toda, e os gritos atroavam as esquinas e assustava quem passava limpinho. Parecia um turbilhão de águas salgadas e agrestes! As gentes pareciam formigas solenes em procissão, encurralados até aos ossos, mas ela… liberta de jugos.  Um dia, cruzou-se com um galante de colarinhos lavados e exageradamente engravatado. Jeitosinho até às pontas dos pés! El

Acredita!

Há uma certa melancolia, qualquer coisa de despedida… quando finda um ano! O sentimento da não duração. Uma espécie de resignação, um abatimento, um balanço mal engendrado do ter e haver, uma certa subtração…Há um abotoar do casaco e um enfiar de mãos nos bolsos. Há mesmo quem procure, como único refúgio, os ditames de um horóscopo favorável que transforme o ano seguinte numa possível segunda oportunidade… algo a dizer-nos «falhaste! tenta outra vez» e é como se adquiríssemos pós mágicos que transformam a vida num ciclo recomeçado, mas sem medo. Séneca dizia «Onde não há esperança, não há medo.». Portanto, tenhamos medo!  Há uma certa alegria, qualquer coisa de mágico… quando se inicia um novo ano! Uma esperança na mudança para que nos aperfeiçoemos, coragem para assumir o inesperado, o inédito, a surpresa, o novo olhar sobre as coisas e as pessoas. Só a capacidade de pensarmos que aquilo que aí vem vai ser muito melhor do que aquilo que já passou, é vida! Sermos capazes de uma viag

homenagem ao texto de jeito que nunca chegou a nascer

Ainda vais a tempo… (desafia o corvo) Pega nesta caneta e escreve sem anestesista! Escreve um texto de jeito por uma vez na vida Exibe-te em jeitos de malabarista Transforma o meu presságio em golpe de sorte, em jogo de palavras, em ás de ouros. Se conseguires, tiro-te o chapéu! Mónica Costa (imagem de Soisick Meister)

Nascimento!

Eram três, três estrelas e meia numa manhã clareada e sem fim, pautada pelo ritmo da dor que ora chegava ora abalava. Depressa se transformaram em dez, dez nuvens numa manhã que rasgava a janela. Eu estava na cozinha só à espera. Eram cinco, cinco minutos, de cinco em cinco minutos. A ansiedade estalava as paredes silenciosas da casa. Eram vinte e quatro, vinte e quatro dias da manhã do dia vinte e quatro! Pesava a cabeça de uma criança que parecia puxar-me para o chão, os rins pareciam inchar. Urgia uma partida, mas controlei-me: é que o amor de cá de fora suplantava a dor que vinha de dentro. Transpirava a calma do mundo… inspirava, retinha e expirava levemente. Parti! De repente, tudo se apressou. Uma porta, uma porta se fechava. A dor intensificava-se, as águas brotaram, tudo se abria à sua chegada. E eu passeava por entre belas paisagens com montras de brinquedos – tudo cheirando a natal. De quando em vez, colava-me à parede para aguentar a dor. Exausta, deitei-me. Era uma vez, m

Natal 4

Abre, abre fogo! Fica aí na tua trincheira que me dói Assobia, assobia! Faz de conta que não dás por nada Afinal tudo o que importa é que é natal E o que de grave e útil existe, está do outro lado onde desfilam rostos calados colados ao chão. Repara! A camisola tem nódoa e está rota O aspeto é de pobre que não se endireita Cheiro a mofo e a tédio… A tua camisola está lavada Não tem um buraco sequer… Abre, abre fogo! Mas não te esqueças O teu aspeto também é de pobre porque afinal somos todos valas enlameadas carpimos mágoas guardadas em arcas fechadas embora alguns exibam faces de gumes perfeitos escondidos nas suas trincheiras. Mónica Costa (imagem retirada de https://plus.google.com/)

natal 3

Estava a caixa encostada atrás da porta há um ano. Tanto pó! E tu a protestares! Havia já uma considerável camada de pó. Lá dentro um pinheirito de plástico todo encolhido. Foste lá buscá-lo para quê? É todos os anos a mesma coisa. Já sabes o que te vai acontecer... Tiras o pinheiro da caixa cuidadosamente e ficas esticando nervosamente as hastes verdes para cima e para baixo para dar corpulência ao pinheiro raquítico. De repente, reparas que o pinheiro está torto e não se endireita, falta-lhe uma das partes do tripé. Não pode ser! Comprar outro está fora de questão! E tu a protestares! Portanto, vai-se à dispensa e traz-se o escadote. Colocas-te no cimo da escadaria e arrebitas o nariz para cima da prateleira mais alta onde existem umas ripas de madeira que poderão servir de pé disfarçado para esta árvore que todos os anos dá sinais de fraqueza. Esticas-te um pouco mais e… caíste? Oh, não! Está tudo bem? Sempre o mesmo! Sempre aos tombos! Não tinhas prometido que ias melhorar quanto