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está o caldo entornado...





Houve um tempo em que acreditava que entre as palavras e a realidade ía uma distância considerável. Aprendera que as palavras são usadas para nos comunicarmos na realidade. Mas como era difícil a comunicação! Nem sempre se achavam as palavras exatas para traduzir a realidade. Nem sempre se usufruía de um leque vocabular alargado que nos permitisse traduzir tudo o que realmente se queria traduzir. E depois havia essa tendência para a ingenuidade - não se media as palavras! E havia também essa sombra de ser mulher que é a competência máxima no que toca a sentidos figurados. E se à ideia de significado, se lhe acrescentasse a de significante, estava o caldo entornado! Fazia constantes revisões sintáticas e consultava constantemente o dicionário à procura do sentido verdadeiro.
Então, o tempo foi correndo (que é expressão metafórica que não vem no dicionário!) e eu, correndo atrás dele, tantas vezes sem tempo, fui aldrabando o sistema da comunicação. Encurtei as frases (apesar de um leque vocabular mais alargado…), ou seja, comecei a medir as palavras. E o mais maravilhoso de tudo é que comecei a deixar de entender a realidade! Foi, então, que me apercebi que entre as palavras e o real se foi instalando uma curiosa vizinhança que se vai estreitando cada vez mais com a idade. Era o óbvio! E, agora, quase que não há necessidade de palavrear! O mais profundo e as coisas mais extraordinárias (leia-se, fora da ordem!) surgem normalmente de forma silenciosa, ténue, como uma suave e delicada gota, tímida, mas que escorrega quase sempre com brutal exatidão! 
Descobri tudo isto há uns meses, quando, num restaurante de cidade, mastigava uma posta de peixe espada! Curioso! Como é possível chegarmos a tão evidente conclusão entre a ronda habitual de distrações tão banais!

Mónica Costa
(imagem de Banksy)








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