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mas ainda bem que há mecanismos infalíveis que cortam todos estes fios:

 são tantos os fios os fios poderosos do tédio dos dias os fios invisíveis que nos prendem os fios que nos humilham, nos envergonham, nos tolhem os fios que nos impingem mas ainda bem que há mecanismos infalíveis que cortam todos estes fios: as fugas e aquilo que se adivinha precioso os nascimentos que nos emocionam,  as mortes que aceitamos como necessárias e as ressurreições inesperadas a novidade, o que se anuncia arrebatadamente as luas espantadas que surgem sem mais nem menos a defesa das urgências de agarrar um momento os lugares onde fomos felizes as viagens que ainda não fizemos as palavras como pontes que unem margens as decisões que fazem avançar o mundo a gratidão de viver mais um dia em liberdade (obra de Fabiana Zamuner in https://www2.jornalcruzeiro.com.br/materia/719131/intervencao-artistica-traz-delicadeza-a-cidade)

há um florido alpendre e isso basta!

Um dia banal que se transforma. Porque, às vezes, é assim que acontece. Pensamos ao acordar: aqui está mais um dia em que tudo se repete. Nada muda. É o ter de ser! Uma vulgar quinta feira de trabalho à espera de ser sexta para que se aproxime o dia do descanso. Foi exatamente assim que pensou a Celeste. Mas, naquele dia, vinha de cravos na mão. Era dia de festa no local de trabalho e havia que presentear os clientes do seu restaurante. Foi assim recomendada pelo patrão. E conforme lhe disseram, assim obedeceu. E lá vinha ela de cravos na mão, tão vermelhos quanto a sua devoção. Quarenta anos de idade e muitos de serviço com certeza. Devia ser daquelas miúdas que começaram a trabalhar cedo para ajudar a família.  O caminho para lá foi certo, igual a tantos outros dias repetidos pela certeza do dia a dia. Só que, às vezes, ao virar da esquina podemos ser agradavelmente surpreendidos pelo que de melhor está por vir. A porta afinal estava fechada e não havia festa para ninguém. Ficaram os

Mas eu insistia

  Eu lia e abstraía-me. Diziam-me para ler sem me explicar porquê. E o livro era tão difícil. Mas eu insistia. Olhava-o com cuidado, com vagar, com tempo, escolhendo o melhor lugar. E aos poucos, ía sentindo que o tempo parava e a luz surgia e, da confusão inicial das palavras, surgia uma ideia nítida e começava a compreender. As longas linhas fastidiosas e labirínticas transformavam-se em caminhos por onde outros tinham andado. Aumentava a curiosidade e também queria experimentar. O meu pensamento começava a organizar-se. Sentia a experiência dos outros que me avisavam. E de cada palavra transbordava a terra, o sol, a maresia. O silêncio e a calma. A paz e a vida. A guerra e a dor. Mas também a voz e a alegria. A música. A coragem dos que querem partilhar. E juntavam-se mais palavras, muitas palavras novas que, por serem percebidas, eram sentidas e, portanto, apaixonavam e prendiam.  E aquilo que agora vejo é aquilo que nunca tinha visto porque consigo enxergar sob novas perspetivas.

mão na mão

  força que liga e desliga uma mulher outra mulher um amparo mão na mão uma espécie de olho por olho dente por dente gestos de uns pelos outros que continuam a alastrar-se por dentro é esta a posição dos cacos e dos afetos

aqui nesta esplanada onde tudo é perfeito

 aqui nesta esplanada, tudo é perfeito  a tua fala ainda e o teu sorriso e uma chuva miudinha uma espécie de contrabando tudo a combinar e a constituir-se como mistério que dá substância à vida não há maior regalo do que este de estar aqui sentada ao lado destas palavras aqui nesta esplanada onde tudo é perfeito

Somos quase sempre a dúvida pernas de Homem, alma de Pássaro!

 Claro que é sempre para baixo que se caminha e a toda a velocidade! Voar é para cima. Somos uma espécie de Homens-Pássaros de voo, mas a pique! Cada vez mais cansados, mas com uma inabalável vontade de arrastar os corpos para fora do círculo da queda. Sim, admitamos! Todos temos uma aversão natural ao que é certo porque sabemos que é difícil caminhar sempre... E o nosso sentir natural é este Errando e errando até acertar o voo ou o passo. Aproveitar todos os dias para nos conhecermos melhor e continuarmos a ter a fome e a inquietude necessárias para reconhecer que não há voos certos há movimentos livres, momentos inesquecíveis! Sim, admitamos! Somos quase sempre a dúvida pernas de Homem, alma de Pássaro! E são já poucos os preparados para admitir que ficam os voos não as caminhadas. 

E o dia amanhece em paz.

 os desentendimentos eficazes são aqueles que são capazes de fazer, de forma divinal, as pazes num jeito violento e terno ao mesmo tempo uns rápidos de temperamento que culminam num entrelaçar lento de movimentos uns desentendimentos eficazes uns entendimentos que ninguém entende  e o dia amanhece em paz

faz-te primavera vestida de andorinha

 Há um verbo bom Criar! Como que uma voz pequenina que vem de dentro e diz Caminha! Refaz Dá a volta Imagina! E menina à solta faz-te primavera vestida  de andorinha.

Abro a saca e faço casa e assim se racha a dor

De lama faço alma. Com ramo construo amor. Abro a saca e faço casa e assim se racha a dor Enquanto umas palavras andam, outras decidem nadar  E não há ataque que eu acate, neste jogo de palavras porque sou louca, mastigo sílabas, refaço e desfaço-as. E foi assim que o amargo trocou o passo e aparece cedo o doce Da boca se faz cabo.  Das cordas saem cardos.  Do grito salta trigo.  De tanto uivar fica a tarde ruiva.  De ciosa faz-se coisa refeita.  E sabendo que não há medo que não me dome,  mas há sempre azar na palavra arrasar,  não há que ter receio das maldades porque ainda há palavras intactas como sebes que não se desmontam nem de trás para a frente nem da frente para trás.  E ainda outras que quase não se desfazem como sonhos não há volta que se lhe pegue… São estes altos e saltos, como a vida… são palavras em sobressalto que dão voltas com energia!