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há um florido alpendre e isso basta!

Um dia banal que se transforma. Porque, às vezes, é assim que acontece. Pensamos ao acordar: aqui está mais um dia em que tudo se repete. Nada muda. É o ter de ser! Uma vulgar quinta feira de trabalho à espera de ser sexta para que se aproxime o dia do descanso. Foi exatamente assim que pensou a Celeste.

Mas, naquele dia, vinha de cravos na mão. Era dia de festa no local de trabalho e havia que presentear os clientes do seu restaurante. Foi assim recomendada pelo patrão. E conforme lhe disseram, assim obedeceu. E lá vinha ela de cravos na mão, tão vermelhos quanto a sua devoção. Quarenta anos de idade e muitos de serviço com certeza. Devia ser daquelas miúdas que começaram a trabalhar cedo para ajudar a família. 

O caminho para lá foi certo, igual a tantos outros dias repetidos pela certeza do dia a dia. Só que, às vezes, ao virar da esquina podemos ser agradavelmente surpreendidos pelo que de melhor está por vir. A porta afinal estava fechada e não havia festa para ninguém. Ficaram os cravos na mão sem perceberem o destino que os aguardava. E ali estava Celeste meio baralhada. Afinal não era dia de trabalho, mas dia de folga! Podia muito bem fazer o que lhe apetecesse. E depressa percebeu que havia de prosseguir a caminhada ainda que houvesse urgência da reinvenção da trajetória. E, neste caso, ficou provado que é mesmo assim: houve uma alteração de planos. Afinal, nada é igual para sempre e, por vezes, tudo muda. E nem sempre uma porta fechada significa a desesperança ou o caos. Esta porta fechada, em concreto, converteu-se em praça aberta para flores que nunca pretenderam uma jarra. E não murcharam! Depressa, encontraram quem lhes oferecesse intenção. Uma rua, um grupo, um tanque, uma revolução. E ali estava tanto vermelho vivo para tanta espingarda. E Celeste sem saber o que fazer com tanto vermelho carregado. E quando carregamos tanta carga, e a carga carregada é sentida como bênção, o mais natural é sentirmos vontade de partilha. Foi assim que Celeste dividiu a carga que transportava e ofereceu uma flor. E outra. E outra. E mais outra. As poderosas garras ocultas! 

De repente, era ver a rua cheia. Vermelho por todo o lado. Um disparar de cravos em todas as direções. A mais improvável das junções. A união da flor e da espada. E em cada ponta de arma, uma explosão de pétalas. Nem ponta de sangue. Era a liberdade a estrebuchar, a pedir tranquilidade. Um alvoroço. A iminência do florir


A poucos metros da Avenida da Liberdade, onde mora, agora, Celeste, há um florido alpendre e isso basta! 








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