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É tudo uma questão de sobrevivência partilhada

Todos nós fomos jogados para um mundo sem o conhecermos e sem sabermos exatamente para o que vínhamos. Até há quem sinta, inclusivamente, vontade de pedir contas em tribunal aos pais que tomaram essa decisão fatídica sem pedirem permissão ao próprio. Mas a verdade seja dita: se fossemos informados do conhecimento deste mundo e para o que vínhamos, ninguém, com certeza, arriscaria a aceitar tal desafio. 
É por isto que nós sentimos necessidade de proteção, pois nascemos tão sem aviso, completamente indefesos que nos agarramos imediatamente a quem nos possa deitar a mão. E é nesse preciso momento em que ainda mal abrimos os olhos, que começamos, supostamente, a amar e a confundir o amor com o interesse. Alguém aparece para nos deitar a mão e, por arrasto, vem a felicidade, o bem-estar e o conforto. E isso gera um sentimento de dependência feroz. É o reflexo de Pavlov que se instala: tu chegas, eu começo a ficar confortável! E o nosso cérebro pede cada vez maior compensação. Da mesma forma, se sentirmos mal-estar, desconforto, medo ou tristeza em cada aproximação, iniciamos imediata ou gradualmente (conforme as personalidades) um processo de rejeição e, por arrasto, um sentimento de desconsolo. Estar à espera de alguém nestas circunstâncias é como esperar pelo troco que nunca mais chega. 
Não amamos o outro, portanto. Aprendemos a gostar do bem-estar que algumas pessoas nos proporcionam. Dizem os mais idealistas - mas… eu ajudo, eu dou de mim, eu esqueço-me para lembrar-me do outro! – e diz isto como que defendendo a sua própria pele …  É que pensarem-no como ser egoísta é incómodo, desconfortável, provoca-lhe uma sensação de infelicidade. Fica-se com um sentimento de desconsolo incomodativo. 
A única correspondência genuína que possa existir em tudo isto (e a que se convencionou chamar de amor) é quando dois cérebros sintonizam no mesmo canal e começam a estabelecer pactos possíveis: eu dou para que tu me dês, mas se tu deixares de dar, eu também deixo de existir enquanto dador, porque, neste tipo de compromissos, não há lugar a dádivas gratuitas. Ou trocas ou desapareces!
Alguém me disse uma vez que não há relações que não sejam de interesse. Já fiquei chocada com a afirmação, mas, hoje, acredito nesta evidência clara e sincera. É tudo uma questão de sobrevivência partilhada.

Mónica Costa
(pintura de Soizick Meister)



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