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Mensagens

Há sempre uma mesa redonda...

Há uma mesa redonda. Há um jogo de tabuleiro quadrado em cima da mesa redonda. Cadeiras à volta da mesa. Peças alinhadas. Há um esquema que tem vindo a ser montado. Há gente inteligente e ambiciosa o suficiente para montar esquemas. São esquemas mentais, ao princípio, que exigem bastante concentração e rigorosa planificação. Uma vez testadas todas as possibilidades e riscos e, firmando-se uma das hipóteses como viável, inicia-se mais uma série de esquemas, desta vez  mais concretos. Efetivam-se dia a dia em pequenos avanços, pequenas evidências, pequenas conquistas. Os intervenientes no processo estão motivados (afinal é possível e ninguém dá por nada!) e os esquemas cada vez mais minuciosos e arrojados vão-se complexificando. Grandes conquistas! Estão imparáveis! Um pequeno poderoso grupo e um líder. Há necessidade de colaboradores inteligentes e fiéis. E afinal tudo bate certo, tudo parece bater certo. Há sempre uma mesa redonda. Há um jogo de tabuleiro em cima da mesa. Gente à

Rendo-me...

Entro devagar na água até à cintura e deixo-me sentir em baloiçar de ondas a água desce e sobe o corpo inunda-se de balanços tudo se torna leve deixo-me deslizar elevo-me a boiar fixo o céu azul e o dia escorre esplendoroso e suave do lado direito uma orla negra de rochas duras como fendas fundas a água escorre para lá se funde e esbate em mim saio meio louca enrolo-me em toalha quente o sangue lateja lanço âncora na areia fina. Mónica Costa

Haja sempre um bom acordar!

Afastemos o sono, pois os raios de sol nos erguem, apesar de ainda fracos e esbranquiçados à medida que um dos nossos olhos se abre para o mundo. Na cama, em pleno reino dos lençóis, no interior de nós, flui o som da água que já se agita. Envolvemo-nos em preguiça e enrolamo-nos nos panos ainda quentes. As bocas se abrem num sopro de vida, o corpo estica-se e cada bocejo de ar é sensível aos sons do dia que começa: os ligeiros pássaros que piam, o carro longínquo que roda, os passos apressados de quem passa, o bater de uma porta, as folhas das árvores que balançam. E um e outro olho abrem as cortinas para a luz. Pela íris, passam os verdes da janela e pelas narinas sobe o ar fresco da manhã com a promessa de futuro. E é assim que penetramos terra adentro todos os dias. Haja sempre um bom acordar! Mónica Costa ( produção artística de Lurdes Pereira)

pintando em tom amarelo e com a força das árvores

Ora repara! Anda gente lá atrás azafamada, não sorrindo, aguentando as pesadas gotas de chuva de todos os dias.  Mas…repara bem! E há lá um que escapa ao pesado das gotas e está dizendo: – Quantas vezes já repeti para deixares andar…? Não penses em demasia, deixa fluir!  - És louco e passas a vida a sorrir! E olha que é no sorriso dos loucos que mora o perigo! – responde um dos que todos os dias sente o peso da chuva. -No sorriso dos loucos mora o Sol e os seus raios são quentes e densos o suficiente para transferir calor do centro para fora. É o que vai acontecer de imediato! E a gente lá atrás azafamada vê surgir um manto amarelo, raios em expansão! A gente atónita ergue os pescoços para perceber o que está a acontecer.  Não consegue, dada a intensidade do clarão, enxergar mais nada que não seja o amarelo que se estende à sua frente. Perde a realidade o seu sentido e vivem apenas e agora desta força única do Sol. Tudo se abre a esta nova onda: as ruas, os passeios, as ca

Tretas!

Acreditaste que, com o tempo, ganharias em elegância e subtileza. Tretas!!  Acreditavas que, com a idade, pensarias duas ou três vezes e nunca à primeira, de rajada, como quando ganhavas em beleza. Tretas!! Quando jovem, acreditaste que, impregnando impulso nas primeiras impressões, tudo se compunha de forma natural e sem hesitações. Tretas! Hoje, estás quase a acreditar que as primeiras impressões são falíveis preconceituosas, ingénuas, selvagens, nada credíveis. E, no entanto, nem sempre pensas duas vezes…Só tretas! Acreditaste que estavas no topo do mundo cheia de pujança, eras o centro das atenções. Tretas! Hoje, acreditas que já podes fingir que vales alguma coisa acreditas no carácter teatral que nos rege a todos e que nos confere, à medida que envelhecemos, um estatuto especial. O espetáculo vai sendo montado (Ah! pois é…) e há até quem pague bilhete para assistir sentado E tu, agora, daí desse palco, com a capacidade doce para assistir a todas as tretas sorrind

Ásia das Monções

Tema da aula de Geografia. Calharia a um de nós apresenta-lo individualmente. “Dar a aula”! Na década de 90 do século XX era uma novidade pedagógica no Liceu de Castelo Branco…e um pavor para nós, pupilos. Ainda mais com a temível, terrível professora de Geografia. Excelente professora mas que nos mantinha em sentido. No corredor reinava o pânico. Serás tu? Tu? Ou tu? Contrária à sua natureza insegura, tímida, stressada, aqui a vossa amiga estava estranhamente calma. Não era normal! Tranquilizava a malta, apoiava os mais nervosos, confortava os necessitados, … qual irmã de uma congregação perto de si. Ao toque aparece a mentora, o silêncio aterrador instala-se e entramos como gado prestes a ser degolado. Sentamo-nos. O olhar arguto pousa em todos nós e, invariavelmente, dá-se o fenómeno da avestruz, baixar o olhar e a cabeça como se invisíveis fôssemos. A boca abre-se e, sem hesitação, “Helena Goulão, venha ao estrado, se faz favor.” Nesse momento, e no meio de um s

Professores

Tecla gasta? Tecla gasta. …mas vou teclar na mesma. Rebelde e anti-prof assumida recordo …o de Biologia que me fez optar por Línguas; …o de Português que despertou em mim o gosto pela escrita; … a de Inglês que sempre me atribuiu notas justamente elevadas; … o de Jornalismo que acendeu a chama da criatividade em pleno século XX; … a de Antropologia Cultural que me obrigou a fazer o meu primeiro “trabalho de investigação” – Medicina Tradicional (manuscrito que não havia cá nada destas modernidades!...a capa até ficou engraçada); … o de Filosofia que não me deixou alternativa senão pagar a primeira e única explicação da minha vida: Filosofia de 12º ano! Recordo, com muito carinho, aquela que, sem dúvida alguma, marcou o volante do meu percurso: a minha professora de História. Os recortes de jornais sobre Arqueologia que me fornecia à socapa, a forma como leccionava, a forma de estar,…e pumba. Findo o 12º ano o que fazes? ARQUEOLOGIA! Aprendi imenso. Com o de Ro

Ciclogénese explosiva

Francisca atravessou o jardim e escutava encantada, mas atónita: que ventos estes? Procurava incessantemente um objeto perdido. Havia um raio de sol que desenhava sombras no chão e tudo parecia perdido e espalhado naquela relva macia. Nisto, e de repente, olha para um determinado ponto de um canteiro e vê uma pequenina luz brilhando. Batia palmas. E um vento mais forte surgia. Recordações destas não eram de perder. Era uma medalhita, nada de prata, nada de ouro, latão apenas, mas rica e preciosa como tudo. Era a recordação da sua avó que tinha sido mãe, irmã, amiga, professora e mais tudo isso e tudo aquilo. Faz hoje três meses que morreu. E parece que está ali no jardim a olhar para ela e a repreendê-la: «Franciiiiisca!». Estes têm sido os piores meses da sua vida. E tudo por causa de quatro paredes ao alto avaliadas em alguns milhares. Estas quatro paredes ao alto com este jardim descuidado e soprado por estes ventos fortes. Esta avó tinha sete netos com diferença de três anos ent

Adeus!

Se fossemos seres atentos, até poderíamos ouvir o suspiro, o suspirar dos segredos inconfessáveis, a voz dos viciados em sonhos e coisas temperamentais, ou seja, coisas perigosas que nos descompõem, às vezes. E era, assim, que todos os dias, fizesse chuva ou fizesse sol, ali estava de olho nas gentes que passavam pelos passeios carregados de pó e punha-se quente a magicar. E de tanto magicar, cansava-se ao fim de cada dia e parava, por vezes, e por momentos, num descanso ilusório de espinha curvada. Ele esteve sempre ali e sabia muito bem quem ela era, pois já a vira umas quantas vezes e outras tantas já a sentira muito de perto. Todas as quartas feiras, ela passava por ali, bem perto, descia e subia a calçada sem levantar os olhos dos pés, caminho calado e absorto, próprio de quem anda ensimesmada. Também sabia muito bem quem ele era. Sempre soube! Eles eram aqueles que, por vezes, apareciam de soslaio e se olhavam como se dissessem «Invado a tua alma e faço por possuí-la de ideias