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desapareci

como era urgente, cheguei cedo, mas tão cedo muito antes da hora marcada ainda a rua estava deserta e as janelas estavam fechadas o dia prometia, mas nem calor nem nada de nada e, como dizia, esta urgência instalada! daquele tipo de urgência sem cheiro a hospital ou doença uma espécie de urgência que torna o dia mais secreto e íntimo e que nos faz lembrar que com muito pouco se constrói a confiança e havia uma janela fechada onde tu ainda dormias e eu, ali, especado de forma urgente, e em ti a esperança de repente, e por magia, aparecias! e de lá para cá, a minha vida tem sido estes instantes em que apareces e desapareces, caminhando ao meu lado cadência de onda tombando em areal branco branco a estender-se pelo azul do horizonte o nosso olhar nos pontinhos luminosos fixado e aquela água tão azul e o silêncio aquele céu tão sereno a alegrar-nos cada manhã um sol quente em nossos braços de um e de outro os lábios que não medem a distância Mónica Costa (pintura de P

Semeador de estrelas

Quando era miúda, via muitos filmes e as pessoas grandes, à minha volta, faziam questão de afirmar que eu via e fazia muitos filmes. E tentavam provar constantemente que a vida nada tem de filme, pelo menos com aqueles cujo final é feliz. Demolidora e eficaz estratégia?! De facto, tiveram alguma razão. A vida não é um filme. Mas o mais controverso é que os filmes são o fruto da vida. É nela que eles se inspiram.  E há um pedaço de caminho onde os candeeiros da rua iluminam os passos da gente que passa que me faz lembrar quase sempre um filme que vi há uns anos. E, numa espécie de vento, a única árvore que ali persiste, verga-se quase sempre com a ventania, mas nunca quebrou. É uma imagem fantástica que me faz acreditar na nossa capacidade de final feliz, mesmo quando insistem na anunciada infelicidade óbvia.  Mónica Costa (escultura semeador de estrelas na Lituânia)

Medo

Queres falar do medo?!  Andamos por séculos e séculos errando e por medo encaixamo-nos em certezas idiotas Foram-nos convencendo que talvez se nos deixássemos ficar quietinhos no nosso canto talvez pudéssemos ter acesso a vidas de paz talvez Todos nos olhamos desgraçados na nossa bondade E somos todos tão boas pessoas que até dói! Vamos vivendo a medo e rimando rimas maioritariamente emparelhadas, às vezes em esquemas cruzados mas sempre em rima. Não há lugar para versos soltos. E, segurando o medo, armadilhamo-nos a tremer Pela certeza do pó Capa dura canto negro catana exímia voz trémula E seguimos viagem em círculos viciosos Lutamos contra as paredes da casa as curvas da estrada o rio que desce as escadas íngremes o muro que se impõe a raiva que guardamos nos sacos em iminente e medrosa reação Mas um dia um golpe de asa um sopro um movimento brusco nos abala… Mónica Costa (gravura de Edward Hopper)

?!...

Ficou a cozinha arrumada e fui passear a tarde E em vez do cão na trela, atrelei meus pensamentos Mal bateu a porta de casa e encarando o sol de frente Dei comigo a lembrar-me de quem com uma flor me acende as narinas e com uma nuvem me enche por dentro e, então, olhava para cima e eras azul olhava o chão que pisava e eras verde mirava as águas do rio e eras de prata olhava as folhas das árvores e eras carmim. Ó deuses da natureza, que me vedes O problema está nos meus olhos ou naquela que me sabe a cor? Mónica Costa
a minha vida é verdadeira paleta harmonia de azuis que me alimentam e confusão de cinzas que me atormentam por isso os meus poemas são por isso a poesia não é pincel que se encomende é a arte da vida que se impõe, desenhando-se boa e má em traços finos e delicados, em traços rudes e pesados por isso viver não é andar na monotonia dos passos medidos é conseguir pintar com olhos de fogo é caminhar silenciosamente é sentir um peso no lombo é transformar em leveza o vento que nos derruba Mónica Costa (fratal de Maurício Macondes)

Cuidadooooo... plof!

Estar assim desprendida numa rua qualquer faz com que se dirija o olhar para os mais banais pormenores.  Chuva miudinha em manhã de Carnaval. E ía a gente sem guarda - chuva na esperança da chuva passar. Havia foliões à espera da folia que nunca mais chegava. E era vê-los de collants coloridos e manga cava, óculos rosa choque e cabeleiras de espanto, caras em Ó de quem tirou dia de folga para se mascarar das máscaras de todos os dias.  E eu que estou assim desprendida e sem collants coloridos, arrisco-me a ganhar imunidade diplomática. E eis que atinjo uma menininha vestida de princesa. Um simples vestido tão fino para tão chato dia de frio. A miúda, pensei, deve estar a congelar! Mas, em vez de congelamento, o processo a que assisti foi muito mais espetacular! A criança começa a correr e evapora-se por entre as gotas finas da chuva. Plof! Um banal pormenor! Desaparece que nem feitiço de fada madrinha ou bruxa maléfica. Fica apenas no chão uma coroa em tons prateados e uma cabelei

E por cada hipótese levantada, há uma esperança!

Se retrocedermos no tempo e nos fixarmos naqueles dias em que existíamos enquanto gente com apenas alguns centímetros, facilmente nos lembramos que, com essa altura, não pensávamos em nada de transcendente. Nada esperávamos porque tudo tínhamos de essencial. Vivíamos muito próximos do chão, mesmo pés no chão em contacto direto com a terra, absorvendo a energia mãe que era a prova das coisas que não víamos, mas sentíamos. Os dias não eram compridos nem curtos, eram dias, simplesmente. Os dias não eram bons nem maus, eram só dias à custa de brincadeiras. Nada de transcendental. À medida que os centímetros nos foram acrescentando tamanho, os dias começam a ser contados e sentidos como compridos ou curtos. Na maioria dos casos, tornam-se curtos, demasiadamente curtos para tudo o que se quer fazer do que se vem descobrindo. Deve ser por isso que a noite começa a ganhar, nesta altura de narrativa, um fascínio peculiar porque acrescenta minutos ao dia, esperando-os compridos. E quem fala e

Há dias assim... sei lá

Há dias assim - assim do avesso em que se deve envergar um caminhar novo e desajeitado sei lá…trocando o número dos sapatos, por exemplo ou exibir um fato diferente, escandalosamente rasgado só porque se cismou revelar os omoplatas Há dias assim - assim fantásticos em que não se deve chegar a lado nenhum a tempo e ficarmos parados brincando em tapete rolante a marcar passo embevecidos pelo lado de dentro Há dias assim – assim aéreos em que sei lá… se deve respirar livremente só porque sim, livre de indícios e de marcas correndo a sorte de nos encontrarmos de contentes Há dias assim sim em que aprendemos que renasce algo em cada pausa! Mónica Costa (foto de Miguel Faifa)

É tudo uma questão de sobrevivência partilhada

Todos nós fomos jogados para um mundo sem o conhecermos e sem sabermos exatamente para o que vínhamos. Até há quem sinta, inclusivamente, vontade de pedir contas em tribunal aos pais que tomaram essa decisão fatídica sem pedirem permissão ao próprio. Mas a verdade seja dita: se fossemos informados do conhecimento deste mundo e para o que vínhamos, ninguém, com certeza, arriscaria a aceitar tal desafio.  É por isto que nós sentimos necessidade de proteção, pois nascemos tão sem aviso, completamente indefesos que nos agarramos imediatamente a quem nos possa deitar a mão. E é nesse preciso momento em que ainda mal abrimos os olhos, que começamos, supostamente, a amar e a confundir o amor com o interesse. Alguém aparece para nos deitar a mão e, por arrasto, vem a felicidade, o bem-estar e o conforto. E isso gera um sentimento de dependência feroz. É o reflexo de Pavlov que se instala: tu chegas, eu começo a ficar confortável! E o nosso cérebro pede cada vez maior compensação. Da mesma f