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Como eu gosto deste tempo assim- assim!

Como eu gosto deste tempo assim- assim que só confunde a gente.  É uma gracinha esta chuva miudinha que nos surpreende logo pela manhã. Ainda ontem um sol radiante de fazer acreditar que teremos, finalmente, direito a um verão com dignidade e, hoje, abre-se a janela e… chove… Eu sei que a sensatez fala mais alto e este cai-cai facilita quem tem de se resignar ao trabalho. São as forças da natureza a dizer-nos que mais vale que seja sem sol para que fiquemos mais conformados, mas… E é neste preciso momento que me lembro de uma frase que alguém que muito admiro disse «Há qualquer coisa na inação do seres humanos que deixa acontecer o divino»… como este chocolate quente que aconteceu nesta manhã de chuva que nunca teria acontecido numa tarde de sol a valer. E não é que o dia terminou em pôr do sol radiante!...  Como eu gosto deste tempo assim- assim!

Vão crescer! Vão crescer!

 Para a cova aberta se atiram as sementes caem elas, uma a uma no ventre da terra e ficam, ali, em silêncio profundo! (e bocas atónitas abrem-se à espera de desgraça) E assim secretas assim afundam e aguardam Elas, as sementes soterradas! Preenche-se a cova aberta de terra escura Calca-se, deixando apenas um último fio de luz… (tranquilizadas as gentes, cerra-se o portão da quinta à chave) Mas lá no fundo bem no fundo da terra naquela quinta fechada a sete chaves onde a noite fica como a única certeza Há festim! Planeiam… Estão a germinar… vão crescer! Vão crescer! Porque é mais densa a flor mais densa que a noite escura E, em breve, a alegria em vez da dor!

E subimos e planamos e vivemos aquilo que mais ninguém vê

 O que nos vale é que sempre nos encostamos a um muro, a um banco, a uma rocha, um ao outro E conversamos E nós acrescentando, vendo surgir o fogo lá ao longe o fogo que alteia a chama junto a um mar quase sempre inquieto mas vivo E conversamos E ficamos ali observando o horizonte E nós embevecidos com o olhar embaciado pela ternura de mais um dia que colecionamos E conversamos Eu pouco te tenho a dizer E tu pouco me dizes as nossas palavras são outras um toque de ombro, um toque de pés uma teia de luz, um sal, uma mão que se dá sentindo o fogo que alteia a alma Sobrevivemos E subimos e planamos e vivemos aquilo que mais ninguém vê

assobio em cadeia

e reparei no assobio de alguém que destilava felicidade sorri, guardei-o como quem guarda um tesouro e fiquei ali a assobiar também...

mas ainda bem que há mecanismos infalíveis que cortam todos estes fios:

 são tantos os fios os fios poderosos do tédio dos dias os fios invisíveis que nos prendem os fios que nos humilham, nos envergonham, nos tolhem os fios que nos impingem mas ainda bem que há mecanismos infalíveis que cortam todos estes fios: as fugas e aquilo que se adivinha precioso os nascimentos que nos emocionam,  as mortes que aceitamos como necessárias e as ressurreições inesperadas a novidade, o que se anuncia arrebatadamente as luas espantadas que surgem sem mais nem menos a defesa das urgências de agarrar um momento os lugares onde fomos felizes as viagens que ainda não fizemos as palavras como pontes que unem margens as decisões que fazem avançar o mundo a gratidão de viver mais um dia em liberdade (obra de Fabiana Zamuner in https://www2.jornalcruzeiro.com.br/materia/719131/intervencao-artistica-traz-delicadeza-a-cidade)

há um florido alpendre e isso basta!

Um dia banal que se transforma. Porque, às vezes, é assim que acontece. Pensamos ao acordar: aqui está mais um dia em que tudo se repete. Nada muda. É o ter de ser! Uma vulgar quinta feira de trabalho à espera de ser sexta para que se aproxime o dia do descanso. Foi exatamente assim que pensou a Celeste. Mas, naquele dia, vinha de cravos na mão. Era dia de festa no local de trabalho e havia que presentear os clientes do seu restaurante. Foi assim recomendada pelo patrão. E conforme lhe disseram, assim obedeceu. E lá vinha ela de cravos na mão, tão vermelhos quanto a sua devoção. Quarenta anos de idade e muitos de serviço com certeza. Devia ser daquelas miúdas que começaram a trabalhar cedo para ajudar a família.  O caminho para lá foi certo, igual a tantos outros dias repetidos pela certeza do dia a dia. Só que, às vezes, ao virar da esquina podemos ser agradavelmente surpreendidos pelo que de melhor está por vir. A porta afinal estava fechada e não havia festa para ninguém. Ficaram os

Mas eu insistia

  Eu lia e abstraía-me. Diziam-me para ler sem me explicar porquê. E o livro era tão difícil. Mas eu insistia. Olhava-o com cuidado, com vagar, com tempo, escolhendo o melhor lugar. E aos poucos, ía sentindo que o tempo parava e a luz surgia e, da confusão inicial das palavras, surgia uma ideia nítida e começava a compreender. As longas linhas fastidiosas e labirínticas transformavam-se em caminhos por onde outros tinham andado. Aumentava a curiosidade e também queria experimentar. O meu pensamento começava a organizar-se. Sentia a experiência dos outros que me avisavam. E de cada palavra transbordava a terra, o sol, a maresia. O silêncio e a calma. A paz e a vida. A guerra e a dor. Mas também a voz e a alegria. A música. A coragem dos que querem partilhar. E juntavam-se mais palavras, muitas palavras novas que, por serem percebidas, eram sentidas e, portanto, apaixonavam e prendiam.  E aquilo que agora vejo é aquilo que nunca tinha visto porque consigo enxergar sob novas perspetivas.

mão na mão

  força que liga e desliga uma mulher outra mulher um amparo mão na mão uma espécie de olho por olho dente por dente gestos de uns pelos outros que continuam a alastrar-se por dentro é esta a posição dos cacos e dos afetos

aqui nesta esplanada onde tudo é perfeito

 aqui nesta esplanada, tudo é perfeito  a tua fala ainda e o teu sorriso e uma chuva miudinha uma espécie de contrabando tudo a combinar e a constituir-se como mistério que dá substância à vida não há maior regalo do que este de estar aqui sentada ao lado destas palavras aqui nesta esplanada onde tudo é perfeito