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beautiful day

Foca sorrindo.

e entra livre no poema...

Ponde os olhos na insolência desta multiperna barbuda neste assalto inesperado desta contorcionista tricolor. Reparai neste deslizar arrojado de quem arrisca ser esmagada e mesmo assim continua. Lenta e descontraída escalada de quem se faz dona deste caderno  como quem desafia o Everest e entra livre no poema reclamando para si própria estatuto de primeiro verso.

Provocam-nos tão quentes e tão cheirosos em dia frio.

Eu sei que ainda há pouco era verão, mas este vento impertinente zune ali fora como se fosse inverno. E chove, não a potes, é verdade, mas o suficiente para nos deixar num estado de tal molenguice que até dói. E este registo meteorológico é ponto de partida para vos falar de algo extremamente simples como o pão. E de um sítio aprazível como a padaria. Há algo de branco e fofo nas padarias que me causa uma espécie de conforto em dias como este. Tudo se mistura: o som do vento, a água da chuva que esfria os pés, o aroma a café que nos incha as narinas e o cheiro contagiante da última fornada a espevitar todo o nosso sistema olfativo, parente próximo do sistema afetivo. Neste contexto sinestésico entram em cena os pães, resvalando aos trambolhões para uma qualquer montra envidraçada. Fazem-se. Deixam-se admirar. Provocam-nos tão quentes e tão cheirosos em dia frio. E do caminho que fazem do forno à mesa há apenas uns centímetros de paz. Quando nos chega este pão às mãos, depois de ter pas

Ando pensando que não em mim!

Ando pensando que não em mim! Aqui estou eu, agora, desnudada, metade de mim filha, a outra metade de mim mãe Saltam da minha boca palavras com carne e palavras de sangue com sangue  que sustentam a ternura Lábios de filha prontos para beijos mansos e ternos em pele enrugada  ou lábios de mãe para beijos tontos e repenicados em pele jovem e lisa Um braço amparando a fragilidade  e o outro a controlar a pujança e a rebeldia Cabem no meu colo o corpo débil e mole da minha mãe o corpo cada vez mais musculado do meu rapaz gigante  e o corpo elegante e harmonioso da minha mulher bela que ajudo a crescer Tenho cheios os olhos molhados de ternura  E vibra no meu peito um coração cada vez maior e mais apertado E ganho todos os dias pernas rijas para seguir em frente por caminhos onde nada me detém,  seguindo rigorosa e atenta  Aqui me  têm, meus filhos e minha mãe, como Mulher enriquecida pela força maior que é o Amor de Mãe!

mistério ainda por desvendar

nunca pensei que ficasses assim tanto tempo cá dentro, vejo-te às vezes fecho os olhos para não ver, mas mal os fecho, aconteces -me a conclusão é óbvia: passaste para o lado de dentro andas às voltas do lado de cá, provando que o tempo é instância enganadora

A partir de certo ponto, não se pode voltar atrás. É este ponto que é preciso alcançar.

Bendito o que nos coloca perante o assombro do insignificante, aquele que nos desvenda o seu deslumbramento. Bendito o que partilha a beleza dos sons e dos passos de dança. Bendito o que nos inspira com a sua voz, aquele que prefere as horas tardias, fora do expediente entediante. Abençoado quem nos brinda com a sua boa disposição e ânimo e que nos faz acreditar que viver é tudo isto. ( o título é da autoria de Franz Kafka)

tem de ganhar corpo para provar que existe

o vento imaterial dá, sem pedir licença, som e movimento à cortina desta sala é um fogo que lhe dá e a cada balanço intenso bailado ritmado responde à chamada e incha sabe que o vento insiste tem de ganhar corpo para provar que existe

terias coragem de a cumprimentar?

apresentou-se fresca a neblina tão menina a percorrer espaços de outrora e se de repente te aparecesse aqui e agora tu menina qual neblina terias coragem de a cumprimentar?

Há um exército de mulheres que limpa o mundo

Ela. É a minha condição, portanto, percebo-a.  Ela. É esforço permanente. Ela é irónica, subserviente, apaixonada, agressiva, tímida, rebelde, simpática, sufocada, combativa, doce, revoltada, alegre, monótona, elegante, magra, anafada, com dentes, sem dentes, musculada, flácida, inteligente, parva, histérica, acabrunhada, conversadora, reservada, mãe, tia, avó, filha, prima, amiga, confidente, inconveniente, intolerável, compreensiva, generosa, egoísta.  Ela é demasiado. Ela limpa o mundo, expurga-o, areja-o, sopra-lhe o pó, desinfeta. Ela é vermelho vivo, desassossegado, doloroso, sentido.  Uma dessas elas escreveu «É possível, dizem-me algumas vezes, que não conheças nenhuma que seja uma merda? Conheço, sem dúvida, a literatura está cheia delas e a vida de todos os dias também. Mas, todas as contas feitas, sinto-me seja como for do lado delas.» ( a citação é de Elena Ferrante, o título é de Sara Barros Leitão)