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Uma malga de marmelada que é muito mais do que uma simples malga de marmelada!

Este texto que, hoje, aqui exponho, é um convite aos sentidos. Há cores,mas sobretudo cheiros e sabores e sentimentos. O palco deste texto é uma cozinha. 
A cozinha é um dos espaços do outono. Não é uma cozinha branca clean como anunciam os catálogos do Ikea, mas um espaço tépido e doce com mesas de madeira antiga e toalha aos quadrados a fazer lembrar o tempo das nossas avós. E aqui fica a primeira referência sensorial.Já se situaram em termos visuais? Muito bem! Não há cadeiras nesta cozinha, só bancos toscos, abóboras e hortaliças espalhadas em cima da mesa e caixas, no chão, com fruta; figos, castanhas, diospiros, tangerinas e avelãs. É um lugar perfeitamente desarrumado porque há gente feliz que cozinha. Estão a sentir uma ligeira corrente de ar? Vem da janela com as suas cortinas de renda de branco imaculado que separam a luz interior aconchegante do exterior outonal acastanhado que se debruça em curiosidade por tudo o que de maravilhoso acontece deste lado onde estás. 
Eu também aqui estou dentro! Acabei de chegar, vim apressada! Sentes o meu ar ofegante? E, mesmo ali, do lado esquerdo, já vejo uma enorme panela em cima daquele armário. Há também um recipiente de vidro cheio de acúcar. E, no centro de todos estes trabalhos, um cesto de vime repleto de marmelos. Já me cheira! Eu sei muito bem ao que vim!
Apresento-vos a dona desta cozinha: a minha mãe! Ao fim de tantos anos, e mesmo nos momentos em que me virava para o tempo perdido em busca de algo a que me pudesse agarrar, este continua a ser o sítio que me faz lembrar como é importante uma simples malga de marmelada feita pela minha mãe. E a marmelada feita pela minha mãe é uma verdadeira obra de arte!
Portanto, sentem-se à vontade nesta humilde cozinha e saboreiem todo o processo! 
Ora, se bem se lembram, estavam os marmelos naquela cesta de vime… em repouso sagrado! Vamos despedaçá-los e sacar-lhes as interioridades. Parece um começo bárbaro, mas eles também sabem ao que vireram! É um fruto rijo, cheiro intenso, sabor ácido. E estes pedaços de fruta, que agora vão caindo neste panelão, imploram por algo doce. Faz-se-lhes a vontade! E, camada a camada, enche-se a panela. Aconchegados em tal doçura, dá-se-lhes lume e deixa-se ficar a acidez e a doçura em namorico brando. Sentem? Tal fusão vai originando um cheiro sedutor que invade toda a casa! 
É, então, que a a minha mãe se levanta, no passo lento que, neste momento da vida a caracteriza, e mexe e remexe com cuidado aquela mistura saborosa. Tem as mãos enrugadas e sinais de artroses nos dedos, mas continuam hábeis e sábias quando se predispõe a trabalhos de ternura. E todos nós, que assistimos a esta tarefa outonal, ajudamos a mexer e remexer a poderosa poção com esta enorme colher de pau que está aí ao teu lado. E é assim que pedaços de marmelo e grãos de acúcar se vão fundindo voluptuosamente e transformando num só elemento que resulta num creme melado e pesado. Agora, sim, há cheiro quente e doce e há olhares de espanto. Há uma cor que surge no interior da grande panela! Uma cor doce e quente! E enquanto se continua a mexer  e remexer, vão-se preparando malgas que estão guardadas desde o ano passado. Parecem bocas abertas também sequiosas de entrar nesta história. 
E está pronto! Marmelada acabadinha de fazer. Agarra-se no panelão pesado e quente e resvala-se cuidadosamente o visco que encanta e seduz para as malgas, a fazer lembrar lava predisposta à solidificação.
E, em cima desta mesa de madeira antiga com toalha aos quadrados, coloca-se, no centro das atenções, uma malga de marmelada que é muito mais do que uma simples malga de marmelada!
- Está boa? – pergunta a minha mãe!
- Deliciosa! – respondemos todos de boca cheia!

Mónica Costa









Comentários

  1. Fiquei com água na boca! Um manjar para os sentidos este texto. Parabéns|

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