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Mensagens

Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio

assentando o cu neste estrado duro miro lá mais para a frente o despontar de ouro no horizonte ( a escultura é de Fernando Botero e o título é de Ricardo Reis)

há sempre um que insiste

entre nós e nós há um mar de   mas um rio cujo caudal separa quase cheio talvez fosse fácil atravessá-lo     mas um caminho desempedido quase a meio talvez fosse simples a chegada    mas uma casa tão limpa à porta fechada talvez fosse o gesto breve e o convite    mas um cofre de palavras quase prontas e guardadas talvez fosse música para os ouvidos   mas entre nós e nós pequenas pausas retêm o passo entre nós e nós, todos da mesma laia, há sempre um que insiste    mas há sempre outro que não quer e desiste

rastilho

admirar-te deste ponto é perceber-te as raízes em esplendor por aí acima

será a ágil indolência de sucessivas aberturas em que veremos as labaredas de um outro sentido

aquele mesmo poema desde sempre do mesmo jeito por hábito um dia reparas nele com outros olhos de ver há que reaprender a olhar ele é o mesmo poema de sempre mas nem imaginas o quanto mudou aquela que o lê ( o título é de António Ramos Rosa)

Está uma tarde parada com uma chuvinha que chora

Está uma tarde parada com uma chuvinha que chora Ruas quentes agora onde ainda ferve o asfalto Silêncio absoluto. Umas pingas cortam-no em instantes ritmados  batem na chapa torta mesmo aqui ao lado um pingue – pingue que parecem lágrimas espaçadas Estamos todos confinados.  Menos aquele gato. Gato vadio que tem direitos que eu não posso. Passeia imune na rua por cima do telhado de chapa Uma chapa torta mesmo aqui qual fronteira farpada que recebe as pingas que cortam este nosso silêncio e serve de trampolim a este gato vadio que insiste  Foge o gato.  Volta o silêncio absoluto.
no lá longe há sempre  algo de cativo faminto ou furtivo

fugas

A nossa noite ontem à tarde foi a manhã por que esperávamos David Mourão- Ferreira

ponto de orvalho

6.30.parecia ainda madrugada.  tão sem boca. silêncio absoluto.  aliança concertada. céu e terra. manto cerrado.  um olho aberto. outro fechado.  linha de horizonte simulada.  o perto se faz miragem. e aos poucos.  tímido ponto de luz. e é vê-lo surgir.  envolto e velado. o dia. em ponto de orvalho.  

e entro nesta que sou de verdade

sacudo a poeira da estrada deixo o mar alto à entrada limpo um e outro pé da deriva dou duas ou três voltas à chave respiro fundo está alma servida e entro nesta que sou de verdade