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A mostrar mensagens de outubro, 2024

quando nos deparamos com objetos tão límpidos, ficamos sempre comovidos

e porque, às vezes,  são flores cada pétala uma letra todas em uníssono uma palavra e às palavras tantas um trinado que as declama em todas as cores será que é por existir dentro de nós uma qualquer brancura imaculada e inviolada que, quando nos deparamos com objetos tão límpidos, ficamos sempre comovidos? (os últimos quatro versos são de Han Kang)

A praia é a minha praia o ano inteiro.

  As praias vazias e frias são dos corajosos  ou dos tristes e solitários ou dos descontraídos ou simplesmente dos que não desistem do mar  mal ele nos acena com um deixa-me em paz. As praias no outono têm personalidade às vezes, brindam-nos com um sol inesperado outras regalam-nos com um nevoeiro cerrado outras ainda com a chuva, somos água na água. As praias no inverno exigem que resguardemos a chama trémula no côncavo das mãos. As praias vazias são mais apetecíveis, deliciosas  não cheiram a protetor solar exalam sargaço, vida, atrasam colapsos. A praia é a minha praia o ano inteiro.

Quer e não quer

Quereres. Faz apelo aos novos hábitos, mas apenas quer os velhos costumes. Quer virar a mesa ao contrário de patas para o ar para que lhe reconheçam autoridade, mas apenas andou a vida inteira sem saber viver. É um quer e não quer. Quereres. E agora lembrou-se que urge recuperar o tempo perdido e quer. Pragueja, mas sorri. Sorri bastante, o indeciso. Treina todos os dias poses sorridentes como quem tem de provar que quer o que não quer. Conserva bolores, simulacra bondades. Finge paciências. Abafa impulsos. Umas vezes quer, outras não quer. Desperdiça-se em quereres e não quereres. Vive sem vontades.

Dá-me ares

Tens a cabeça em desalinho. As figuras saem-te impercetíveis. E tudo em volta num redondo. Um labirinto. Por entre sombras e alucinações, escapam-se letras das palavras e palavras das frases. Tudo numa caligrafia desgraçada da qual se subentende o que se pode. Uma linha temporal só tua. Os pronomes tomaram o lugar dos nomes próprios. Tens os olhos no passado. Do futuro quase nada. O horizonte fechou-se. Ficaste muito estático a olhar para mim e disseste: - Dá-me ares…

Sentes como, de tanto caminhar sob este chapéu de chuva escarlate, as emoções estão ao rubro?

Já viste como são da cor das árvores os meus cabelos que, ao som da chuva que cai, esvoaçam em farripas despenteadas? E sentes como é bom andar por esta rua, nesta tarde tão molhada? E vês como ando de olhos vivos, dóceis ainda, tão prontos na procura? Já reparaste como a cor se espalha e nos faz notar? Vermelho, verme, tinta, encarnado, carne viva? E o que dizer destas faces coradas? Sentes como, de tanto caminhar sob este chapéu de chuva escarlate, as emoções estão ao rubro? Perto de ti, tudo inflama.    

Ficamos quites.

Tirei-o pela pinta. Ele tirou-me as medidas. Ficamos quites.

Poesia

 uma pulsão inata no sentido da verdade e da beleza (Lawrence Ferlinghetti)