Nos dias da semana, saía para a escola de manhã. Cumpria o ritual! Nada de especial… Mas a tarde… Ai, a tarde! A tarde era um colosso! Não havia aulas. Chegava a casa, atirava com a pasta para um canto, descalçava-me e corria para a rua, para o campo. Que felicidade! Minutos e minutos de pura felicidade! Nem pensava duas vezes! Na terra por entre as formigas, caracóis, minhocas e outros bichos que tais, assentava arraial a tarde inteira naquele quintal, de rabo no chão, joelhos na terra, mãos sujas de felicidade! Tinha, nessa altura, uns sete, oito anos e eu e os bichos éramos do mesmo tamanho, portanto, confraternizava naturalmente com eles em perfeita comunhão e alegria.
Noutro dia, deu-me para a jardinagem. Depois de pensar duas ou três vezes, atirei com a pasta para um canto (que prazer me deu!), descalcei-me e corri para o pedaço de terra mais próximo (não foi bem correr, digamos que foi mais andar a passo rápido…). Fiz questão de me chafurdar vestida a rigor tal e qual como naqueles tempos. Jardinei, ou seja, revolvi a terra à procura dos bichos. Mas nada! Nem um se dignou a aparecer… Bem me coloquei a jeito, de rabo no chão, sujei os joelhos e as mãos… andei à procura do tempo perdido… e bichos?... nem vê-los!!!
Nós, a gente que cresceu, ganhamos um repúdio idiota aos bichos. Na maior parte das vezes, sentindo a nossa superioridade, metemos-lhe o sapato em cima e esborrachamo-los sem dó nem piedade. Quanto à terra, é elemento sujo e não é digno andar de rabo no chão em perfeita comunhão com os bichos. Quem assim nos vê, nem pensa duas ou três vezes! Ficamos imediatamente catalogados como loucos. Como se não fossemos grandes bichos subordinados à grandeza dos bichos pequeníssimos, à imponência dos seres microscópicos que, de um momento para o outro, nos dizimam.
Talvez eles tenham adivinhado, portanto, esta minha condição idiota. Sabem de antemão que o meu tempo de chafurdar na terra, em comunhão com os bichos, já passou. Tudo tem o seu tempo.
Foi uma silenciosa lição dos bichos. Foi como se me tivessem deixado um recado naquele pedaço de terra, dizendo:
- Deixa-te de brincadeiras porque, neste momento, ainda não estás à nossa altura. Ainda és grande demais para viver assim com coragem!
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