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mas saiu-me caro o roubo de Prometeu

Quem me dera andar por entre ruas admirando as montras só por as ver ficar-me pelo brilho das coisas concretas e não o sentido abrupto dos objetos Quem me dera andar por entre as gentes ouvindo a música, escolhendo presentes absorver apenas a  melodia, sem legendas, mas saiu-me caro o roubo de Prometeu.

except that the goal

  falls short of the reach

Nostalgia. Palavra bonita, algo triste, mas leve.

O tempo de natal é, quer se queira quer não, tempo de recordações. Há uns pozinhos no ar. E, neste caso, foi nostalgia. Palavra bonita, algo triste, mas leve. Provoca sorriso tímido e faz chegar algo doce e reconfortante.  Assim foi, ontem, num cinema. Por acaso foi num cinema bonito e em boa companhia. Foi um passar de testemunho. E recordei o meu pai que me costumava levar ao cinema. E levei a minha filha ao cinema. E recordei o meu pai que me oferecia livros que é, de resto, a melhor prenda que nos podem dar. Um desses livros, que faz parte do meu imaginário infantil, é "As meninas exemplares". De certeza que ele próprio o leu, mas mal ele sabia que haveria de me apaixonar por Sofia, a personagem mais intrincada da história, mais inquieta, mais criativa e cheia de vida. E o filme que fomos ver chama-se "As meninas exemplares" de João Botelho. E ele próprio ali estava, no meio dos espetadores, para falar connosco. Falou da vida, dos tempos modernos, do cinema que ...

é necessário que se abram, aqui ou ali, poços de luz

só quero estes passos ao som da voz que ouço e emprestarei a estas mãos a contundência necessária para viver com a novidade ( o título é de Christian Bobin)

O mundo da música é misterioso

O mundo da música é misterioso e o das folhas também. O dos campos coloridos. Principalmente quando o chão nos canta os passos. Faziam barulho os meus passos. E foi tal o chinfrim que tu me ouviste e respondeste. Eu pouco sei de anjos ou música. Mas por vezes, aparecem-me sob a forma de ramos esgaçados em tarde ensolarada. E as tardes de luz encerram um mistério e uma música deliciosos.

Se

Se fosse cisne, seria despedida Se fosse comboio, seria partida Se fosse homem de bem, falar-te-ia  como convém Se fosse sonho, adormecia Se temesse, esconder-me-ia E se enlouquecer, por favor, não queiras que pense só como te convém Se fosse lua, seria calmaria Se fosse regra, subjugar-me-ia Se fosse homem de bem, compreenderia as distâncias entre os amigos Se fosse apenas eu, choraria Se fosse eu e tu, seria alegria E se enlouquecer, por favor, deixa que entre neste jogo, novamente

olhos excessivos

a água um chafariz - e todo o mar em volta - o vento a tua face o meu nariz – e todo um fogo -  alento as flores os frutos as raízes -  e tudo inteiro  - fermento os meus olhos e os teus– e toda a paisagem cá dentro o coração uma bala vertigens – e tudo em movimento a palavra a vida  o fascínio – eis os nossos momentos

aconteceu e ninguém suspeitou de nada

há quanto tempo  temias ou ambicionavas essa descoberta de ti? esse filtro que te protege essa cor que te cobre é ouro?

e pude, deslumbrado, Saborear, enfim, O pão da minha fome

é preciso que se agigante o abismo a nossos pés a pedra dura uma manhã em que não se pode mais ou a temperatura excessiva de uma tarde um colapso, como este, tão azul noite as paisagens adversas, as trevas e os precipícios o testemunho de uma morte é preciso que percamos a razão ou a companhia é preciso que se caia do pedestal em lodo lamacento é preciso passar uma noite ao relento sentirmos a lança pontiaguda no dorso animal sentir o descompasso das  pulsações por não se achar solução  para que se perceba o poema ( o título é de Miguel Torga)

um gesto de espera do outro lado

O cão é o primeiro a sentir-te chegar mal pisas  o asfalto molhado  em direção à porta  há um ténue estalar um gesto de espera do outro lado há de concretizar-se esse encontro  tu pingado da chuva do fora que arrefece mas ele contorcendo-se  esbanjando-se em alegria genuína que enternece

e é remédio santo não afligir a aflição

deu-me para pôr a mão em vários sítios que não o peito e sentir o coração muito para além deste corpo não quis dirigir-me ao sítio certo porque enfim já sei que anda por perto a intenção mas não a ação e é remédio santo não afligir a aflição

que insiste em nós e avança alvo puro

recomeço como quem reaprendeu a nadar de bóias redondas feita corpo pequenino que cedeu e se deixa enlear pelas ondas recomeço como quem sabe de cor  palavras tidas como incertas mas faz delas uma dança e atira lá bem para trás o pior  recomeça-se sempre que se quiser não dar por terminada a criança que insiste em nós e avança alvo puro

custa perceber como és tão doce!

doce demais para mim que amas as manhãs e eu as noites tu um passarinho triste e eu um corvo que adoras as guerras e eu a paz tu que te divides por muitos e eu tão um-só que te ficas pelas metades e eu tão tudo não queiras saber de mim porque não sou flor que se cheire…

Salvámo-nos por inquietação móvel

Este texto poderia ter sido um poema. Não é. E ter começado pelas escadas de madeira. Teria sido um início inseguro pelo acesso duvidoso ao primeiro verso que faria ranger toda a estrutura final. Assim, pé ante pé e não como quem conta sílabas, avancemos devagar e deixemo-nos levar pela prosa. Poderia, neste ponto, ter-se dado lugar a uma descrição exaustiva do corrimão e da manta elaboradamente bordada que o cobria. Ou da mobília de cores que contrastava com as máscaras de ferro que cobriam as paredes. Ou dos retratos antigos e dos candeeiros reciclados cobertos de espigas de milho rei. Mas deixemo-nos de pormenores. Já cá estou no patamar superior e não foi preciso muito enredo para aqui chegar. Só vos digo que esta história cheira a um típico bar de inverno a fazer lembrar os sombrios e misteriosos pubs londrinos. Aqui há lugar para um, mais a companhia de um livro e de uma bebida quente. Há lugar para dois, bem juntinhos à lareira, a tilintar cheers to love . Há lugar para despeja...

no reino

quase nefelibata: não vivo, aprecio apenas

contamos os pingos que escorriam da calha

ontem, prolongamo-nos demoramo-nos à chuva contamos os pingos que escorriam da calha foram exatamente 1342 e nós dois sentados e, sem contar,  a braços, enrolados d e m o r a n d o  na chuva prolongados

sol de outono

O sol de outono não queima, mas recorda labaredas.

eram os olhos das árvores

Quem sabe se alguém quis que os fios do destino se cruzassem neste dia. Este fruto quase insignificante, mas com tanto significado para mim surgiu no meu caminho. Ali estava ele num qualquer passeio acabadinho de cair aos meus pés. E não foi que esta moçoila ficou toda nostálgica!?  Foi no quintal da minha avó Ana que se deu a descoberta. Lá havia uma avelaneira sem saber que o era. Na minha cabeça de criança, aqueles nódulos minúsculos que nasciam por entre folhinhas pequeninas eram os olhos das árvores. Uma dessas descobertas foi perceber que afinal aquela árvore dava fruto. E como custou perceber que aquele pequeno olho era afinal um pequeno fruto! E bom! Ainda hoje adoro avelãs.

esta beterraba bem podia

qual cor esta no balcão da minha cozinha qual vibrante cor a pulsar na minha mão porte altivo, porte terra esta beterraba bem podia ter chegado à categoria de obra d’arte disfarçada densa, carne rija, raíz talhada à minha medida força, sangue, mulher