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Há sempre uma mesa redonda...

Há uma mesa redonda. Há um jogo de tabuleiro quadrado em cima da mesa redonda. Cadeiras à volta da mesa. Peças alinhadas.
Há um esquema que tem vindo a ser montado. Há gente inteligente e ambiciosa o suficiente para montar esquemas. São esquemas mentais, ao princípio, que exigem bastante concentração e rigorosa planificação. Uma vez testadas todas as possibilidades e riscos e, firmando-se uma das hipóteses como viável, inicia-se mais uma série de esquemas, desta vez  mais concretos. Efetivam-se dia a dia em pequenos avanços, pequenas evidências, pequenas conquistas. Os intervenientes no processo estão motivados (afinal é possível e ninguém dá por nada!) e os esquemas cada vez mais minuciosos e arrojados vão-se complexificando. Grandes conquistas! Estão imparáveis! Um pequeno poderoso grupo e um líder. Há necessidade de colaboradores inteligentes e fiéis. E afinal tudo bate certo, tudo parece bater certo.
Há sempre uma mesa redonda. Há um jogo de tabuleiro em cima da mesa. Gente à volta da mesa. As peças movem-se. Já não estão alinhadas. Avançam algumas peças. Estratégia ao rubro.
A gente inteligente e ambiciosa mora agora em casas enormes, palacetes rodeados de verde. Têm cães de guarda ferozes, há guarda costas musculados, portões automatizados que deixam passar carros topo de gama, há um mistério chique. Tudo bate certo, tudo rende para alimentar este mistério chique.
Só agora reparei que, à medida que o jogo vai avançando, para além de um desenho quase caótico de peças num tabuleiro desorganizado, há peças que estão caídas. Um dos que está à mesa do jogo, jogando, tenta compor algumas peças, um outro conclui da necessidade de deixar algumas assim, caídas. Começa a nascer a vitória para um dos lados.  Andam todos à roda da mesa.
De um grupo surgem dois pequenos grupos, um deles mais bafejado pela sorte. Inteligência ao rubro. Esquema controlado. Líder idolatrado. 
Há sempre mesa redonda. Há um jogo de tabuleiro quadrado em cima da mesa. Aperfeiçoa-se a posição de algumas peças. Reformulação de estratégia. O jogo não pára. Já não há tanta gente à volta do tabuleiro. Restam apenas os exímios jogadores. Alguns foram retirados do jogo. Foram dar uma volta. Não sabiam jogar.
De repente, há contas onde entram milhões num dia e saem milhões no outro. Distrações habituais e agitações diárias perfeitamente normais e compreensíveis para quem monta esquemas deste calibre. Os elementos do grupo bafejado pela sorte separam-se. O plano infalível começa a dar sinais de falibilidade. Esquema descontrolado. O líder cai dos píncaros. Isola-se, deixa de atender chamadas.
E a mesa redonda ainda lá está. No tabuleiro, as peças todas caídas. Um único jogador à mesa. Dá voltas à cabeça. Conclui que não há já estratégia que lhe valha. De um lance, atira com as peças agora espalhadas pelo chão. Fim de jogo.
Qual Ícaro, fugindo do labirinto, sem ouvir os conselhos sábios, também este ser inteligente e ambicioso quis subir alto demais e acabou por derreter. 
Este voo não dá para entender apesar de ser possível interpretá-lo à luz de metáforas e símbolos. É o jogo da vida dos chicos espertos.

Mónica Costa





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